Desejo de clubes brasileiros desde que deixou o PSG, em 2020, Edinson Cavani desembarcou em Buenos Aires na metade deste ano como grande reforço do Boca Juniors para os mata-matas da Libertadores e estará em campo na final deste sábado (4), contra o Fluminense. O movimento causou surpresa diante da dificuldade financeira que os clubes argentinos têm tido para competir financeiramente com os brasileiros nas contratações de grandes nomes que retornam do futebol europeu. No caso de Cavani, pesou uma relação de idolatria que o centroavante tem por um compatriota que marcou época em La Bombonera nos anos 1990.
Pouco conhecido do público brasileiro, Sergio Daniel Martínez, o "Manteca", fez história no Boca Juniors em um período que os títulos eram raros na Bombonera. O clube chegou a ficar 11 anos sem conquistar um campeonato nacional desde o Metropolitano de 1981, ainda com Diego Maradona na equipe. A seca foi quebrada em 1992, quando a equipe comandada pelo técnico uruguaio Óscar "Maestro" Tabárez ganhou o Torneio Apertura, um dos dois Campeonatos Argentinos daquela temporada.
Pois entre nomes como o goleiro Navarro Montoya, do lateral Carlos Mac Allister (pai do meio-campista Alexis Mac Allister, campeão do mundo com a Argentina no Catar) e do brasileiro Charles estava Manteca Martínez. O uruguaio tinha uma maneira peculiar de comemorar os gols, subindo no alambrado da Bombonera. Um dos mais marcantes foi no Superclássico contra o River, cuja vitória foi considerada determinante para a conquista daquele Apertura.
Nessa época, o menino Edinson dava seus primeiros chutes na pequena cidade de Salto, no interior uruguaio, e acompanhava pela televisão o compatriota com a camisa do Boca. Já consagrado como um dos ídolos da Celeste e em alta no futebol europeu, Cavani revelou em 2019 o desejo de vestir a camisa do Boca como Manteca.
— Boca é um time que eu gosto, que me chama atenção. Tenho de criança a vontade de fazer como o Manteca Martínez, de fazer um gol e subir no alambrado da Bombonera — respondeu à ESPN Argentina sobre a preferência por Boca ou River.
Aquela declaração gerou reações da torcida xeneize nas redes sociais e não passou em branco por Juan Román Riquelme. Tido por muitos como maior ídolo da história do Boca, Riquelme assumiu em janeiro de 2020 o cargo de vice-presidente do clube e teve, desde o início, a contratação de Cavani como meta.
Cavani contou, ainda, que teve uma ida a Bombonera frustrada. Com 12 anos, ele atuava em uma escolinha filiada ao Nacional-URU, que viajou a Buenos Aires para amistosos. Estava previsto no roteiro uma visita ao estádio do Boca Juniors. As crianças, no entanto, tiveram frustrado o sonho de pisar no gramado.
— É uma história que sempre recordo. Se montou um time para jogar em Buenos Aires e iríamos visitar o museu do Boca. Nós estávamos felizes porque iríamos conhecer o campo, o sonho era grande, mas quando chegamos nos falaram que não poderíamos pisar no gramado, apenas ver o estádio das arquibancadas. Passou mil coisas na cabeça, queria pisar ali e não pude — recordou o uruguaio.
Em duas oportunidades o uruguaio esteve perto da Bombonera, mas acabou acertando inicialmente com Manchester United e posteriormente com o Valencia. De saída do clube espanhol, o acerto com o Boca aconteceu em julho deste ano. Quase 50 mil torcedores estiveram na apresentação do jogador, que contou com a presença de Manteca Martínez. Cavani fez questão de dar a sua camisa ao ídolo que lhe inspirou a jogar no clube argentino.
— Ele sempre me perguntava do mundo Boca, coisas que poderiam acontecer, que eu pudesse falar. Fui contando minhas experiências, como as coisas mudaram com o decorrer do tempo. Ele também passou a entender algumas coisas, falou com Carlos Bianchi (técnico tricampeão da Libertadores pelo clube) e com outros nomes que vestiram a camisa xeneize. Quando soube que estava perto lhe mandei uma mensagem dando parabéns. Falei que logo que fizesse o primeiro gol e ouvisse a torcida gritando "uruguaio", como faziam comigo, ficaria arrepiado. Disse coisas para motivá-lo, porque também sou torcedor — contou Manteca no dia da apresentação de Cavani.
Cavani estreou pelo Boca no jogo de volta das oitavas de final da Libertadores, contra o Nacional, em 9 de agosto. Nove dias depois, marcou contra o Platense seu primeiro e único gol na Bombonera até o momento sem subir no alambrado como Manteca Martínez. O uruguaio justificou o receio de levar cartão amarelo como motivo para não repetir o gesto do ídolo.
O desempenho de Cavani ainda não atingiu o esperado com a camisa do Boca. Depois daquele gol contra o Platense, passou oito jogos em branco até balançar as redes diante do Palmeiras, na semifinal da Libertadores. No total são apenas três gols em 13 partidas.
A torcida do Boca certamente não se incomodará com esses números modestos caso ele volte a marcar na final um gol que possa valer a sétima Libertadores no Maracanã. Quem sabe um título que poderá ser comemorado na volta a Buenos Aires com subida no alambrado da Bombonera para Cavani realizar o sonho de menino de imitar o ídolo Manteca Martínez.