Francisco Novelletto, presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), em junho de 2011:
- Será meu último mandato. Não quero me transformar em um Kadafi.
Francisco Novelletto, em junho de 2015:
- Eu iria sair (da Federação). Mas esse prédio (nova sede) me custou muitos milhões e duas internações hospitalares. Tenho o direito de curtir mais um mandato - anuncia o presidente que, candidato único, será aclamado para mais uma gestão na sexta-feira e ficará à frente da entidade até 2019.
Se cumprir a decisão de sair do posto no final da década, Chico Novelletto terá permanecido 16 anos no poder, em um mandato em forma de reinado que se iniciou em 2004, ao substituir Emídio Perondi - 13 anos na mesma cadeira. Mas nada impede que fique mais tempo. O cargo de presidente da FGF, assim como de outras federações e da própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF), não tem limitação de reeleições.
Existem casos de presidentes há quatro décadas no cargo, como José Xaud, o Zeca Xaud, que nos últimos 41 anos comandou a Federação Roraimense. E também situações em que o poder é passado de pai para filho, como na Federação Alagoana, em que Felipe Feijó foi eleito este ano para a cadeira que era ocupada desde 2007 pelo pai, Gustavo Feijó.
Encurralada pelos escândalos de corrupção, a CBF admite mudar o estatuto para brecar as reeleições sem fim. Em uma proposta de mudança que será apresentada nesta quinta-feira aos demais presidentes de federações, a entidade só admitiria uma reeleição - dois mandatos de quatro anos cada. A decisão passaria a valer imediatamente. Ou seja: Del Nero poderia se reeleger uma vez apenas. Passaria, no máximo, oito anos no cargo.
- Fui convocado para a reunião, mas ainda não sei os detalhes da pauta. Concordo com um mandato ou dois, até mudar a fórmula de escolher o presidente. Mas valendo a partir da próxima eleição. Não dá para mudar a regra no meio do campeonato - comentou Novelletto ontem, em contato com ZH.
Representante do movimento Bom Senso F.C., o zagueiro Paulo André, do Cruzeiro, entende que a mudança no estatuto deve ser mais profunda. O jogador defende que o colégio eleitoral, tanto para escolha do presidente da CBF quanto das Federações, deve contar com atletas, técnicos e representantes dos clubes das Séries A, B e C do Brasileirão.
- O Bom Senso luta pela democratização de todas as instâncias de poder. Assim, as decisões passam a ser mais técnicas e menos políticas, fazendo com que a CBF trabalhe para o desenvolvimento do futebol, e não apenas para a manutenção de alguns poucos que controlam as federações há tantos anos - avalia Paulo André.
Preocupado com a possibilidade de se rebelarem e montarem uma liga independente, em encontro com os clubes na segunda-feira Del Nero abriu mão do poder de veto da entidade a qualquer mudança no Brasileirão. Caso a medida de mudança no estatuto seja aprovada em uma assembleia extraordinária, os clubes decidirão tudo sobre o torneio - tabela, fórmula, acesso e descenso, arbitragem e até preço de ingressos.
- A partir de agora, vamos ter o controle total da disputa do Brasileiro. Isso é o embrião de uma liga. Já chegamos ao andar intermediário - disse o presidente do São Paulo, Carlos Miguel Aidar.
- Sempre lutamos por isso. Vamos agora aguardar a aprovação - disse o presidente do Vasco, Eurico Miranda.
Em contrapartida, os cartolas deixaram o prédio da CBF apoiando a permanência de Del Nero no cargo.
- As acusações são graves, mas temos de preservar o direito de defesa. Vamos esperar que se investigue e apure. Não há nada que o faça deixar o poder agora -afirmou o presidente do Sport, João Humberto Martorelli.
É a famosa história de perder os anéis para não ficar sem os dedos. Tudo que Del Nero e os presidentes das entidades estaduais querem é se manter no poder. Por quê? Federações são um bom negócio, razão pela qual é difícil haver rodízio no poder. Quando ocorre, geralmente são revezamentos entre pessoas do mesmo grupo político.
As entidades organizam campeonatos, cobram taxas de clubes sobre bilheterias, negociam direitos de transmissão e patrocínios masters de campeonatos regionais. Além disso, ainda recebem uma cota mensal da CBF sob a rubrica de "ajuda de custos", mas que todos sabem ser um auxílio para se manterem fiéis ao poder de Del Nero e cia.
Os clubes dificilmente se revoltam contra as federações, as federações dificilmente se revoltam contra a CBF. Assim, não existe oposição nem em nível regional, nem em nível nacional. Os presidentes só saem do poder quando querem. Viram "Kadafis", como dizia Novelletto em 2011, sem imaginar que o ditador da Líbia que ficou no poder por 42 anos teria um fim trágico em outubro daquele mesmo ano.
*ZHESPORTES
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