- Bem, parece que não estamos na Praia de Myrtle - disse meu irmão Tom do banco de passageiro de nosso carro alugado, perscrutando a escuridão à nossa frente.
Chovia torrencialmente e nós tentávamos seguir pela Trilha Cabot, uma rodovia de duas pistas de tirar o fôlego, mas às vezes angustiante, que circunda a Ilha Cape Breton, no extremo norte da Nova Escócia, no Canadá. Não víamos nenhum outro carro há mais de uma hora, muito menos um que transportasse rapazes bronzeados usando bonés de golfista - unidade básica da vida social da Praia de Myrtle.
Ao leste da região, no fuso horário seguinte, embarcamos no mesmo tipo de missão que tanto atrai turistas para a Carolina do Sul. Seguíamos em direção à pequena cidade de Ingonish, no extremo nordeste da ilha, para jogar golfe. (Isso não fazia parte do plano, mas também acabamos comendo bastante poutine, uma mistura de batatas fritas, molho pardo e queijo coalho que por algum motivo se tornou um prato típico desta parte do mundo.)
Rude e bela, esta ilha sempre atraiu visitantes, mas é pouco conhecida como paraíso do golfe, apesar de Ingonish ser lar de um dos melhores campos do Canadá, o Highlands Links, construído em 1939. No verão passado, o Cabot Links foi inaugurado na antiga cidade de Inverness, conhecida pela tradicional mineração de carvão, no sudoeste, e que as pessoas já estão dizendo ter um dos melhores "layouts" não apenas do Canadá, mas de toda a América do Norte. Um segundo campo, de 18 buracos, deve ser inaugurado na região em 2015.
Ingonish fica longe demais para irmos só por causa de golfe, mas se a pessoa aproveitar para ir até Cabot Links, a viagem vale a pena. O lugar mais recomendado para a estadia é o Keltic Lodge, um grande resort de estilo Tudor em um penhasco com vista para o Atlântico, popular entre os canadenses abastados desde os anos 1940. Nós fizemos a reserva a tempo, e acabamos ficando em um local mais distante, descendo a estrada, no Resort de Praia Glenghorm, que parecia uma cápsula do tempo dos anos 1950. A mobília era espartana e bem desgastada, o nosso quarto era coberto por telha acústica, e o ar condicionado, caso tivéssemos precisado dele, consistia em um ventilador elétrico de tomada.
Boa parte de Cape Breton convida a um retorno a um tipo antigo, menos cômodo de turismo. Nas cidades pequenas do litoral da ilha (o interior é praticamente inabitável), não existem redes de hotéis nem redes de restaurantes. O principal alojamento são as cabanas.
O restaurante do Glenghorm estava fechado quando chegamos lá, então comemos no Thirsty Hiker Pub do resort, onde o cardápio, como o meu irmão apontou, claramente não tinha sido criado por Alice Waters.
Não havia legumes, até onde eu pude ver, mas dois dos pratos de destaque eram a calabresa frita e algo chamado poutine mexicano, que, no fim, era o poutine habitual decorado com salsa e pimenta jalapeño.
Não é por acaso, eu vim a concluir, que no francês canadense a palavra poutine significa "bagunça", entre outras coisas, e apesar de eu já ter experimentado poutine antes, em uma estância de esqui no Québec anos atrás, decidi agora que, quando se trata desse prato especial, prefiro o clássico. Pessoalmente, acho que batatas fritas, molho pardo e queijo coalho combinam com jalapeños tanto quanto foie gras.
Meu sistema digestivo ainda estava em chamas quando fomos para Highlands Links na manhã seguinte, que, para falar a verdade, não parece um campo de golfe. Ou seja, ele não está construído em um terreno de dunas próximo ao mar. Alguns poucos entre os primeiros buracos dão vista para o Atlântico, mas a maior parte fica nas terras altas de floresta, e sua característica mais marcante está relacionada a drásticas mudanças de altitude.
