Uma manhã nublada, mas com temperatura alta, marcou o dia 25 de novembro de 2005 em Igarassu, no litoral de Pernambuco. Do alto do morro onde ficava o restaurante do Gavoa Parque Hotel podia se ver uma lancha que saía de um pequeno ancoradouro para levar turistas para um passeio. Faltando um dia e algumas horas para a decisão da Série B contra o Náutico, estavam na embarcação o técnico do Grêmio, Mano Menezes, dirigentes e convidados da delegação que esperavam o período da tarde, quando haveria o último treino antes do jogo.
O momento de lazer no barco foi quase secreto. A intenção do segredo era evitar que surgisse alguma interpretação de que havia gremistas fazendo turismo ou desfocados da final do dia seguinte. Não era nada disto. Foi rápido, uma cortesia do hotel que servia para evitar a tensão excessiva.
Passado o passeio matinal, veio o almoço e o treino da tarde. Não foi um simples treinamento. O local escolhido ficava a mais de 15 quilômetros do hotel. Seu endereço não foi divulgado. Para os jornalistas o caminho foi descoberto na base da perseguição ao ônibus. O trajeto passou pelo município de Paulista e terminou num remoto local onde estava, num misto de “em construção” e abandonado, um Centro de Treinamento cercado por altos muros. O ônibus da delegação tricolor entrou, a imprensa não. Debaixo de sol e sob intenso calor os jornalistas esperaram por cerca de uma hora, até que foi permitida a entrada, mas só para os gaúchos. Era a resposta para atitudes pernambucanas ainda de semanas anteriores e que nem envolviam o Náutico, mas o Santa Cruz.
Pouco se viu que permitisse definir qual time seria o titular. O jovem Ânderson, estrela do time, não jogara partidas anteriores desde o começo e era a possibilidade de mudança desta vez. Acabou ficando mais uma vez de fora entre os 11 titulares. Foram pouco mais de duas horas de atividades até o retorno para o hotel entre estradas, ruas e vielas.
Seguiu-se o ritual da volta à concentração e da janta dos jogadores. Outros integrantes da delegação já haviam chegado de Porto Alegre no final da tarde, reforçando o grupo de dirigentes. Alguns ficaram hospedados em Recife para não haver excesso de pessoas ao redor dos atletas. Programas de rádio foram gerados ao vivo naquela noite do saguão do hotel, embora entrevistas com jogadores estivessem proibidas para preservação da tranquilidade. Valia o mesmo para a Comissão Técnica. Houve um encontro entre os profissionais planejando o jogo antes do lanche.
Naquele momento era forte o rumor de que haveria uma troca de hotel para coibir perturbação, a exemplo do que havia sido feito semanas antes, no jogo contra o Santa Cruz. Os jogadores sairiam em duas vans e iriam para Jaboatão dos Guararapes no antigo Hotel Sheraton, onde havia reservas para o Grêmio. Atenção total para os jornalistas que por volta das 22 horas realmente viram os veículos saindo, mas constatando apenas a presença de poucos conselheiros e diretores. Pouco havia de uma ação camuflada. A “fuga” era para ser vista e divulgada. Mesmo com o relato da ausência de atletas, os pernambucanos não se convenceram e dispararam várias baterias de foguetes na madrugada em frente ao Sheraton, atrapalhando ao sonos dos gremistas que já estavam lá. Na praia da Gavoa uma tímida e isolada ação com rojões por volta das duas da manhã nem foi ouvida pela maioria dos atletas. O local onde foram soltados os foguetes era muito distante e imediatamente houve a atuação da segurança do hotel. Estava garantida a calma e o sono de quem iria jogar.
A ida para Recife, ou para Jaboatão, aconteceu na manhã do dia 26. A estratégia era evitar problemas no percurso, ficando mais próximo do Estádio dos Aflitos. Aí , sim, houve uma viagem de uma hora até o Sheraton de Jaboatão com escolta policial, mas sem qualquer tipo de percalço. O almoço já seria na nova concentração, onde o Grêmio chegou ao meio-dia.
Na entrada do hotel uma verdadeira balbúrdia em função do horário da saída de muitos hóspedes, dos gremistas que já estavam lá e da movimentação normal do estabelecimento. Na Grand sala em frente à portaria um torcedor tricolor especial: o músico Ivan Lins. Conhecido de alguns dirigentes gremistas, ele lembrou que seu tricolor era o carioca – torce para o Fluminense - , mas que passou a torcer pelo Grêmio por influência. De seu antigo colega, parceiro e amigo gaúcho Geraldo Flach. A conversa foi animada, ele ganhou uma camiseta, disse que não poderia ir ao jogo pois estaria viajando para o Rio de Janeiro no horário, mas deixou uma mensagem ao ser perguntado sobre uma música que dedicaria naquele momento ao Grêmio cantando ali mesmo: “Desesperar jamais/ Aprendemos muito nestes anos/ afinal de contas não tem cabimento/ entregar o jogo no segundo tempo/ Nada de correr da ia/ nada de morrer na praia...”
Era uma profecia antes do último almoço na segunda divisão.