O Sala de Redação está no ar. O radialista Cândido Norberto vai começar o programa e assume um dos microfones que estão improvisados em pequeno estúdio montado na redação de Zero Hora, já no prédio da Avenida Ipiranga. Ele sai a entrevistar os editores e repórteres que estão tocando o jornal, quer saber das novidades, e abre depois o debate das notícias com os convidados. É 1971 e começa assim um dos modelos mais característicos do rádio gaúcho, o modelo do Sala de Redação.
Agora, 45 anos depois de sucesso contínuo e consagrar o estilo do debate noticioso no rádio gaúcho, depois de fazer a cabeça de gerações de torcedores acalorados e ouvintes de assuntos gerais, depois de lançar e sustentar polêmicas fervorosas, pois agora o "Sala de Redação" também é nome do livro que os jornalistas Cléber Grabauska e Júnior Maicá lançam hoje no Gaúcha Sports Bar. Tem mais. Os dois autores mais Eduardo Santos também apresentam hoje um documentário em CD com uma hora e meia de duração com a história e revelações dos bastidores dos programas.
Se você é do tipo ouvinte que trata o programa de "Sala", com intimidade, se você quer saber se as brigas do Sant'Ana com o Ruy eram verdadeiras, se as altercações do Sant'Ana (sempre ele) com Kenny Braga, Ibsen Pinheiro ou David Coimbra eram reais, leia o livro (Editora Bairrista, 2016) e veja o documentário.
Tudo começou, aliás, com um grande disputa. Na época em que o programa foi lançado, a empresa Caldas Júnior e sua Rádio Guaíba dominavam os corações dos gaúchos com os talentos de Ruy Carlos Ostermann, Lauro Quadros e Armindo Ranzolin. Com o tempo, o Sala do Cândido, de assuntos gerais das 11h30min até o Correspondente GBOE ao meio-dia e uma segunda parte com debate esportivo, até as 14h, ajudou a Gaúcha a cativar o ouvinte.
Foi quando surgiu um cronista enlouquecido que tinha vindo à Redação de ZH para participar do programa, sem ser convidado. Paulo Sant'Ana, gremistão doente, acabou conquistando a todos. Numa época em que o Grêmio só apanhava de um Inter octa gaúcho e bicampeão brasileiro, Sant'Ana cresceu com suas teorias de conspirações de arbitragem, que alimentava as necessidades dos ouvintes tricolores. Inaugurou-se assim a figura do cronista identificado com Grêmio ou Inter. Até então, aquilo era impensável.
A Gaúcha levou esse ambiente à Copa de 1974, na Alemanha. Da Europa, Sant'Ana, o gremista impulsivo, e Ibsen, o colorado frasista, debatiam como se estivessem no estúdio de Porto Alegre. Aquele foi o grande salto do programa. E da Gaúcha.Oswaldo Rolla, o Foguinho, ex-técnico do Grêmio, e Cid Pinheiro Cabral, cronista talentoso e colorado, chegaram ao programa. Mal podiam se olhar. De tantos conflitos e rusgas esgrimidos no programa, acabaram amigos. Cláudio Brito, Valtair Santos completavam o time, que a partir de 1978 recebeu o seu maior reforço, o professor Ruy Carlos Ostermann, até então o símbolo máximo da concorrente, a Rádio Guaíba.Em 1984 foi o narrador Armindo Antônio Ranzolin quem trocou a Caldas Júnior pela RBS, seguido por Lauro Quadros no ano seguinte. Lauro criava no ar alguns tipos como o puxa-saco do professor, que respondia um "Oh, oh, Lauro, tu és impossível". Por sua vez, Kenny pedia a palavra ao mediador com um "Profssor, profssor, profssor, o Internacional..." _ e o Ruy dizia "É mesmoooo, Kenny".
Com a formação humanística de Ruy, professor de filosofia, que via metafísica no futebol, o diversidade de Lauro e o escritor Kenny, o Sala passou a tratar de futebol, política e cotidiano. A chegada de Wianey Carlet, antigo repórter dos anos 1970, o círculo do programa entrou os anos 2000 consagrado. Muitos outros integrantes não menos interessantes passaram pela mesa do estúdio. O livro se encarrega de recuperar a memória e dá o contexto histórico. E o documentário traz o depoimento muitos deles.
Duas grandes brigas marcaram a história recente, a de quando Sant'Ana atacou David Coimbra com a bengala e a derradeira, de quando Sant'Ana e Kenny trocaram ofensas no limite do impublicável.
Se alguém fosse descrever uma cena simbólica dos bastidores do Sala, ela poderia ser assim:
Após o intervalo do programa, Sant'Ana sai a passos pelo corredor da técnica da rádio, já com o cigarro aceso. Vai para o bar e pede um doce mil-folhas, apesar do diabetes. Guerrinha e Wianey também saem para fumar. Guerrinha consulta o programa do turfe do dia e comenta com Cacalo. Kenny vem atrás, há sempre alguém esperando por ele no bar. Sant'Ana chama todos de "desinteligentes" e a briga recomeça no bar do seu Gilberto. A cortina musical chama a volta do programa e só o Ruy, o mediador, está no estúdio, lê os comerciais e aguarda o retorno de um cada um de volta, às vezes, aos gritos.
Ao final do Sala, Sant'Ana deixa o estúdio, uma nuvem de fumaça o acompanha. Alguém pede autógrafo, ele não dá atenção, e sobe pé por pé as escadas até a Redação de Zero Hora. Recolhe-se à sala dos editorialistas do jornal. O cigarro está na boca, mas apagado. Na Redação ele foi terminantemente proibido de fumar. Ele se aloja em sua poltrona de couro negra sobre a qual há um quadro com o trecho de uma crônica de Antonio Maria: "Se eu estiver dormindo, me deixe dormir. Se eu estiver morto, me acorde".
SERVIÇO
Lançamento - Sala de Redação, aos 45 do primeiro tempo
De Cléber Grabauska e Júnior Maicá
Onde? No Gaúcha Sports Bar (Avenida Nilo Peçanha, 3102)
Quando? Nesta segunda (11/7), a partir das 19h30min