Londres - A festa da vitória do que alguns dizem ser a mais antiga competição esportiva realizada ininterruptamente do mundo foi celebrada por uma multidão na tarde de uma sexta-feira cotidiana em um pub chamado Hung Drawn and Quartered.
Embora tudo que tenha uma relação ao menos remota com os esportes esteja sendo sufocado pela cobertura jornalística nestes dias em uma Londres saturada pelas Olimpíadas, havia muito poucos aqui, entre imprensa e espectadores. E ainda bem que foi assim, já que o jovem vencedor da regata disputada por seis homens, Merlin Dwan, de 23 anos, foi um pouco longe demais em sua celebração.
- Você está muito atrasado - um amigo alertou um repórter, enquanto a única equipe televisiva no local tentava, sem sucesso, fazer uma entrevista.
Mas quem chamava mais atenção na comemoração no pub era o vencedor de uma edição passada da competição, Gary Brian Anness, que, apesar de se comportar com mais reserva, estampava na manga sua vitória, ocorrida 30 anos atrás. Além de uma túnica, um boné e calças que chegavam até o joelho nas cores laranja e vermelha, meias brancas e sapatos de fivela, ele usava no braço um medalhão de prata gravado do tamanho de um prato de salada.
São essas as peculiaridades da Regata "Coat & Badge" de Doggett, uma corrida de barcos a remo de skiff simples que é realizada no rio Tâmisa há quase 300 anos. Já surgiram ideias para aumentar a visibilidade desse evento pouco conhecido: talvez um patrocínio corporativo ou um local mais conveniente para a linha de chegada. Mas Anness, um piloto de rebocador cujo filho venceu a corrida em 2011, não concorda com nenhum delas.
- Thomas Doggett não mudou a regata - disse ele. - Por que alguém deveria mudar?
Existem inúmeras concorrentes ao título de competição esportiva mais antiga da Grã-Bretanha, pátria do esporte moderno. O Ancient Scorton Silver Arrow, de North Yorkshire, por exemplo, ostenta em seu site uma história da competição de arco e flecha iniciada em 1673 ("exceto em períodos de intensificação de guerras"), enquanto a Sociedade Antiga dos Arqueiros de Kilwinning, baseada na Escócia, gaba-se de sua disputa anual de arco e flecha chamada Papingo, iniciada quase 200 anos antes disso.
A Worshipful Company of Fishmongers, organização de 740 anos que organiza a competição de Doggett, reconhece alguns dos seus rivais, embora a contragosto. O comunicado de imprensa da regata deste ano declarou que os registros da Antient Silver Arrow não são verdadeiros quanto a uma fração de tempo de 35 anos, além de apontar que não existem registros anteriores a 1891 que documentem que a Real Partida de Futebol do Entrudo de Derbyshire de fato ocorre anualmente desde o século XII. Além disso, o comunicado enfatizou que o jogo de futebol é "uma competição entre equipes" e, portanto, algo diferente.
No mínimo, a regata de Doggett é sem dúvida a competição de remo mais antiga da Grã-Bretanha, ultrapassando em mais de 100 anos a famosa regata de Oxford e Cambridge. E ela percorre o coração de Londres.
A regata começa na London Bridge, na antiga localização da Taverna The Swann, e termina em Chelsea, onde o fundador da competição, Thomas Doggett, residia. Esse percurso leva os seis concorrentes e os barcos de espectadores, incluindo um árbitro que usa um chapéu de pontas e um casaco de almirante tecido com ouro, por um nobre território turístico. Mas atrai apenas olhares confusos e acenos ocasionais das margens do rio. Em comparação às regatas mundialmente famosas do Tâmisa, essa corrida é considerada um anacronismo curioso - isso quando é levada em consideração.
- Essa regata tem um nicho bem específico - disse Ted Manning, administrador da Company of Fishmongers. - Ela realmente tem a ver com um pequeno segmento do país."
E, acrescentou ele sem rodeios, "para os espectadores, ela pode ser muito chata".
Ainda assim, a corrida de Doggett remonta a uma época particularmente pitoresca do desenvolvimento dos esportes modernos.
