Não há uma estatística oficial que confirme que Santa Maria, de fato, tem o maior campeonato de futebol amador do país. Mas quem disse que, para os mais de 2 mil atletas que participam das cinco competições anuais do município, não é? E por ser tão importante para quem se envolve com as disputas na várzea e por tudo o que essa modalidade representa, o "Diário" estreia a cobertura semanal dos nossos varzeanos. Às terças-feiras, o futebol amador ganhará mais espaço na nossa edição.
E, na cidade, não faltam boleiros de plantão: são cerca de 2,1 mil jogadores distribuídos em duas associações, uma de veteranos e outra de categoria livre: a Associação de Futebol de Veteranos de Santa Maria (Afuvesma) e a Liga Santamariense de Futebol Amador.
Criada em 1932, a Liga Santamariense reúne atletas de todos os cantos de Santa Maria. Ela organiza pelo menos três competições por ano. A Copa dos Campeões, em sua 14ª edição, é disputada na categoria livre pelos campeões da Copa Druzian e do Campeonato Citadino. A Copa Druzian, em disputa desde 2002, também é jogada por atletas de todas as idades. Já o Citadino é dividido em seis categorias. Além da primeira e da segunda divisões, conta com categorias de base (Sub-13, Sub-15 e Sub-21) e feminina. Mas o principal legado do amador é reunir todos os bairros da cidade em uma grande confraternização.
- O trabalho está sendo feito no sentido de oportunizar às famílias irem aos campos para ver o pai ou o filho jogar. Em qualquer campo da cidade, tem muita gente olhando os jogos. Na última final, foram mais de 2 mil pessoas. É uma inclusão social e também movimenta o município, com transporte coletivo, alimentação, material esportivo - destaca Danilo Silva, presidente da Liga Santamariense de Futebol Amador.
Já os badalados campeonatos de veteranos - a Copa Prefeito e a Copa da Amizade -, disputados desde 1988, reúnem amigos das antigas, apaixonados por futebol e que não pensam em pendurar as chuteiras. Mas engana-se quem pensa que as competições são levadas na brincadeira. Bem pelo contrário. Há times que investem pesado. Inclusive, dois deles já confirmaram a participação de ícones do futebol gaúcho na disputa da 29ª Copa Prefeito neste semestre. O zagueiro Índio, multicampeão pelo Inter, defenderá a equipe Amigos do Pintado, e o maior artilheiro da história do Gauchão, Sandro Sottili, atuará pelo Independente, ambos na categoria 40 anos.
- A vinda desses atletas vai abrilhantar o nosso campeonato e mostra a força dos nossos veteranos. A organização do campeonato evoluiu bastante nos últimos anos. As súmulas são preenchidas semanalmente, e isso dá credibilidade - diz Victor Hugo Da Cas, o Pelego, jogador do Dores e maior artilheiro do amador de Santa Maria, com 1.519 gols, e também presidente da Afuvesma.
Campeão e formador de atletas
No último domingo, dois dos principais candidatos ao título da 14ª Copa dos Campeões se enfrentaram no campo do Dois de Novembro, na Vila Lídia, bairro Noal. O Sport, atual campeão da competição promovida pela Liga Santamariense de Futebol Amador, não conseguiu segurar o ímpeto do líder Uberlândia, que tem 100% de aproveitamento em quatro rodadas. O placar foi 2 a 0 para o Uberlândia. Já o Sport, que foi criado a partir de ex-integrantes do Ituano, também da Vila Lídia, é o terceiro colocado.
Se, nos campos do amador foi revelado um dos melhores árbitros do Brasil atualmente, Anderson Daronco, o time do Sport já revelou duas promessas do futebol santa-mariense. O volante Reinaldo, que jogou o Gauchão pelo Cruzeiro, de Porto Alegre, e o rimão dele, o goleiro Romário, do Inter-SM, são crias do time da Vila Lídia. Aqui, Reinaldo não era Reinaldo, mas, sim, Leitão.
O zagueiro e volante Charles, um dos destaques do Inter-SM este ano, também começou na várzea, assim como o atacante Tiago Duarte, do Riograndense, que jogou no Grêmio e rodou por outros times do Estado.
