Meses atrás, um dos alunos de Abilio Valdir Mendes largou as aulas de boxe e passou a consumir drogas. O professor, porém, manteve a aposta no guri. Conseguiu localizá-lo, conversou com ele e o reintegrou. É assim que o mestre trata seus discípulos no Programa Integrado de Inclusão Social (PIIS), em Esteio. Mais do que formar atletas, a intenção é tirar os jovens das ruas.
- É gratificante, às vezes, a gente faz um papel de pai. Tenta passar o que é certo, não os deixa desistir. Acreditamos neles - enfatiza.
Apreciador de artes marciais, Abilio, 31 anos, experimentou o boxe quando tinha 16. Espectador das lutas de Mike Tyson e Evander Holyfield, encantou-se com o esporte. Em 2002, fez o curso da Federação Riograndense de Pugilismo e, desde lá, passou a dar aulas. Primeiro em academias e, a partir de 2010, no PIIS.
Foto: Diego Vara / Agência RBS
No projeto da prefeitura de Esteio, Abílio teve contato com um público diferente do qual estava acostumado. Quando começou a dar aulas no Bairro Primavera, sofreu críticas.
- Alguns eram contra, falavam que era um esporte violento em uma comunidade violenta, mas a coordenadora do projeto (Cléa Escosteguy) apoiou. Logo de início, tivemos 50 inscrições. Defendo a tese de que por meio do esporte tiramos os adolescentes e jovens das ruas. Tenho relato de pais de que os filhos ficaram menos agressivos - explica.
A maioria dos alunos de Abilio está em situação de vulnerabilidade. São garotos de 12 a 17 anos de comunidades carentes da cidade. As aulas ocorrem no Centro de Cultura, que fica no Centro, no Bairro Primavera e na Vila Osório. Nesse último local, as atividades são, basicamente, a atletas que se preparam para competições.
Próximo dos alunos, o professor tenta estreitar a relação com os familiares. Às vezes, visita as casas dos jovens, conversa com os pais.
- É uma relação extrarringue. Estou presente na vida deles - resume.
Disciplina com e sem as luvas
Abilio conta que um dos seus princípios como mestre sempre foi desenvolver a disciplina e o respeito ao próximo. Conta que tinha alunos que brigavam na escola, nas ruas. Com as regras de convivência, em cinco anos no projeto, nunca ficou sabendo de incidentes com os jovens fora das aulas.
- O esporte tem capacidade de mudar o ser humano, colocar limites, regras - ressalta.
Foto: Diego Vara / Agência RBS
"O boxe é tudo para mim"
Esporte e trabalho se confundem na vida de Abilio. O que começou como hobby virou profissão.
- Hoje, vivo do boxe, não imaginava que isso aconteceria. O boxe é tudo para mim, não me vejo exercendo outra atividade - conta o professor, que também é vice-presidente da Federação Riograndense de Pugilismo.
- Trabalhar em algo que a gente gosta, te realiza - conclui.
"Ele é um pai para nós"
Há três anos, como não tinha condições de pagar uma academia, Gabriel José Rodrigues, 18, descobriu o projeto da prefeitura e começou a frequentar as aulas. O objetivo era perder peso. Depois da primeira luta, só queria treinar. Sobre o professor Abilio, é só elogios:
-É um pai para nós, ainda mais para mim, que nunca tive contato com meu pai. Ele nos aconselha, não nos deixa desanimar. Tudo o que sei no boxe aprendi com ele.
Campeão brasileiro juvenil na categoria superpesado (mais de 91 quilos), Gabriel sonha em viver como lutador e desenvolver um projeto na comunidade onde mora (a Vila Nova, em Esteio).
- É isso que quero para a minha vida - conta o jovem.
Com a conquista, Gabriel passou a receber R$ 900 mensais do Programa Bolsa Atleta.
Da cidadania aos títulos
No início, o trabalho no Programa Integrado de Inclusão Social (PIIS) era voltado apenas para a cidadania. Mas os jovens do PIIS começaram a disputar campeonatos e a ganhar títulos. Neste ano, foram três cinturões gaúchos e um brasileiro.
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O projeto, totalmente gratuito, está há 11 anos em atividade. Conta com psicóloga e assistentes sociais. Pelos ringues de Abílio passaram centenas de garotos. Atualmente, a iniciativa conta com um campeão brasileiro juvenil (Gabriel José Rodrigues) e um terceiro colocado (Diego Andrade). Os dois recebem ajuda do governo federal através do projeto Bolsa Atleta.
Também participa do programa o ex-morador de rua Thaynô Ferreira, duas vezes campeão estadual.
- Se eles não ganhassem a bolsa, talvez fossem parar. Perdemos muitos atletas por não ter investimento. Muitos param de treinar para trabalhar - destaca Abilio.
Foto: Diego Vara / Agência RBS
* Diário Gaúcho