Para Stanley Thompson, que projetou o lugar, ele deveria se chamar Campo das Montanhas e do Oceano. No dia em que Tom e eu jogamos juntos por lá, choveu e chegou a cair algum granizo e um pouco de neve. Houve alguns poucos momentos de sol, e o dia terminou com um arco-íris. Isso foi em meados de outubro (me esqueci de mencionar isso), o que talvez não seja ideal para o golfe canadense. No entanto, em parte porque o campo era tão divertido, nos sentimos entusiasmados com essas condições.
O grande charme do campo são seus percursos sinuosos, que proporcionam belas vistas todo o tempo. Em muitos dos buracos, o "tee" (local de saída) ou o "green" (local onde fica o buraco) são elevados, e alguns requerem tacadas cegas, de modo que o jogador sente como se estivesse jogando em três dimensões, suspenso no ar. O campo testa cada tacada, dada e não dada. Inexplicavelmente, perdi o nosso cartão de pontuação. Meu irmão alega que me destruiu naquele dia, mas não existe prova alguma disso.
Para chegar a Inverness, nós dirigimos por cerca de três horas em sentido anti-horário pela Trilha Cabot, subindo pelo entorno do topo da ilha e voltando pelo lado oposto. (Os motoristas reticentes preferem viajar pelo outro lado, de modo que fiquem na faixa de dentro e não nas extremidades dos muitos penhascos e fiordes.)
O Cabot Links, projetado pelo arquiteto canadense Rod Whitman, é um autêntico campo de golfe. De lá se pode ver o Golfo de Saint Lawrence a cada buraco, e cinco deles (os números 12 e 16) ficam bem próximos à praia. Há um "green" duplo, assim como os de Saint Andrews, e um "green" com uma calha no meio, uma marca registrada do arquiteto americano Charles Blair Macdonald, usada na Universidade de Yale e no Saint Louis Country Club.
Mas o Cabot Links me lembra um pouco o da Baía de Cruden, na Escócia, ou talvez ainda mais o do Turnberry, o grande campo de golfe sobre o Firth of Clyde, e, na minha opinião, eles têm uma categoria semelhante.
Quase todos os buracos são memoráveis, exceto, talvez, o 18, no qual o "fairway" (corredor que fica no centro do campo) fica tão perto da casa do clube que eu fiquei preocupado com a possibilidade de ter que pagar uma multa por uma janela quebrada. Entre aqueles que se destacaram para mim está o segundo, um par 5, onde a área de pouso fica entre dois barrancos e o "green" fica em cima do que foi antigamente uma boca de mina, o 11º, que fica ao redor de um pequeno porto, e o 16º: um par 4 de 411,5 metros próximo à praia, com um "green" protegido por um barranco à esquerda e arbustos de oxicoco em volta.
Eu até consegui fazer um "drive" decente aqui, mas estava pensando em fazer um "lay-up" quando Bruce me passou meu taco 4-wood e disse - Confie em mim: apenas mantenha-o à direita. Eu segui as instruções, e depois que a bola aterrissou perto do "green", pensei: a bola não parava de pular - parecia uma lebre - e parou a cerca de 2,4 metros do buraco. É isso que é mágico nos campos de golfe: um esporte em que os percursos da bola pelo solo são tão importantes quanto o voo dela pelo ar.
O Tom e eu ficávamos tão empolgados que entramos no carro e dirigimos até Antigonish, uma cidade universitária no continente, onde jogamos por mais nove buracos (10, para ser sincero) no Antigonish Golf and Country Club. Devíamos ter parado nos nove. O 10 é um dos par 5 mais brutais que já enfrentei - 462,7 metros de subida até um "green" em um planalto.
Todo mundo já tinha ido para casa no momento em que conseguimos voltar para o estacionamento, então nós dirigimos pelo que pareceu uma eternidade até Halifax. Ficamos em um hotel no centro antes de sairmos pela manhã para jogar uma partida no Glen Arbour, um campo bastante novo, onde aconteceu o Aberto Feminino de Golfe do Canadá em 2005.
No entanto, logicamente, primeiro precisávamos comer, e pensando que talvez eu nunca mais pudesse comê-lo novamente - talvez nunca mais sentir o sabor de um queijo coalho - ou conhecer a consistência especialmente macia adquirida pelas batatas fritas quando mergulhadas em molho pardo - eu pedi mais poutine.