Causou surpresa no final da manhã desta terça-feira (13) o anúncio da Conmebol do recebimento de 50 mil doses da vacina contra a covid-19 produzida pela empresa chinesa Sinovac Biotech, batizada de CoronaVac, para imunizar integrantes de equipes envolvidas nas disputas dos torneios organizados pela entidade.
Seriam beneficiados jogadores, dirigentes, membros de comissões técnicas e estafes das seleções participantes da Copa América e de clubes que disputam torneios como a Libertadores e Copa Sul-Americana. O comunicado é visto como um caso de "fura-fila" por especialistas no momento em que há falta de vacina no mundo inteiro e o Brasil é um dos epicentros da pandemia.
Para o presidente da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Gabriel Oselka, o momento é de respeitar a ordem de imunizações definidas pelos governos de cada país.
— Neste momento em que falta vacina em todos os lugares, a primeira reação que se tem ao saber dessa notícia é de um caso de fura-fila. O ponto básico é até onde se justifica neste momento. Se tivesse vacina sobrando, não estaríamos falando disso. Está faltando vacina não apenas no Brasil, mas em todos os países, inclusive na China. Se está tomando lugar de pessoas que estariam em risco, e chama atenção que o número (50 mil doses) é muito elevado. É uma inversão de prioridade. Esta questão, no ponto de vista ético, é o que popularmente se chama de "fura-fila" porque estará se vacinando uma população que não estaria incluída no grupo de prioridade. Estamos longe de completar os grupos prioritários por falta de vacina. Nós temos capacidade de vacinar muito mais gente do que estamos vacinando, mas não temos vacina — avalia
Oselka observa que, ainda que exista diferença, há um padrão mundial na ordem das imunizações que prioriza idosos, pessoas com comorbidades ou trabalhadores de setores de exposição ao vírus, o que não é o caso do futebol.
— Os planos são diferentes de país para país, mas os princípios gerais não mudam. A ordem das prioridades muda, mas é basicamente priorizar quem tem risco maior de exposição, idosos, pessoas com comorbidades. Tanto em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, os planos seguem um padrão. Não está detalhado (o plano da Conmebol), mas creio que ao se divulgar os detalhes não irá mudar o fato de estarem vacinando pessoas que não estariam ainda no momento de receber a imunização — completa.
A opinião de Oselka é corroborada por outros especialistas no assunto, caso de Tomlyta Velasquez, mestra em direito e especialista em biodireito pela PUCRS, que aponta que a ação da Conmebol não só fura a fila de vacinados do Brasil como também mostra uma falta de empatia com a população dos 10 países que participam da Libertadores, da Copa Sul-Americana e da Libertadores.
— A fala do presidente da Conmebol e até mesmo a intermediação feita pelo governo uruguaio mostra uma questão de falta de humildade, de empatia, principalmente no momento em que vivemos aqui na América do Sul. O Brasil, diariamente, bate recordes relacionados à doença. O Uruguai está entrando em recordes de contágio, adotando medidas fronteiriças. É falta de perspectiva social — indica.
A pesquisadora ainda aponta que a entidade sul-americana poderia usar a sua influência e poder para ser didática em relação ao covid-19, principalmente pelo contexto em que a América Latina vive.
— Se existisse uma posição de igualdade e de harmonia no enfrentamento da pandemia, tendo vacina para todo mundo, tendo política de controle harmônica, acho que sim, poderia se pensar em abrir para outros setores e civis, mas neste momento é uma questão de falta de ética internacional. Acho que a Conmebol, pela representatividade que tem, poderia usar o poder que tem para conscientizar os torcedores. Vai fazer entretenimento e futebol para quem está morrendo? Estão pensando em imunizar os jogadores, mas não pensam no torcedor que também vive pelo esporte. Se as 50 mil doses fossem distribuídas para as populações carentes dos países seria muito mais louvável do que usar nos jogadores apenas para que as competições ocorram — finalizou Tomlyta.