O gosto britânico pela organização e padronização dos esportes se manifestou, grosso modo, em duas fases, explicou Julian Norridge, autor do livro "Can We Have Our Balls Back, Please? How the British Invented Sport" ("Devolvam-nos nossas bolas, por favor - Como os britânicos inventaram o esporte", em tradução livre).
A segunda é a mais conhecida dessas fases: a organização de atividades como o remo e futebol nos internatos e clubes amadores do século XIX, quando os vitorianos decidiram que os esportes não eram uma distração nociva, mas uma maneira saudável de formar o caráter.
A regata de Doggett, no entanto, pertence a uma era anterior, mais caótica e comercializada, quando as elites ociosas e os trabalhadores convergiam em seu amor pelo compartilhamento de apostas.
- As apostas foram uma das razões pelas quais eles começaram a elaborar regras, porque as pessoas queriam saber no que estavam apostando - disse Norridge.
Foi então que foram formuladas regras para o críquete, as corridas a cavalo e o boxe - as primeiras regras do boxe, na verdade, foram elaboradas por um dos primeiros vencedores da regata de Doggett, um barqueiro que se tornou lutador chamado Jack Broughton.
O próprio Doggett não era esportista. Nascido em Dublin, ele chegou à fama como ator cômico e empresário em Londres. (Seu papel de estreia, como a maioria dos relatos parece obrigada a apontar, foi como um personagem chamado Delegado Nincompoop.)
Em 1715, para marcar a ocasião da ascensão de George I ao trono, assim como para homenagear um jovem que o transportou até sua casa em uma noite triste, Doggett anunciou uma corrida para os barqueiros que tivessem recém concluído seu período de formação. Como em outras corridas similares da época - e havia muitas delas -, o vencedor recebia um casaco e um crachá semelhante a uma placa de metal. Doggett também deixou uma pequena anuidade para a regata, juntamente com a recomendação de que ela fosse realizada "para sempre".
E assim tem sido, até hoje, e praticamente com o mesmo regulamento. Entre os blazers trespassados e ternos de risca de giz que ocupavam o barco de espectadores que acompanhava a corrida naquela sexta-feira, havia vários homens que vestiam o uniforme vermelho e laranja que os identificava como vencedores de edições anteriores da regata - ou "Doggettsmen".
Além vestir calças que iam até o joelho, eles diferiam de muitas das outras pessoas a bordo que bebiam champanhe no barco de espectadores por serem barqueiros e encontrarem seus meios de subsistência no rio. Os outros, em sua maioria, eram membros da Company of Fishmongers, que administra a regata desde pouco tempo depois da morte de Doggett. Como acontece com muitas das mais antigas associações de comércio da cidade - mas ao contrário dos barqueiros - o nome Company of Fishmongers ("Companhia das Peixarias") se tornou um tanto enganoso.
- Basicamente, eles são vendedores de peixe que dirigem bancos - , explicou Chris Dowd, historiador do remo que está trabalhando em um livro sobre os barqueiros do rio Tâmisa.
Embora a regata seja limitada a barqueiros, muitos deles são ótimos remadores. Vários participaram dos Jogos Olímpicos.
Gary Brian Anness, que foi o comentarista da regata deste ano, relatando via rádio, a bordo do pequeno e escassamente povoado barco da imprensa, quem estava "animado desde o início" e quem tinha "uma tendência a acelerar", explicou que a vitória não pertence simplesmente ao mais forte, mas a quem tem um conhecimento mais íntimo do rio.
Por essa razão, a conquista da regata de Doggett tende a ficar nas mãos de famílias ribeirinhas. O pai de Merlin Dwan, um piloto de rebocador, ganhou em 1977, enquanto seu tio, Kenny Dwan, que administra um estaleiro, venceu a corrida no intervalo entre suas participações nos Jogos Olímpicos de 1968 e 1972. Dois primos de Merlin também ganharam.
Quatro dos cinco Dwans vitoriosos foram ao pub Hung Drawn and Quartered, posando para fotografias em grupo e celebrando a última vitória da dinastia Dwan.
- É um marco impressionante, disse Anness - mas não chega a ser um recorde. A família Phelps venceu 10 vezes.