Dono de 21 títulos paulistas, de seis brasileiros, mais três Libertadores e três Mundiais, o São Paulo passa por um momento de instabilidade institucional. Desde a renúncia do presidente Carlos Miguel Aidar, em outubro, acusado de corrupção e de desvio de dinheiro no clube, o Morumbi vive em uma montanha-russa. Nem mesmo a classificação à pré-Libertadores, ajudou a amenizar a crise são-paulina. Nessa semana, a derrota em casa para o The Strongest pela Libertadores - o clube boliviano que jamais havia vencido em solo brasileiro -, precipitou uma série de novos desdobramentos na crise interna do clube.
Na véspera da estreia de Diego Lugano (que retornou ao clube para ocupar a vaga de líder de grupo, aberta com a aposentadoria de Rogério Ceni), que ocorrerá neste domingo, diante do Rio Claro, as críticas saídas dos gabinetes do Morumbi atingiram em cheio o vestiário. Rodrigo Gaspar, assessor da presidência do São Paulo, disparou em sua conta no Twitter:
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- Erva daninha deve ser cortada pela raiz... Michel Bastos e Milton Cruz fazem mal ao ambiente do clube.
- Centurión é uma piada. Horroroso.
- Rodrigo Caio é jogador de condomínio. Bonzinho, mas fraco. Fraco de futebol e de personalidade.
Depois disso, Gaspar apagou os posts e foi defendido pelo presidente do São Paulo, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, que disse ter total confiança no assessor e que ele desabafou no Twitter porque estava de cabeça quente. Esse foi mais um golpe na fleuma do São Paulo, que sempre se orgulhou de sua organização, títulos e patrimônio.
A derrota para os bolivianos suscitou desconfianças sobre o vestiário. Com dois meses de contratos de imagem atrasados, os jogadores não teriam se esforçado tanto assim para vencer o The Strongest. O gaúcho Michel Bastos, por enquanto capitão do time, é o jogador mais vaiado pela Torcida Independente - a mais influente das organizadas do clube -, e, junto a Paulo Henrique Ganso, liderou uma greve de silêncio, tendo como pano de fundo os atrasos salariais. O cenário são-paulino ainda é estranhamente composto por uma dívida de R$ 341 milhões (a oitava maior entre os clubes brasileiros), além da falta de títulos desde 2012, quando venceu a Copa Sul-Americana.
- O São Paulo ainda está sofrendo as consequências de sua grave crise política. Ainda precisa se recuperar como clube. Se não, até os jogadores têm o direito de pensar que tudo é uma bagunça - dispara Marco Aurélio Cunha, conselheiro vitalício, além de ser ex-diretor médico e ex-superintendente de futebol.
Atual coordenador da CBF, para as seleções femininas, Cunha acredita que a estreia de Lugano poderá amenizar a crise interna do vestiário. Tem dúvidas sobre o sucesso do argentino Edgardo Bauza no comando da equipe e aposta que a instabilidade do clube é culpa dos dirigentes - que são eleitos e reeleitos em eleições indiretas, já que os sócios não têm direito a voto.
- É o exemplo desse rapaz (Rodrigo Gaspar), que tem qualidades pessoais, mas não tem maturidade política e extravasa como um torcedor porque não foi formado para ser dirigente. É a oportunidade do despreparado - criticou Cunha. - A chegada do Lugano será boa para isso. Ele pode nem jogar, mas conhece o clube e pode inibir lideranças negativas e promover novas lideranças positivais - acrescentou.
Lugano, travestido de novo Rogério Ceni, também já começou a atuar no clube. Nessa sexta-feira, em meio à crise entre direção e jogadores, o uruguaio foi escalado para a entrevista coletiva. Questionado sobre a contenda no clube, falou como líder:
- Não tenho paciência para ficar analisando essa bobagem de quem falou ou não falou. Temos de ganhar jogos e fechar aqui dentro. É o único jeito de ter uma imagem vitoriosa e tornar a opinião pública boa. O São Paulo não está com autoestima baixa: está dolorido pelos resultados negativos. Temos um elenco forte. Não é muito qualificado. Essa é a realidade. Hoje, o São Paulo é um time em construção. Temos autocrítica e sabemos disso.
Diogo Olivier: eles eram melhores em tudo
Houve um tempo, nem tão distante, em que o São Paulo era o melhor em tudo, e por isso ZH me enviou às imedições do Morumbi com a missão de só voltar com explicações convincentes. Como era possível um clube brasileiro parecer um enclave europeu imune às fanfarronices e trapalhadas tipicamente brasileiras?
Corria o ano de 2007. O São Paulo era bi brasileiro e seria tri no ano seguinte. Isso dois anos depois de conquistar o mundo pela terceira vez, sobre o Liverpool. Tinha o melhor estádio privado do país. A gestão era moderna ao ponto de contar com um comitê de 20 empresários milionários que assessorava o clube, fazendo diagnósticos financeiros e atualizando métodos de administração. O grupo acabara de renovar o patrocínio master na camiseta por quase o dobro do ano anterior com a LG.
Eu ia descobrindo e me impressionando. Exatas 24 escolinhas fora do Brasil, uma delas na Tailândia, pagavam caro pela franquia e ainda repassavam percentuais da matrícula e da mensalidade dos alunos. O Centro de Formação de Cotia, novo CT da base, surgia com ares de cidade. O escritório de Londres da Warner Bros., que divide com a Disney a liderança mundial no licenciamento de produtos, desenhava um boneco de Rogério Ceni cuja campanha teria ele e Pernalonga juntos. Parcerias com o Manchester United (ING) e o Los Angeles Galaxy (EUA) trocavam tecnologia na recuperação de jogadores por métodos inovadores de marketing e business esportivo.
No meu retorno, expus a Fernando Carvalho, um dirigente experiente e calejado, o meu espanto com o grau de organização do São Paulo. Ele disse que era mesmo muito acima da média. Mas lembro de uma advertência que agora ganha contornos proféticos:
- E pensar que uma ou duas gestões ruins podem colocar abaixo tudo o que parece perene em um estalar de dedos.
As brigas internas pelo poder daquele império invejado afastaram as melhores cabeças do Morumbi, como o grupo de empresários líderes em suas áreas. A cartolagem passou a se consumir na tarefa de eliminar inimigos internos cegamente, sem limites, atirando a imagem do clube na lata de lixo. A derrocada do São Paulo deve servir de exemplo para os atuais e futuros dirigentes de Grêmio e Inter, que a cada eleição exibem níveis preocupantes de acusações. O alerta está dado.
*ZHESPORTES