Marta, Cristiane, Formiga e companhia emocionaram o Brasil durante a Olimpíada Rio 2016. E nem dependeram da conquista de uma medalha. Além da qualidade e da intensidade do futebol apresentado pela seleção brasileira feminina, o que mais chamou a atenção foram três pontos primordiais: dedicação, superação e luta do início ao fim de cada partida. Isso tudo sem apoio financeiro e sem salários milionários como o de Neymar. Exemplo que é seguido por um time caxiense de futsal feminino: o MGA Games, que começa a decidir neste sábado, às 20h, no Enxutão, o título gaúcho de 2016 contra a Celemaster, de Uruguaiana. O ingresso custa R$ 5.
– O povo viu na Olimpíada que as meninas também sabem jogar futebol. A gente sabe driblar, vai para cima, jogamos muita bola. Falta o empresariado olhar mais para nós, ver que temos potencial enorme para divulgar a marca deles. A gente está aqui, olhem para a gente com carinho – pede a pivô Ketlin Borges, a Teti, 22 anos, vendedora em um bazar.
Atuais campeãs gaúchas, as meninas do MGA enfrentam muitas dificuldades para seguirem jogando em um esporte de alto rendimento. Elas não recebem salários, trabalham em outras atividades, estudam e treinam todos os dias em horário que muita gente já está dormindo.
– Estamos jogando pelo amor mesmo, não temos incentivo nenhum. Não recebemos salário, não há patrocinador, trabalhamos o dia inteiro, estudamos e ainda treinamos todos os dias das 22h à meia-noite. Se não fosse esse amor pelo futsal, a gente ficaria em casa com a família – desabafa a goleira Bruna Bueno, 25 anos, que está fazendo curso técnico em enfermagem.
Para o técnico André Machado, o desafio é assimilar a realidade:
– Como elas não recebem salário e o nosso horário de treino é fora do normal, temos que ser flexíveis quando elas estão cansadas, indispostas ou não querem treinar. Mas, ao mesmo tempo, não podemos soltar demais a corda. Afinal, é um campeonato sério, é o Estadual. Tem que ter jogo de cintura, fazer a cobrança bacana, nem demais, nem de menos.
Os treinamentos são na quadra do Cristo Operário, no bairro Planalto, espaço também usado pelas diversas equipes de meninos e meninas das escolinhas do MGA Games. Não há estrutura de arquibancada.
– Se não fosse o Fiesporte não teríamos esse time feminino. Essas meninas são guerreiras. Não tínhamos nem quadra para jogar a final. Tive que ligar para um monte de gente, para o secretário de esportes, para o Juventude Futsal, até conseguirmos um horário no Enxutão – conta o presidente do MGA, Mimo Borges.
Mesmo com todas as dificuldades, elas brilham no salão. Em 12 jogos até aqui no Gauchão, foram 10 vitórias, goleadas como 24 a 0 e 30 a 0, um único empate, apenas uma derrota e impressionantes 122 gols a favor. E não para por aí. Tem craque do time que já está atuando no futsal italiano: Renatinha Adamatti.
Melhores do que muitos homens nas quadras
A fama das meninas nas quadras aumentou muito depois do inédito título gaúcho do ano passado, contra as gurias da Celemaster, mesmas adversárias da final deste sábado. Mas quem disse que elas só jogam contra mulheres? Ou melhor, quem ousa pensar que elas são piores do que os homens?
– O preconceito com o futsal feminino diminuiu bastante depois que as gurias venceram o Estadual do ano passado. A gente treina com alguns guris e também com o time sub-20 masculino do MGA. E eles sabem que precisam se puxar para nos vencerem. Se vacilarem, já era – conta a goleira Bruna.
Na época de Renatinha Adamatti no MGA, era comum os meninos tomarem caneta da camisa 9.
– Ela é craque, a melhor jogadora do Brasil. É muito talentosa, nasceu com o dom e cada vez mais vai aperfeiçoar esse dom. A falta dela agora na final é muito grande. Se eu tivesse uma Renatinha nas minhas equipes masculinas, eu seria um técnico realizado. A Renatinha jogaria em qualquer time masculino do país. Lógico que, na parte física, ela poderia ter algum problema na sequência de jogos por enfrentar homens, pela questão da diferença de musculatura. Mas, com a bola no pé, a qualidade técnica dela é fantástica. Aqui no MGA temos duas ou três atletas que também são melhores do que muitos homens por aí – destaca o técnico André Machado.
Sonho que motiva ou desanima diariamente
Renatinha Adamatti materializou o sonho de suas ex-colegas de MGA Games. Jogar na Europa é o que Bruna, Ketlin e todas as outras sonharam ou sonham diariamente.
– Fiquei seis meses em São Paulo, joguei no Palmeiras. Meu sonho era ser profissional mas, como não tinha nenhuma ajuda, resolvi voltar para Caxias do Sul. Não dá para viver de salário mínimo, como acontecia lá. Quando comecei a jogar, olhava as meninas de fora do Estado e queria ser igual, do mesmo nível. Mas, quando cheguei, vi que não era bem assim, que os clubes não investem no futsal feminino no Brasil. Desanimei. Hoje, só jogo por amor – diz a goleira.
Sucessora de Renatinha, a camisa 10 Ketlin é a líder técnica do time:
– Tenho o sonho de viver só do futsal feminino, mas a gente joga com um pé na frente e o outro atrás. Assim como pode dar certo, tem alguém que diz que não vai dar. A gente joga sonhando que o amanhã seja bem melhor do que hoje. A Renatinha abriu uma porta que ela nem faz ideia da dimensão. Depois que ela voltou da seleção brasileira, o MGA foi convidado para amistosos em Santa Catarina com a equipe tricampeã nacional. Empatamos com elas em 2 a 2. É um orgulho ver que a gente está crescendo. Só precisamos que nos apoiem, que venham nos assistir.