Em 1915, o jovem Carlos Antônio Kluwe, de família pecuarista de Bagé, estudante em Porto Alegre e jogador do Inter, já tinha alcançado os seus três objetivos de vida: ganhar um Gre-Nal, terminar o curso de Medicina e se casar com a sua primeira e única namorada, Iracema Teixeira. Na formatura, ganhou do Inter um jantar de luxo no requintado Salão Rocco e um relógio de ouro.
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Aos 25 anos, Kluwe anunciou que estava parando de jogar futebol para ser apenas médico e cuidar da bela Iracema. Naquela época, estava se iniciando uma inhaca danada no Inter, e começaram também os apelos do clube para que Kluwe voltasse a calçar as botinas e entrar em campo. O doutor tinha bons motivos para resistir na recusa – estava sem treinar, não queria tirar o lugar de ninguém e achava chato ser visto como salvador da pátria.
Até que em 25 de junho de 1919 o Inter caiu totalmente de joelhos e mandou para Kluwe uma carta com 80 assinaturas – de senhoras, senhorinhas e cavalheiros da alta sociedade – "na convicção de que seus sentimentos como 'sportman' desse Club não ficarão indifferentes a este appello". E continuou a carta: "Como player distincto V.Ex. não póde negar o que presentemente lhe é solicitado", prossegue o texto. "O dia de gloria começou a declinar (...) seu afastamento coopera para o desanimo geral (...) sua reentrée impõe-se como inadiável. Os demais jogadores sentir-se-iam bem em conta-lo no seu numero, quer pelo seu caracter quer pela lhaneza do seu trato".
As 80 assinaturas do importante documento são de Olga Meneghetti, Martha De Lorenzi, Noemia Castro, Raphaela Furtado, Octacilia Almeida, Ninita Carlucci, Florencio Igartua, Waldemar Barbedo, F, Damasceno Ferreira. Para garantir, a carta a Kluwe vem em dose dupla: para reforçar, acompanha uma outra, a Iracema, para que ela ajudasse a convencer o marido a voltar ao time do Inter.
Aos 29 anos, quatro sem jogar, o pressionado doutor Kluwe finalmente não resistiu e voltou. Fez gol na vitória de 2 a 0 em Gre-Nal, jogou mais algum tempo e foi trabalhar em Caxias e finalmente acabou sendo prefeito em Bagé. Grandalhão de 1m90 e que pouco sorria, volante, centroavante e capitão do Inter, Kluwe foi o primeiro ídolo e craque colorado.
Agora, em 2016, quando a inhaca bate outra vez e com força à porta do Inter, dramaticamente ameaçado de rebaixamento no Campeonato Brasileiro, após pequenos e breves sinais de saída da UTI é indispensável tomar providência – qualquer providência.
Está na hora de decretar o fim dos intermediários e mandar outra carta – em espírito – ao doutor Kluwe.
*ZHESPORTES