A morte de Roberson Velasques, 27 anos, é tratada como fatalidade por familiares e amigos. O empresário de Santo Ângelo corria a TTT, Travessia Torres-Tramandaí, quando passou mal durante a prova. Internado no Hospital de Tramandaí no sábado, ele morreu na última quarta-feira. As causas, segundo o hospital, foram hipertermia (quando há aumento da temperatura do corpo) causada por esforço físico, falência múltipla dos órgãos e parada cardiorrespiratória. O sepultamento ocorreu no fim da tarde de quinta, no Cemitério Jardim da Paz, na cidade das Missões.
O tio de Roberson, o empresário João Bueno, tenta entender o que ocorreu com o sobrinho. Conforme o familiar, Roberson havia sofrido com problemas de sobrepeso. Porém, desde que entrou para o atletismo, há quase 10 anos, emagreceu 30 kg. A família só soube da gravidade do quadro na última segunda-feira, quando pediu ao Hospital de Tramandaí para transferi-lo a Porto Alegre. João afirma que os médicos disseram que não seria possível, pois o quadro do corredor era muito delicado.
– Ele era incentivado por todos nós da família a correr, pelos amigos. O que ocorreu foi uma fatalidade. Deus escolheu o momento para iluminar ele, levar ele. Não era doente, não era hipertenso, nunca havia passado mal – afirma.
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O monitor Rodrigo Petry, 37 anos, aguardava a chegada de Roberson na areia da praia, durante a prova. Rodrigo era o último dos oito competidores da equipe, e o amigo, o sétimo. No entanto, o parceiro não chegou para entregar-lhe o chip. Ao ser avisado por outros atletas de que Binho, como Roberson era conhecido, havia passado mal, Rodrigo saiu em disparada. Encontrou-o já dentro da ambulância, recebendo o socorro - inicialmente, Roberson havia sido atendido por um salva-vidas e outros participantes da corrida, que acionaram o auxílio médico.
Rodrigo avalia que a organização do evento não teve culpa pelo ocorrido. Estranha, no entanto, o que aconteceu com o amigo. Segundo ele, Roberson já havia participado, nos dois últimos anos, da mesma prova. Em 2014, a equipe tirou segundo lugar e, no ano de 2015, sagraram-se campeões. Binho era acostumado a correr e tinha vencido distâncias maiores que os 8 quilômetros que estavam reservados a ele nesta edição da TTT.
– Com certeza, era preparado para isso. Ele já tinha até feito uma loucura em Santa Maria, participando de uma corrida de 24h. Foi surpreendente para todos nós o que aconteceu – lamenta. – Não foi falta de água o problema. Eu costumo nem tomar água em 10 km, nem em 8 km. E a ambulância não demorou. Ainda tínhamos dado sorte porque ele não estava num ponto de difícil acesso para o veículo na praia.
Especialista avalia que houve excesso de esforço
Para o professor André Luiz Estrela, especialista em fisiologia do exercício, o fator psicológico pode ter prejudicado Roberson. Ainda que o corpo tenha dado sinais para parar com a atividade, o corredor estava focado em chegar ao seu objetivo final.
– Psicologicamente, ele estava muito forte. Em cima desse foco, começou a "enganar" o cérebro, querendo que ele diminuísse a temperatura. Mas a temperatura alcançou níveis tão altos que prejudicou os órgãos internos, entrando num processo de falência.
O professor pontua que há muitos fatores que precisam ser levados em conta para analisar o caso. Em uma primeira avaliação, contudo, é possível afirmar que Roberson tenha ultrapassado os limites do corpo.
– Interfere, por exemplo, se ele passou uma noite ansiosa, se não teve uma boa alimentação pré-prova. Mas, para levar ao ponto de matar, eu não diria que ele passou um pouco do limite. Eu diria que passou um bocado do limite. Se isso acontece comigo, por exemplo, eu vou parar a prova, abandonar. Quando eu começar a ficar ofegante, com as extremidades branquinhas, porque o sangue está concentrado perto do coração.
Corredores reclamam da falta de hidratação
Ainda que a equipe de Roberson não reclame da organização do evento, muitos participantes saíram indignados com a dificuldade de encontrar água para hidratação e com alguns problemas nos trechos ao longo do percurso.
A funcionária pública Lilian Monego, de 49 anos, correu a TTT em um quarteto. A ela, foram destinados mais de 20 km, divididos em dois trechos diferentes do percurso. Segundo Lilian, durante toda a sua parte na prova, teve apenas um ponto em que era possível pegar água.
