Steven Beitashour tinha 11 anos durante a Copa do Mundo da França, em 1998, quando os Estados Unidos, país de seu nascimento, enfrentaram o Irã, onde seus pais nasceram.
A família se reuniu em casa, em San Jose, para ver o Irã vencer por 2 a 1, numa partida que gerou um interesse extraordinário por conta da desavença política entre as duas nações.
Perguntado para quem torceu, Beitashour sorriu e respondeu diplomaticamente: - Eu estava torcendo para ver uma boa partida.
Mesmo naquela época, Beitashour não queria apenas ver a Copa do Mundo na televisão. Ronaldo, o astro brasileiro, era seu herói, e ele sonhava em vestir as cores do Brasil com o entusiasmo e a ingenuidade de um menino a respeito de fronteiras, passaportes e política internacional.
Parece ter chegado a vez de Beitashour, 27 anos. Por duas vezes nos últimos anos ele foi convocado para treinar com a seleção norte-americana, mas não participou de nenhuma partida, ainda contando com a chance de defender as cores de outro país. Em outubro passado, o Irã lhe deu a chance de jogar e ele aceitou, já que haviam diminuído as chances de participar do selecionado dos Estados Unidos.
Ele deve estar no Brasil para a Copa do Mundo em junho, quando o Irã vai enfrentar Nigéria, Argentina e Bósnia-Herzegovina na fase de grupos.
Para a próxima Copa do Mundo, em 2018, Beitashour terá 31 anos. Essa deve ser provavelmente sua última chance de jogar futebol na melhor forma, no maior evento esportivo do mundo. Ele disse que não poderia deixar essa oportunidade passar.
- Se tivesse a chance de jogar uma Copa do Mundo, você diria não?, disse Beitashour recentemente quando seu clube, Vancouver Whitecaps, viajou ao sul da Califórnia para enfrentar o Chivas USA pela primeira divisão do campeonato norte-americano. Por qualquer país, se você sempre tivesse sonhado jogar no palco internacional, o que pode ser maior do que a Copa do Mundo? Nada."
Em função da histórica política tensa entre os EUA e o Irã, contando com o caso dos reféns da embaixada norte-americana em Teerã, em 1979, após a revolução islâmica e da questão polêmica da capacidade nuclear potencial iraniana, a decisão de Beitashour gerou um debate online entre os torcedores. Pelo menos uma pessoa o acusou de vender a alma pela chance de jogar na Copa.
Entre os cartolas do futebol norte-americano, parece não haver ressentimento com a decisão de Beitashour. Sunil Gulati, presidente da Federação de Futebol dos EUA, comentou que, num mundo mais e mais globalizado, os jogadores continuarão a tomar decisões pragmáticas baseadas no que é melhor para eles. Gulati disse não ter ilusões de que Jermaine Jones, meio-campista nascido na Alemanha de pai norte-americano e mãe alemã, jogaria pelos Estados Unidos se tivesse uma chance real de atuar na seleção alemã.
Embora os EUA não tenham relações diplomáticas com o Irã, os países têm pontos em comum nos esportes. Em setembro do ano passado, ambos atuaram em conjunto para que a luta greco-romana voltasse a integrar as Olimpíadas.
Cartolas iranianos e norte-americanos têm um relacionamento cordial. A seleção do Irã tem um assistente norte-americano - até recentemente eram dois - e os países conversaram sobre a realização de um amistoso nos Estados Unidos e sobre a criação de um campo de treinamento para o Irã antes da Copa do Mundo. O amistoso não deu certo por causa da logística e estratégia de preparação, mas contava com a bênção pública do Departamento de Estado.
Quando criança, Beitashour visitou duas vezes parentes em Teerã, a capital iraniana. Ele compreende o idioma persa e disse ser capaz de falá-lo adequadamente. Em casa, a família observava as tradições de renovação durante o Ano-Novo iraniano toda primavera, montando a mesa com peixe e doces, e o Alcorão, jogando brotos de trigo ou cevada em água corrente, e pulando uma fogueira enquanto entoava uma canção de purificação e renascimento.
