Quando o marido pega o jet ski para sair de casa, o coração da professora de educação física Michele França fica apertado. Tem medo que o companheiro, que se arrisca em ondas grandes, que quebram em um mar de ressaca, não volte para o lar. Luis Saraiva, 36 anos, é salva-vidas em Torres, no Litoral Norte gaúcho. No entanto, por possuir equipamento qualificado e pelas décadas de experiência como surfista, atende a inúmeros pedidos de socorro que chegam ao portão da residência onde moram, à beira mar, em Passo de Torres, na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
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Saraiva decidiu se aposentar do circuito gaúcho de surfe em 2006, quando sagrou-se campeão estadual. Mas queria continuar a trabalhar na água. Decidiu, portanto, fazer o curso para entrar na profissão que hoje atua. Abriu uma empresa especializada em salvamentos com jet ski. Atua principalmente em competições esportivas, como na última etapa do Campeonato Brasileiro de Surfe, finalizada no domingo, em Torres.
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Além de ser o sustento da família, salvar vidas também é tarefa para Saraiva nas horas vagas. Como a casa em que moram fica às margens do Rio Mampituba, conhecido por possuir águas perigosas, não foram poucas as vezes que teve de abandonar o que estava fazendo para ajudar.
- Eu quase morro quando ele vai. Às vezes, tem uma ressaca gigante e ele vai. Teve apenas uma vez que eu vi ele deixar de entrar no mar. Foi quando eu estava grávida. Ele me ligou para dizer que não ia entrar. Acho que o Noah pesou na decisão. Porque ele um herói, de verdade, eu vejo coisas que ele faz - conta a esposa, enquanto embala Noah, de apenas dois meses, no colo.
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O primeiro filho do casal era aguardado ansiosamente pelos dois. Até por isso, Saraiva decidiu, naquela vez, não topar o serviço. Colocou o "lado pai" à frente das tarefas do dia a dia. Ao longo dos anos como salva-vidas, porém, Michele viu o marido entrar no mar a qualquer hora, seja madrugada ou dia.
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Já ajudou pescadores cujo barco havia afundado, levou crianças de volta à areia da praia e auxiliou militares. Quando fala sobre o próprio trabalho, Saraiva não gosta de enaltecer o que fez. Prefere adotar um tom frio, como se falasse de uma pessoa distante.
- Eu conheço bastante o mar, porque fui surfista bastante tempo. Mantenho os jet skis sempre novos, revisados. Com o equipamento que tenho, as pessoas sabem que eu topo. Se alguém não faz, é ligar para o Saraiva que ele faz - conta, com um sorriso tímido.
Entre os salvamentos feitos, há os que mais marcam. Curiosamente, o que mais deixou a família impressionada ocorreu quando Saraiva estava no mar por lazer - há um ou dois verões, conforme tentam recordar. Um pescador caiu no Rio Mampituba e precisou de ajuda. Após horas de sufoco, o resgate terminou bem.
- Ele tinha bebido. Mas estava calmo no início. Falei que iríamos sair dali, disse para ele subir na minha prancha. Só que veio uma onda. O mar estava assim, ficava calmo, e aí vinha uma onda de um metro e meio. Ela quebrou em cima da gente, eu me agarrei nele, mas soltou. No caldo, ele passou por mim e bateu no meu corpo. Agarrei ele pela bermuda. Minha prancha quebrou. Fomos parar uns dois quilômetros lá fora, daí esperamos até chegar os Bombeiros - relembra.
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Além das tarefas de salva-vidas, Saraiva também encontra espaço para novas atividades. Apostou no stand up paddle e ganhou o campeonato brasileiro da modalidade em 2011. Também pudera. Com tanta experiência, basta estar na água para ele ter bom desempenho.
*ZHESPORTES