O Dia D mais famoso que se tem notícia, inclusive responsável pela popularização do termo, desde o começo do século passado restrito aos gabinetes das operações militares, é o do desembarque da Normandia. Cerca de 100 mil soldados, com o apoio de seis mil navios e cinco mil aviões, entraram numa França estuprada pelo nazismo. Números extraordinários ainda hoje, mais de meio século depois. Por água e ar, o exército aliado tomou de assalto as praias da costa francesa. A partir daquele 6 de junho de 1944, as forças de Hitler foram sendo asfixiadas até a libertação total da Europa, encerrando os horrores da Segunda Guerra Mundial.
Uma ação grandiosa, por envolver vários países. E amarga, por resultar em milhares de mortos em combate. Mas ninguém mais duvida de que se tratava de uma ousadia urgente e necessária. O que seria de nós, hoje, sem o Dia D? O d em questão vem de day - dia, em inglês. Na origem do nome, apenas a data em que determinada operação era deflagrada. Após o desembarque da Normandia é que a expressão ganhou vida própria, pela relevância histórica. Passou a ser sinônimo de um fato emblemático, aquele momento exato da virada para algo tão bom quanto a paz.
Nesse universo do idioma, tem também a Hora H, antes um prosaico batismo para ações militares nas primeiras horas da manhã, hoje consagrada na boca do povo como o equivalente ao instante decisivo. Mas fiquemos na referência à vitória aliada sobre o nazismo, que tem mais a ver com o que 2016 pode representar para o futebol brasileiro. Nunca ouvi falar em Ano D, mas este sentido mais amplo me concede o direito de criá-lo. Para além dos Jogos Olímpicos disputados no Rio, este ano tem de ser o da faxina nos gabinetes do futebol, mundial e brasileiro.
A Normandia na Fifa está em pleno andamento e culminará na eleição de um novo presidente. Rendidos pelas evidências de enriquecimento ilícito através de propinodutos milionários, Joseph Blatter e Michel Platini, farinha do mesmo saco porque filhos de um mesmo sistema viciado, já desocuparam suas instâncias de poder, assim como os nazistas tiveram de sair na marra dos territórios que ocupavam. É um processo sem volta. Os agentes do FBI são os soldados aliados que tomaram de assalto as contas bancárias americanas dos figurões de Zurique e, aos poucos, puxaram o fio de uma teia cujas ramificações milionárias chegaram ao Brasil.
José Maria Marin, ex-presidente da CBF, está em prisão domiciliar nos EUA. O atual, licenciado, Marco Polo Del Nero, investigado pelo FBI, não viaja para o Exterior para não ser algemado em outro país. Na Fifa, a comissão de ética ainda deu sinais de vida independente, afastando Blatter e Platini. Aqui, temos de conviver com o tal Coronel Nunes, ungido para o cargo de vice por ser mais velho, como forma de garantir a cupinchada no poder quando Nero cair. Movimentos como o da ocupação pacífica da sede da CBF e a criação, aos trancos e barrancos, da Primeira Liga, são insuficientes. A CPI do Futebol, com alguns momentos de circo, não avança.
Meu sonho é que a Polícia Federal entre na CBF assim como fez o FBI na Fifa. Uma operação Gol de Placa. Duvido que não haja, à luz da lei brasileira, um jeito de desfiar este novelo com Ricardo Teixeira, José Maria Marin, Del Nero e seus homens do lado escuro da força. Os indícios são fartos. Imagine uma delação premiada abrindo frentes de investigação em cima desses fundos regados a dinheiro de origem desconhecida, que compram e vendem jogadores a esmo. Quanto, a quem e por que pagam tanto? Qual o critério? A parte fiscal é atendida? E os patrocínios: que lógica seguem? A quem beneficiam de fato?
Futebol é público, é do povo, é do torcedor. O maior lesado com os desmandos é o cidadão. É dele a paixão que faz esta máquina girar e lucrar. Ingressamos no Ano D do futebol brasileiro. A Fifa está caindo diante do seu desembarque da Normandia. E o nosso, quando será?
*ZHESPORTES