Em 7 de junho de 1970, no Estádio Jalisco de Guadalajara, Pelé subiu como um míssil na linha da pequena área, aparou o cruzamento de Jairzinho, cabeceou a bola para baixo e já saiu comemorando o gol. Cedo demais: cinco metros na sua frente, o goleiro inglês Gordon Banks, 1m88cm, saltou do meio para o seu canto direito e fez a maior defesa de uma Copa e do futebol mundial.
Campeão do mundo em 1966, Banks tinha sido formado e jogado 10 anos no Leicester City. Nem estava mais no clube – mas os torcedores e a cidade comemoraram a defesa como se ainda estivesse. Foi o primeiro milagre, o primeiro conto de fadas do Leicester. O segundo acaba de acontecer: como até as pedras sabem, o velho clube fundado em 1884 ganhou pela primeira vez o campeonato da Inglaterra.
O título surpreendeu o fornecedor de material, a Puma, que fez apenas 20 mil camisetas para a temporada (vendidas só na Inglaterra) e as bolsas de apostas: cada libra investida paga 5 mil. Surpreendeu até o dono do clube, o tailandês Vichai Srivaddhanaprabha, que no início da temporada admitia como principal objetivo evitar o rebaixamento. Nesse sentido, gastou 180 milhões de libras (R$ 918 milhões) para reforçar o time, com a meta de ficar entre os cinco primeiros em três anos. O prêmio combinado para esta temporada entre Vichai (dono da maior rede de freeshopps do mundo, a King Power) e os jogadores foi por um 12º lugar.
Leia mais:
Caetano Tonet Camargo: o Leicester de Claudio
Cauê Fonseca: Fred & Bressan, Bressan & Fred
Paulo César Verardi: o maravilhoso mundo do futebol
Além do dinheiro da King Power (que virou o nome do estádio de 32 mil lugares), uma divisão mais igualitária do dinheiro da TV entre os 20 clubes da liga ajuda a explicar a surpresa. Foi uma mulher, Delia Smith, escritora de livros de culinária com 17 milhões de exemplares vendidos e presidente do pequeno Norwich City, a primeira pessoa que reclamou da divisão absurdamente desproporcional do dinheiro da TV.
– Essa desigualdade está levando à perda de competividade, e, por consequência, ao desinteresse do público – advertiu a presidente do Norwich.
Hoje, o dinheiro entre os clubes ingleses é dividido assim: 25% proporcionais por colocação, idem por audiência e 50% em cotas iguais. Dessa forma, o campeão fatura o equivalente a R$ 685 milhões, e o lanterna, R$ 435 milhões, mais da metade. Na Espanha, o Real Madrid recebe R$ 598 milhões, e o Barcelona, R$ 523 milhões. Quem subiu da segundona recebe R$ 70 milhões. Também por isso, os dois grandes acabam dividindo quase sempre os títulos.
Banks comenta o lance de Guadalajara com humildade e bom humor até hoje:
– Se eu soubesse que aquela defesa causaria tanta comoção, teria deixado a bola entrar. Desculpe, Pelé.
Na verdade, Banks não tem motivos para se desculpar pelo milagre. Nem o Leicester.
*Diário Gaúcho