Eram 16h07min de uma sexta-feira, 21 de novembro de 2014. Eduarda Amorim, a Duda, recebe um passe, avança pela ala-esquerda e faz um dos gols que culminaram na vitória do Brasil sobre a Tunísia no Torneio Internacional da Espanha. A euforia da jogada e as comemorações, porém, logo se misturaram aos gritos que ecoaram no ginásio de Málaga. Pela dor, aos prantos, Duda deixava a quadra com a ajuda das colegas e logo trazia uma preocupação que pouco tempo depois se confirmara: com uma grave lesão no joelho direito, a Seleção Brasileira ficaria sem a melhor jogadora de handebol do mundo.
Agora, responda rápido: o quão contraditório parece se dissermos que esse fato talvez tenha sido uma das melhores coisas que aconteceu na carreira da blumenauense? A cansativa rotina de treinos, a participação em cada minuto de todas as partidas que disputou - tanto representando o Brasil quanto pelo seu clube, o Györ, da Hungria -, viagens internacionais, pressão psicológica por resultados, são alguns dos fatores que tornaram a contusão da atleta sinônimo para descanso que, na prática, se transformou em férias. Merecidas.
Durante o período que passou em Blumenau antes de embarcar para a reta final da preparação para a olimpíada, Duda recebeu a reportagem do Santa. No ginásio onde disputou suas primeiras competições, o Galegão, em entrevista exclusiva ao Santa, ela disse que se machucar se transformou em algo positivo por conta da circunstância.
- Estava vivendo um momento em que meu corpo era exigido demais. Aprendi com a lesão que tive e hoje, graças a ela, tenho mais motivação e vontade para jogar. Talvez se tivesse continuado naquela época não chegaria na Olimpíada com a mesma fome de bola que estou hoje. Posso dizer com tranquilidade que o machucado que tive me fez bem - garante a blumenauense, recuperada totalmente do problema de dois anos atrás.
"Chego voando"
Após a conquista do Mundial de forma heroica, em 2013, a Seleção Brasileira viveu altos e baixos. Perda de atletas por lesão (como Duda) e desempenhos abaixo do que havia tido na conquista da competição mais importante do planeta resultaram em desempenhos abaixo da expectativa. A eliminação nas oitavas de final no Mundial do ano passado foi um balde de água fria nas meninas que eram, na época, atuais campeãs. Para a blumenauense, a derrota para a Romênia serviu como uma lição para o grupo que - acredita ela - chega em seu melhor momento para buscar a sonhada e inédita medalha olímpica.
(Foto: Confederação Brasileira de Handebol, Divulgação)
- Chego voando. Estou me sentindo confiante, sem aquela pressão por resultados que acontecia antes e bem tranquila de que a gente vai conseguir dar conta do recado. Vai ser uma recompensa para todos, para a cidade, e não só para mim. É uma causa e uma medalha que pode ajudar a transformar o cenário do handebol, o esporte que a gente tanto ama, no Brasil - acrescenta Duda.
20 anos depois
Quarta-feira, dia 3, completaram-se 20 anos da conquista do bronze do vôlei feminino em Atlanta, nos Estados Unidos. O momento em que Filó acerta o bloqueio russo e o Brasil soma seu 15º ponto é exatamente o mesmo em que, pela primeira vez, uma blumenauense colocava no peito uma medalha olímpica. Duas décadas depois, a possibilidade de termos uma atleta nascida e criada na terra da Oktoberfest figurando no pódio volta a ser um sentimento real. E mais do que isso: provável.
Para o técnico da equipe feminina de handebol de Blumenau, Sérgio Graciano, o caminho será árduo, cansativo e as meninas precisarão lidar com isso:
- Das 12 seleções que aqui estão, pelo menos 10 têm totais condições de medalha. Serão os Jogos Olímpicos mais equilibrados da história, em um campeonato que será extenso e extenuante. Acredito que teremos uma dificuldade pela ausência de peças de reposição
para algumas funções, como por exemplo da própria Duda e também da Ana Paula, que poderão sair pouco da quadra para descansar, o que deve trazer uma fadiga ao final da primeira fase - analisa.
Em quadra, a Seleção Brasileira terá outro desafio, segundo Graciano: lidar com a pressão tanto da torcida, quanto da comissão técnica. Segundo ele, se o grupo souber explorar o apoio que virá das arquibancadas, será mais um fator motivador para buscar as vitórias. Para o primeiro professor de handebol de Duda Amorim, Fausto Steinwandter, a possibilidade da conquista de uma medalha é iminente e a escolha de enfrentar equipes mais difíceis foi, teoricamente, correta.
- O Morten (Soubak, dinamarquês técnico do Brasil) teve uma decisão acertada ao escolher a chave mais difícil para jogar na primeira fase para ter um cruzamento mais fraco no mata-mata. As meninas estão bem preparadas fisicamente e em um ótimo patamar técnico e tático. Tudo é possível, o jogo é jogado - comenta Fausto
Abençoada antes da viagem
No sábado que antecedeu o embarque para a concentração com as colegas de equipe, Duda teve um dia um tanto quanto diferente. Em Blumenau, a atleta preparou mais do que o corpo. Aproveitou a véspera da viagem para exercitar a sua fé e durante uma missa na Paróquia Santa Cruz, na Velha Central, ela foi chamada ao altar. Não, ela não ia casar. Foi um convite do padre Roberto Carlos Cattoni para uma bênção especial à véspera da participação da blumenauense na Olimpíada do Rio de Janeiro.
- Fomos à missa bem em cima da hora e quando chegamos lá apresentei a Duda para o padre. Aí, pedi para que ela fosse abençoada antes das disputas. Mas não para que ela fosse chamada lá na frente para todo mundo ver. Tomara que dê certo - conta bem-humorada a mãe da jogadora, Olívia Amorim.
Em meio aos aplausos e fila para autógrafos, Duda foi o centro das atenções ao final da celebração. Mesmo com toda a experiência de competições internacionais, campeã mundial com a Seleção, da Liga dos Campeões da Europa com o clube húngaro, a melhor jogadora de handebol do mundo em 2014 não escondeu a vergonha, segundo a mãe.
- Parecia que tinha saído um gol dela na igreja. A Duda ficou toda vermelha! - conta, empolgada, Dona Olívia.
O primeiro compromisso da blumenauense está marcado para amanhã, às 9h30min, contra a Noruega, na estreia do handebol feminino logo no primeiro dia oficial de disputas dos Jogos Olímpicos do Rio.