Futebol: uma paixão
A palavra "amador" pode remeter a algo feito sem interesse e comprometimento. Porém, quando se trata do futebol amador em Santa Maria, a realidade é outra. A organização e o profissionalismo dos times, mesmo que muitos exerçam a atividade por puro gosto e sem remuneração, são quesitos citados por todos os envolvidos nessa prática, desde o torcedor até o árbitro.
Entre as competições de veteranos, muitos clubes têm patrocinadores. Há também quem faço uso da famosa "caixinha" para cobrir despesas com a manutenção dos gramados, por exemplo. E, claro, um churrasco com os amigos no fim de cada jogo não pode faltar.
O representante comercial Ademir Silveira, 49 anos, atravessa a cidade - vai do bairro Itararé até o campo do Montese, na Faixa Nova de Camobi - para prestigiar os jogos.
- Eu acompanho os jogos há 15 anos. Os times do amador são muito mais organizados do que os clubes maiores que temos na cidade. E, aqui, também cultivo grandes amizades - afirma.
Em campo, nomes conhecidos do futebol profissional são fáceis de serem encontrados. Alex Rossi, 46 anos, ex-Inter-SM, Avaí, Inter e Corinthians, é um deles. Com a camiseta número 26 do time do Montese na categoria 45 anos, ele segue defendendo a posição de atacante da época em que jogava profissionalmente e fazia gols históricos.
- O que faz com que eu venha de Cacequi (onde mora atualmente) para cá é a paixão por este time, por estes amigos. Aqui, os valores são outros, e a simplicidade de tudo me deixa muito feliz - salienta Alex Rossi.
Mudança de rotina
Eles não têm salários milionários como jogador, trabalham durante toda a semana e enfrentam o frio, a chuva e o sol forte para fazer o que mais gostam: jogar futebol.
- Já tentei praticar outros esportes, mas é o futebol a minha paixão. É meu único lazer fora do trabalho. É aqui que mudo a rotina, experimento outra atmosfera - diz o promotor de Justiça Maurício Trevisan, 44 anos, outro nome conhecido na cidade que joga como volante do time do Montese desde o começo do ano.
Um funcionário público e um coronel no comando
Ele fazia parte do time do Montese, machucou o joelho, precisou parar e virou técnico. Clairton Fonseca, 45 anos, professor de educação física e funcionário da prefeitura, começou a comandar a equipe este ano. Ele destaca que o time está junto há 10 anos, com apenas algumas alterações. A maioria dos integrantes do grupo já foi jogador profissional ou integrou as categorias de base do Inter-SM.
- Nós queremos ganhar, lógico, mas a amizade que temos fica acima de tudo, de qualquer rivalidade dentro de campo - reforça.
Já o coronel Worney Mendonça, 51 anos, comandante do CRPO Central, por um momento deixa de lado a farda e as demandas da Brigada Militar para comandar, aos sábados, o time do Locomotiva, criado há dois anos. Na escalação da equipe, estão militares do Exército, da Aaeronáutica e da Brigada, além de empresários e professores.
- Santa Maria tem tradição nos campeonatos de base nos bairros, é tudo muito organizado. Então, acredito que isso torna o futebol amador tão sólido no município - avalia Worney.
Gramados que revelam talentos
Dos gramados do futebol amador de Santa Maria a árbitro da Fifa. Anderson Daronco, 34 anos, foi revelado apitando jogos da várzea em solo santa-mariense. Enquanto apitava os jogos do Campeonato Gaúcho, ainda participava das partidas do amador aqui na cidade. Agora, em função da agenda de viagens, não consegue mais, mas guarda um carinho grande pelo aprendizado que o amador proporcionou a sua carreira.
- Os jogos não tinham segurança, mas o regulamento dos campeonatos é rígido, então, eu desenvolvi um jeito de atuar diferenciado. Hoje, não é qualquer coisa que me assusta em campo - observa Daronco.
Desde 2004, os jogos são apitados por profissionais da Associação Santa-Mariense de Árbitros. O militar e radialista Paulo Oliveira, 52 anos, é um dos que correm na beira e dentro de campo. E quem pensa que a tarefa de arbitrar jogos do amador é fácil está enganado.
- Para mim, é mais difícil. A competição é mais acirrada do que em jogos profissionais. Cada jogo é como se fosse uma Copa do Mundo - brinca Oliveira.