Ídolo da torcida, respeitado pelo grupo, workaholic e um líder que entrou para história do seu clube. Esta descrição aplica-se, curiosamente, aos dois técnicos finalistas da Copa Libertadores. Claro que há diferenças importantes. Jorge Jesus já tem 65 anos, está há apenas quatro meses no cargo e ainda busca o seu primeiro título pelo Flamengo. Enquato isso, Marcelo Gallardo, aos 43 anos, já levantou 10 títulos em cinco anos no comando do River Plate. No entanto, em relação à forma de trabalhar, o português e o argentino chamam a atenção pelas inúmeras semelhanças na metodologia de trabalho e na relação com o grupo.
Confira sete semelhanças entre Jorge Jesus e Marcelo Gallardo:
1) Forma de jogar:
Os dois técnicos têm como esquema tático preferencial o 4-1-3-2. Enquanto Jesus aposta em William Arão como alicerce do meio-campo, Gallardo confia em Enzo Pérez para essa função. No Flamengo, os meias Everton Ribeiro, De Arrascaeta e Gerson abastecem a dupla de atacantes formada por Bruno Henrique e Gabigol. Já no River Plate, Nacho Fernández, Nico De La Cruz e Palacios têm a missão de servir Borré e Suárez.
2) Workaholic:
Tanto Jesus como Gallardo vivem e respiram futebol 24 horas por dia. No Flamengo, o português costuma inclusive telefonar para os seus auxiliares nos horários mais diversos, inclusive na madrugada, para discutir alguma questão relativa ao trabalho.
— Ele é viciado em futebol, vive isso quase 24 horas por dia. Busca a perfeição e é muito detalhista — relata o goleiro Diego Alves.
Ele é viciado em futebol, vive isso quase 24h por dia. Busca a perfeição e é muito detalhista
DIEGO ALVES
Goleiro do Flamengo, sobre o técnico Jorge Jesus
Já o técnico do River Plate costuma passar até 12 horas por dia no Centro de Treinamento, preparando treinos e estudando adversários. Nas folgas, o comandante tem o hábito de comparecer a jogos das divisões de base e até de viajar para o Uruguai ou para o Paraguai apenas para assistir a jogos de futebol.
3) Atenção profissional ao emocional do elenco
Jesus e Gallardo dão máxima importância ao psicológico dos jogadores. No entanto, sob o comando dos dois técnicos, a motivação não funciona na base do "vamo que vamo". É tudo um processo científico. O português mantém na comissão técnica o coach Evandro Mota, que participou da conquista do tetracampeonato mundial da Seleção Brasileira, em 1994, e do Mundial de Clubes de 2006, com o Inter. Já o argentino conta na sua equipe com uma médica especialista em neurociência. Formada nos Estados Unidos, a doutora Sandra Rossi é considerada peça fundamental na equipe argentina para forjar a "mentalidade vencedora" do elenco.
— Ela mudou a história recente do River. É chamada de "la mamá de River" (a mãe do River). É uma cientista que chegou e trabalhou muito o aspecto da força mental. É a grande responsável por essa força ganhadora que o River tem hoje. O time não joga de forma apavorada e não corre de qualquer jeito, mesmo em situações adversas. A equipe, quando sai perdendo, não se desespera. Continua com a ideia de jogo mesmo estando atrás no marcador. Isso faz parte dessa fortaleza mental — explica o jornalista Luciano Silveira, comentarista da plataforma DAZN e especialista em futebol argentino.
Tem muito foco em jogos decisivos e dificilmente perde em competições mata-mata
CÉSAR LUÍS MELO
Jornalista do canal argentino TyC Sports
O trabalho de Rossi ajuda também o time do River a não sentir a pressão em jogos decisivos.
— Este é um dos grandes méritos do River de Gallardo. Tem muito foco em jogos decisivos e dificilmente perde em jogos válidos por competições mata-mata — completa o jornalista César Luís Merlo, do canal argentino TyC Sports.
