Se você ainda não viu em um dos seus grupos de mensagem o vídeo capaz de mobilizar o Brasil tanto quanto o impeachment, o que talvez explique tudo, do sítio do Lula às propinas do Aécio, passando pelos coronéis do PMDB, tentarei descrevê-lo.
Há muitas pessoas dentro e fora da piscina, a maioria mulheres com calor. Uma delas, no canto inferior direto, é loira, usa óculos escuros e veste um maiô branco inteiro, com algumas leves fendas no tecido. Ela se move languidamente na água, sem sair do lugar. Distingue-se das outras, as de biquínis menores do que têm a esconder – ou a mostrar: depende do ângulo, inclusive literalmente –, pela personalidade.
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Os movimentos das mulheres de biquíni são mais, digamos, tradicionais para a trilha sonora do vídeo, que é o funk batidão. Os da loira, não. A loira tem suavidade. O fato é que estão, homens e mulheres, todos jovens de corpos malhados, inebriados pelo ambiente. E obcecados pelo anfitrião: Neymar. Imagino que ele tenha bancado tudo.
Aquela garrafa de Möet Chandon, usada para dar banho nos parças, não foi comprada com dinheiro de alguma vaquinha dos convidados, tipo a carne dos nossos churrascos após a pelada da semana. Tudo o que Neymar faz no curto vídeo é aplaudido. E o que não faz, também.
Foi antiprofissional?
Teve conduta reprovável como ídolo?
Errou?
Não. Ele está em férias. Pode fazer o que quiser, desde que não roube, mate ou tenha o nome citado em delação premiada. E desde que se reapresente em forma para a Olimpíada. É de uma hipocrisia e falso moralismo enormes se escandalizar com festas de jogadores. Neymar é solteiro, jovem e sem dores de cabeça financeiras por muitas gerações.
Garrincha deixou filhos em várias cidades visitadas pela Seleção. A agilidade de alcova de Pelé na Suécia já ganhou contornos lendários. Sempre foi assim. A diferença é que agora as redes sociais vazam até espirro de rinite. Que Neymar curta a vida e bloqueie os haters xaropes, deixando-os serem consumidos pela mediocridade anônima.
Só se vive uma vez. Mas tem algo ali naquele vídeo do Neymar que me incomoda, e não é a festa em si.
É o que está por trás, perceptível no prazer de tirar selfies com Justin Bieber e posar em camarotes ao lado de famosos que, obviamente, não são amigões de infância, e sim agentes midiáticos.
Refirmo-se à cultura da ostentação.
Virou mania nacional. É uma preocupação exagerada com a imagem. A mais nova tatuagem (no caso dos jogadores e artistas pop de ocasião). O corte novo de cabelo. O último modelo da roupa cara de grife. Tudo é mais importante do que o conteúdo. A imagem, no sentido de mostrar beleza, riqueza e poder é mais importante do que uma frase, uma ideia, uma posição sobre aquele assunto que interessa a todos.
Não significa dizer que um tatuado de cabelo diferente é um idiota. É óbvio que não é isso. Falo do contexto. Da simbologia. Do gesto. Por que andar por aí com relógios e bonés de milhares de euros? Não dá para circular com um modelo bacana, bonito, da moda, mas sem dialogar apenas com o verbo “ter”?
As crianças aprendem desde cedo. São músicas sertanejas e funks de louvor ao status, ao correntão de ouro e ao tratamento da mulher como picanha no açougue. Qual seria a trilha sonora dos abomináveis estupros coletivos? Em tempo: há funqueiros e sertanejos com algo a dizer. Menos do que seria recomendável, mas existem. O futebol é apenas a ponta mais visível deste mal.
A jornalista Cláudia Cruz ostentava no Instagram compras de milhares de euros, pagas com retiradas das contas no Exterior pelo marido, Eduardo Cunha. Contas abastecidas com o nosso dinheiro. Renan Calheiros usou avião da FAB para fazer implante de cabelo em Recife. A festa de 15 anos de uma das filhas do ex-senador Delcídio Amaral, cujo vestido foi bordado com cristais Givenchy, teve 700 convidados, 120 garrafas de uísque Johnnie Walker e 240 de champanhe Veuve Clicquot, além de salmão, caviar e queijos maasdam.
Os bastidores da Lava-Jato revelam pura ostentação, sustentada por milhões em propinas. No Facebook, pessoas comuns postam fotos só para mostrar que estiveram naquele restaurante descolado e caro, acessível a poucos. O problema do vídeo de Neymar não é a festa em si, mas o que parece representar: um jeito de viver nem aí para nada, com direito a palavrões e ofensas a quem critica a Seleção Brasileira.
Neymar merece elogios pelo pedido de desculpas, mas esse tipo de conduta só reforça a era da ostentação. Quem anda com claque o tempo todo perde o hábito de ouvir o contraditório. Acha que pode tudo, mas não pode. Não é culpa de Neymar. É uma praga nacional, em todos os níveis. E ela está no caminho de Tite.
O novo técnico da Seleção terá de ter uma longa conversa com o seu craque também sobre outros assuntos. Futebol exige solidariedade. E ostentar é o oposto disso.