Dezesseis minutos do primeiro tempo. O Grêmio enfrentava o Rosario Central pelas oitavas de final do mais prestigiado campeonato das Américas, e parte da torcida vaiava Bressan sempre que ele tocava na bola.
Dois minutos antes, o zagueiro havia tomado uma decisão equivocada. Tentou afastar um lançamento, mas não calculou o tempo de bola. Falhou. O lance culminou no gol de Marco Rúben e foi suficiente para colocar a torcida contra o próprio time.
– Não tinha a tranquilidade necessária no Grêmio – disse Bressan em entrevista à ESPN.
Emprestado ao Peñarol até 2017, ele colocou o dedo na ferida aberta pelo torcedor-cliente, que se sente no direito de vaiar o time. Fruto maldito da mudança na experiência de consumo do evento futebol, esse cliente espera a vitória como prestação de serviço – afinal, pagou por ela ao adquirir o ingresso.
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Faz sentido vaiar durante o jogo? Há quem se aproprie da raiva motivada pelo sentimento de injustiça e a canalize em busca dos gols. Jonas, no Olímpico, chegou a chutar a bola contra a torcida na comemoração. Mas o que esperar do jogador limitado, cujas virtudes técnicas são sabidamente insuficientes? Quão ingênuo é supor que esse atleta irá melhorar o desempenho ao ser submetido a uma ovação pública?
Voltemos à partida contra o Rosario. Além dos
11 adversários de uma equipe que se provaria mais organizada e competitiva, era preciso enfrentar a própria torcida. Tentar o diferente significaria correr o risco de errar e inflamar o público. Esse desserviço tem um resultado previsível: a bola queima no pé, e a ansiedade inibe o talento. É a implosão do fator local.
"Cadê o controle emocional?", "ganham uma fortuna para jogar bola!", "não gostou? Muda de profissão!". Cegos pelo imediatismo, os clientes não enxergam o clube, ignoram a responsabilidade de quem escala, de quem treina e de quem contrata. Agem como se a vaia fosse alterar a lógica de um mercado que movimenta milhões.
A vaia não transforma o medíocre em craque. Mas isso, na verdade, pouco interessa. Quem vaia um jogador faltando
74 minutos para o fim da partida não está preocupado com o resultado. No universo em que torcer virou sinônimo de consumir, errar é uma violação do acordo comercial. Esqueça o futebol: o que está em jogo é a satisfação de um cliente que já não sabe o que é apoiar o próprio time.
*ZHESPORTES