Quando perguntaram ao estrelado espanhol Pep Guardiola, 45 anos, talvez o melhor exemplo de estrategista de futebol do novo século, o que era necessário para ser um treinador, ele precisou de um segundo e uma palavra para encontrar a resposta. Foi definitivo:
– Coragem.
Colhões (cojones na língua materna do cultuado Pep) é o que sobra ao gaúcho Tite, 55 anos. É o que ele mostra desde o começo dos anos 1990 na pegada do campo, no vendaval do vestiário, na sala política dos dirigentes inaptos e, agora, em outro ambiente, no preto e branco do surpreendente livro Tite (Editora Panda Books, 240 páginas, R$ 30).
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A obra, assinada pela jornalista Camila Mattoso, 28 anos, repórter do jornal Folha de S.Paulo, não se apresenta como biografia, livro que os grandes treinadores brasileiros do passado e do presente ainda nos devem. É mais um alentado perfil, elaborado, trabalhado, pesquisado entre mais de 80 entrevistas e que capta passagens importantes dos 26 anos de carreira do treinador, raro e celebrado campeão pela dupla Gre-Nal na década passada.
Em certos pontos, o texto avança e toca na vida pessoal do perfilado, coloca a serra gaúcha no mapa e bate na porta da família Bachi. Entra e revela uma pessoa completamente apaixonada pelo seu trabalho, mergulhada até o último fio de cabelo no futebol. Tite come e respira futebol. Sonha em 4-2-3-1 ou 4-1-4-1.
É bom saber como Tite cultua a família e preserva valores tão carentes aos brasileiros. É melhor ler as partes que tratam do futebol. Mesmo que tudo tenha uma ótica quase só paulista, o treinador encontrou seu auge em clube no Corinthians – o máximo virá com a Seleção no futuro, espero e creio – e sobram citações a personagens que vivem no imaginário coletivo do torcedor gaúcho. Falo de cinco deles abaixo.
D'Alessandro, a briga: Em má fase em 2009, sempre individualista, D'Alessadro imaginava que Tite, entre outros problemas, era o culpado. Em Quito, na derrota de 3 a 0 para o LDU, os dois tiveram uma feroz discussão. O confronto físico esteve próximo. Foram seguros por Clemer e Índio. Outra vez, no Rio, substituído no intervalo, o argentino não gostou e começou a tirar a atenção dos jogadores durante as instruções. Tite falava: "Vai para o banho, que vai entrar outro". Hoje, eles não são amigos.
Douglas, a fumaça: Entre 2010 e 2011, Tite insistiu para que Ronaldo Fenômeno e Roberto Carlos largassem o cigarro. A campanha não teve êxito. Em 2012, descobriu que Douglas, o agora pesado e contestado camisa 10 do Grêmio, também fumava. Protestou. Disse: "Você fuma e eu não sabia". Cobrou o jogador numa reunião semanal, com todo o grupo. Douglas não negou nem confirmou. Brincou: "Eu fumo desde criancinha". O vestiário todo riu. Tite entendeu: outra batalha perdida.
Ênio Andrade, a reverência: Carlos Froner e Ênio Andrade definem o futebol gaúcho. Tite é adepto da escola de Ênio, que prioriza o toque de bola e a qualidade técnica, sem esquecer a marcação. Felipão segue Froner. Tite não tem mais qualquer relação com Felipão. Eles brigaram em 2010. Criou-se um abismo entre eles.
Jorge Henrique, a bebedeira: O ex-colorado, hoje no Vasco, apareceu bêbado no treino antes da viagem ao Mundial de Clubes da Fifa, em 2012. O treinador o cobrou na frente dos colegas. Acusou-o de falta de lealdade com o grupo. Mas não guardou mágoa. Jorge Henrique jogou a final do torneio, no Japão.
Alexandre Pato, o viajante: O atacante tentou dar uma cavadinha no pênalti na Copa do Brasil em 2013. O gremista Dida defendeu. O Timão saiu da Copa do Brasil. Tite ficou louco. Possessos, colegas queriam bater em Pato. Todos descobriram depois que o jogador vive num mundo paralelo, só dele. Sua realidade é outra. Seu compromisso com o coletivo é mínimo, às vezes inexiste.
O outro livro:Tite, o livro, é sustentado por fatos reais. Mesmo que não seja oficial, assinado por Tite, ele colaborou. Recebeu a autora. Fez revelações. O que ele deve agora não apenas ao fã do futebol, mas aos jovens treinadores, executivos da área, estudantes de Educação Física, jornalistas, entre outros, é um obra mais técnica. Tite precisa colocar no papel o seu método de trabalho vencedor. Oferecer a chave do tesouro aos novos que cultuam e trabalham no futebol e aos nem tão novos assim. Todos querem saber mais.