– Nunca mais quero passar por isso. A água que me deram estava quente, não era refrigerada. Achei um descaso total. Você pedia informação nos postos, não diziam nada. Uma prova muito mal organizada. Quem eu encontrar, vou dizer para não participar.
O advogado Alexandre Felix, 52 anos, correu com outros sete colegas de equipe. Ele também teve problemas para se hidratar durante os 12 km que correu na prova.
– Várias pessoas que corriam reclamaram da falta de água. Uma pessoa que estava correndo solo que me deu água. E era sol das 11h30min – reclama.
Denise Seixas, terapeuta ocupacional de 32 anos, vai além: não foram apenas as questões de hidratação que incomodaram a ela e ao parceiro.
– O terceiro trecho era da minha dupla, e a reclamação dele foi a distância. Estavam previstos 15 km e tinham 16,3 km. Pode parecer pouco, mas o corredor se prepara pra correr uma distância e encontra 1,3 km a mais, é ruim. Acaba com a estratégia. Já no quatro trecho, que eu corri, não havia postos de hidratação. Não fui com o meu colete de hidratação, confiando que havaria no caminho, mas não estavam lá. Minha sorte foi que um banhista me alcançou um copo.
– Foi desumano. Teve gente que chegou mal, vi uma ambulância, um cara deitado. Eu fiz o terceiro e o sétimo trecho, e nesse tinha pouca gente correndo, e encontrei três pessoas mal. Não só da fadiga muscular, mas também pela falta de água. Acho que pecaram muito na questão da hidratação – complementa a servidora pública Luciane Peralta, de 50 anos, que participou da prova em um quarteto.
Organizadora diz que não faltou água
O Sistema Fecomércio-RS/Sesc, organizador do evento juntamente com o Clube dos Corredores de Porto Alegre (Corpa), afirma que está consternado com a morte do participante. Por meio de nota (leia abaixo), declarou que prestou o apoio à família, durante o período em que Roberson esteve hospitalizado, e que a ambulância estava à disposição para prestar socorro na praia.
Nesta sexta-feira, o Corpa também se manifestou por meio de nota. Disse que lamenta a morte de Roberson e que o presidente do clube, Paulo Silva, esteve presente no sepultamento do corredor. Também garantiu que a vítima teve a assistência necessária, com uma ambulância da empresa Unimed, na beira da praia.
Sobre as reclamações de falta de água, o Sesc diz que "havia distribuição de água nos postos de hidratação, posicionados atrás das guaritas de salva-vidas, conforme constava no regulamento e foi frisado aos atletas durante o Simpósio Técnico, realizado dias antes da Travessia". Além disso, alega que havia isotônicos nos pontos de troca e chegada.
Confira a manifestação na íntegra:
"O Sistema Fecomércio-RS/Sesc e o CORPA, realizadores da Travessia Torres Tramandaí, lamentam a perda do atleta Roberson Velasques na quarta-feira, 03 de fevereiro. Natural de Santo Ângelo, ele participou da prova no último sábado (30/01). Os primeiros socorros foram prestados ainda na praia, com ambulância e paramédicos da Unimed – apoiadora do evento. Velasques foi transferido para o Hospital de Tramandaí, onde recebeu atendimento médico de urgência, tendo acompanhamento ao longo desses dias por colaboradores da equipe organizadora da TTT. Todo apoio também está sendo dado à família do atleta.
Segundo relato de familiares e amigos, Velasques estava acostumado a percorrer longos trechos, já tendo participado de provas como a Corrida 24 Horas de Santa Maria e a São Silvestre. Na TTT, o percurso seria de 8 km, na modalidade revezamento de octetos.
Reiteramos que havia distribuição de água nos postos de hidratação, posicionados atrás das guaritas de salva-vidas, conforme constava no regulamento e foi frisado aos atletas durante o Simpósio Técnico, realizado dias antes da Travessia. Nos pontos de troca e na chegada também havia isotônicos à disposição dos competidores.
Em todos os eventos promovidos pelo Sistema Fecomércio-RS/Sesc são tomados todos os cuidados necessários em prol da saúde e segurança dos participantes, sempre prezando pelo bem-estar de todos.
Nossas condolências aos familiares e amigos de Roberson Velasques"
*ZHESPORTES