4) Comissão gigante
As comissões técnicas inchadas são características dos dois finalistas da Copa Libertadores. Ao assumir o cargo em julho, Jesus trouxe sete profissionais para comporem a sua equipe de trabalho. Além do motivador Evandro Mota, o treinador trabalha com os auxiliares João de Deus e Tiago Oliveira, os preparadores físicos Mário Monteiro e Márcio Sampaio e os analistas de desempenho Rodrigo Araújo e Gil Henriques.
Já Gallardo tem no River uma comissão ainda maior, composta por nove profissionais. Além da médica Sandra Rossi, integram a equipe os auxiliares Matias Biscay, Hernan Bujan e César Zinelli, os preparadores físicos Pablo Dolce e e Diego Gamalero, o preparador de goleiros Alberto Montes e o analista de desempenho Nahuel Hidalgo.
Os dois treinadores não abrem mão de trabalhar com equipes grandes e com homens de confiança, delegando várias tarefas importantes do dia-a-dia aos membros da comissão técnica.
5) Relação com o grupo
Enquanto voltava do México, após o jogo de ida contra o Tigres, pela final da Copa Libertadores 2015, os jogadores do River começaram a fazer uma "guerra" de travesseiros durante o voo de volta para Buenos Aires. Quando uma almofada passou a centímetros da cabeça de Gallardo, o treinou virou-se para o grupo e, com semblante sério, apenas olhou para os atletas. Não falou nada. E nem precisou. Os jogadores entenderam o recado e pararam imediatamente com a brincadeira. A liderança do técnico argentino é assim, sem gritos e na base do diálogo.
No Flamengo, Jorge Jesus adora um estilo parecido. Apesar de exigente e perfeccionista, tem uma excelente relação com os atletas. Durante os treinos, mantém muitas conversas individuais com os jogadores ao pé do ouvido, com poucos gritos e muitas instruções.
Com a mesma estratégia, os dois treinadores têm o grupo na mão.
6) Idolatria
Os gritos de "olê, olê, olê, mister" já fazem parte dos cânticos da torcida do Flamengo, seja no Maracanã, nas ruas de Lima ou em qualquer lugar onde houver um grande grupo de flamenguistas. Os bons resultados e a qualidade do trabalho de Jorge Jesus já o tornam um ídolo da torcida rubro-negra.
Já na Argentina, a idolatria dos torcedores do River Plate a Marcelo Gallardo é ainda maior. O técnico conduziu a equipe a 10 títulos em cinco anos, incluindo duas Copas Libertadores. Sua passagem como técnico é considerada um divisor de águas na história do clube.
— Gallardo é o nosso Deus. Nos fez ganhar tudo — idolatra o operário argentino Nelson Franceschini, 32 anos, que exibe nas ruas de Lima uma tatuagem no braço direito com um desenho quase perfeito do treinador.
7) Legado
Os dois técnicos já deixaram um trabalho que vai mudar a história dos seus clubes para sempre. Mesmo se Jorge Jesus deixar a equipe do Flamengo em 2020, algo que já foi especulado pela imprensa portuguesa, dificilmente a direção rubro-negra vai recorrer a um técnico brasileiro para substituí-lo. A tendência, segundo a imprensa carioca, seria a opção por um novo profissional estrangeiro, com filosofia similar a do português.
Já Gallardo é especulado frequentemente como opção para o Barcelona ou outros times europeus, como Mônaco e Lyon. Caso o treinador deixe o clube, a imprensa argentina acredita que o River Plate buscará outro ex-jogador identificado com as cores da equipe, como Hernan Crespo e até mesmo Eduardo Coudet, que já está acertado com o Inter para 2020.
As diferenças entre Jesus e Gallardo:
Além da idade, da quantidade de títulos e do tempo de trabalho em cada time, há outras diferenças importantes entre os dois treinadores. Enquanto o português tem como grande referência o holandês Johann Cruyff, de quem foi estagiário no Barcelona, em 1993, o argentino se espelha em dois treinadores conterrâneos: Marcelo Bielsa e Alejandro Sabella.
Tanto Jesus como Gallardo já fizeram o suficiente em seus clubes para quebrar paradigmas e, especialmente, entrar para a história de Flamengo e River Plate. No entanto, na final da Copa Libertadores, no sábado (23), em Lima apenas um dos dois poderá levantar a taça de campeão da América.