Sua capacidade de jogar futebol se desenvolveu entre duas culturas: o sistema estruturado norte-americano e as peladas de fim de semana contra iranianos mais velhos em parques públicos. Seu pai, Edward Beitashour, veio para os EUA enquanto estudante no começo da década de 1960, muito antes da revolução islâmica, e jogou futebol na Universidade Estadual de São Francisco antes de se tornar engenheiro-elétrico.
As culturas futebolísticas dos Estados Unidos e do Irã se cruzaram memoravelmente em 21 de junho de 1998 durante uma partida da Copa do Mundo em Lyon, França. Antes da partida, jogadores das duas seleções tiraram fotografias abraçados. Os jogadores se cumprimentaram, deram e receberam presentes. Ao fim da partida, vários trocaram camisas. - Viemos aqui para mostrar a todos que não existem problemas entre os povos de dois países, afirmou antes do jogo Jalal Talebi, técnico do Irã.
A recusa de Beitashour em dizer para qual seleção torceu naquele jogo dramático não foi uma atitude modesta, mas uma mostra do orgulho e dos laços inextricáveis tanto com os Estados Unidos quanto com o Irã, disse um amigo, Mahan Bozorginia, 27 anos, engenheiro-civil de São Francisco.
- Sua formação, sua cultura vêm de onde vieram seus pais, do Irã. Ao mesmo tempo, ele não cresceu naquele país. Cresceu aqui. Frequentou a escola com norte-americanos. Aprendeu a falar inglês. Ele sente que há um vínculo com o Irã, mas há também o mesmo vínculo com os Estados Unidos. Ele apoia os dois países, os dois lados. Conhece dois grupos de pessoas. Quando lhe pedem para escolher um lado, ele não consegue, declarou Bozorginia.
Para Beitashour, parecia que a chance de representar um dos dois países numa Copa do Mundo nunca viria. Ele cresceu em San Jose, construiu um campinho improvisado no quintal, foi gandula do San Jose Clash (agora Earthquakes), virou estrela no colegial e ganhou uma bolsa de estudos na Universidade Estadual de San Diego. Contudo, nunca foi convocado para a seleção de juniores de nenhum dos dois países, e nem os EUA nem o Irã demonstraram interesse por ele antes da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul.
Tudo começou a mudar depois que Beitashour, jogando pelo Earthquakes de sua cidade natal, acumulou o maior número de assistências em 2011 e foi eleito um dos melhores jogadores da primeira divisão em 2012.
- Ele teria o mesmo orgulho de vestir a camisa norte-americana quanto a iraniana. Quem lhe desse a oportunidade de jogar no nível que ele deseja, ouviria um 'sim', afirmou Bozorginia.
O técnico Jurgen Klinsmann convocou Beitashour para treinar com a seleção dos EUA em agosto de 2012 para um amistoso no México, mas ele não jogou quando os norte-americanos venceram pela primeira vez no Estádio Azteca. Outra convocação, em janeiro de 2013, foi encerrada prematuramente porque Beitashour precisou operar uma hérnia pela segunda vez.
Quando voltou a jogar pelo Earthquakes, Klinsmann lhe disse que era bom voltar a vê-lo e lhe desejou boa sorte. Porém, não houve mais contatos. Em outubro passado, Beitashour começou a sentir que diminuíam as chances de participar da Copa.
Ao mesmo tempo, Carlos Queiroz, técnico português da seleção iraniana, continuava a procurar jogadores com ascendência iraniana que jogassem fora do país, com maior profissionalismo e habituados a um treinamento mais sofisticado.
Quando o Irã ofereceu a Beitashour a chance de jogar em outubro pelas eliminatórias da Copa Asiática de 2015, ele aceitou.
- Eu precisava começar a jogar. É preciso tomar uma decisão. Foi basicamente isso, afirmou Beitashour.
Diante do improvável evento de o Irã enfrentar os Estados Unidos na Copa do Mundo, a partida poderia acontecer nas quartas de final. De forma mais imediata, durante a fase de grupos, Beitashour pode se ver enfrentando o argentino Lionel Messi, considerado por muitos o melhor jogador do mundo.
- Como amigo, eu digo que ele tem capacidade para isso. Como torcedor, eu digo: Dê espaço para ele jogar, tocar a bola. Não vá terminar no 'SportsCenter', afirmou Bozorginia.
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