Se há alguém que pode provar que torcer para um time de futebol não é uma escolha, mas sim um destino, é a irmã Inah Canabarro Lucas. A senhora, que completa oficialmente 116 anos neste sábado (8), é a torcedora mais antiga do Inter — além de ser a religiosa mais longeva no mundo, o ser humano mais velho da América Latina e o terceiro mais antigo do planeta, conforme o Gerontology Research Group, organização científica com sede nos Estados Unidos.
A história dela, mais que centenária, está guardada na Casa Paroquial das Irmãs Teresianas, em Porto Alegre, onde Inah mora há cerca de 40 anos. Bibliotecária em Porto Alegre e professora em cidades como Santana do Livramento, Itaqui e Rio de Janeiro, ao longo da vida, a irmã atualmente tem dificuldades para se locomover, ouvir e falar. Na conversa com GZH, ela conseguiu concluir poucas frases, mas entre elas não deixou de fora a razão pela qual se apaixonou pelo Colorado.
— Porque é o time do povo. Para ir branco, preto, rico, pobre, seja quem for. É Inter. É do povo. Atende bem a todos. Não deixa ninguém para trás — afirmou.
Quando ela nasceu em São Francisco de Assis, em 27 de maio de 1908 — o registro em cartório ocorreu somente 12 dias depois —, ainda faltavam meses para que o clube colorado fosse fundado, em 4 de abril de 1909. Mas isso não foi empecilho para sua paixão.
Amor inesquecível
Como o livro bíblico de Eclesiastes ensina há milhares de anos, "há um tempo para cada coisa debaixo do sol, tempo de plantar, de colher, de nascer, de viver e de morrer". E o tempo de Inah contar as suas memórias, aos poucos, tem chegado ao fim. Suas idas ao Beira-Rio e as tantas festas de aniversário, sempre decoradas com vermelho e branco, já não saem da mente para se transformar em palavras.
Contudo, existem sentimentos que o tempo não consegue apagar. Inah abre um sorriso quando ouve o nome de Caçapava, volante bicampeão brasileiro com o Inter na década de 1970, falecido em 2016. O ídolo colorado compareceu em diversos aniversários da freira, como lembra o ex-dirigente Gelson Pires.
É um símbolo de colorada. A irmã Inah tem que ser respeitada como torcedora e exemplo de bom-viver
GELSON PIRES
Ex-dirigente do Inter
— Ela era apaixonada pelo Caçapava. Várias vezes eu vim com ele para visitá-la — conta Pires, que se tornou amigo de Inah no início dos anos 2000, enquanto ele ocupava o cargo de vice-presidente de relacionamento social
Para o histórico dirigente, uma das alegrias da sua trajetória como colorado é ter conhecido a religiosa, a quem faz visitas sempre que pode. Anualmente, Pires a presenteia como uma camiseta do clube.
— Quando eu falo da irmã Inah no interior sempre tem alguém que pergunta: ela está viva? Mas claro que está viva. As pessoas comentam que lembram dela como professora. É um símbolo de colorada. A irmã Inah tem que ser respeitada como torcedora e exemplo de bom-viver — acrescenta.
Segredo da longevidade
O mais recente aniversário da "madre" Inah — como eram chamadas as irmãs que exerciam a função de professora — não fugiu à regra. Teve painel com decoração vermelha e branca, o nome em dourado e o "116" em grandes balões que conferem o devido destaque à idade incomum. Pelo frio e pela paixão, a manta com o símbolo do Inter foi ostentada no pescoço durante a comemoração.
Mal está concluída uma celebração, os amigos já garantem presença na festa dos 117 anos, em 2025. Ao falar sobre a idade, Inah une fé e bom-humor.
— Nosso Senhor é quem determina. Não sou eu — comenta.
A religiosa também entra na brincadeira de Gelson Pires. O amigo diz que a longevidade de Inah é segredo guardado com sete chaves. Com a astúcia que o tempo não lhe roubou, ela concorda.
— Segredo é segredo — confirma a freira.
História viva
Ao final do encontro com a reportagem de GZH, no salão da Casa Paroquia, Inah é conduzida de volta para o seu quarto e leva consigo parte da história do Inter, da Congregação Teresiana e do Rio Grande do Sul — ela é sobrinha trineta do general David Canabarro, um dos principais líderes da Revolução Farroupilha (1835-1845), movimento das elites gaúchas contra a política fiscal sobre o charque e a rebelião mais duradoura do período imperial brasileiro.
Atualmente, a torcedora não sabe mais se o Inter está bem ou mal nos campeonatos, mas, quando pode, não deixa de acompanhar as partidas pela televisão. Mais do que nunca, a relação com o clube vive da essência do torcer: independe de resultados ou das circunstâncias.
— Temos muito orgulho pela qualidade de vida que ela leva. Ela pergunta pelas irmãs, se dá conta dos funcionários que estão aqui. O que impressiona é o modo como ela chegou aos 116 anos. Tem irmãs muito mais novas que não têm essa lucidez — descreve a coordenadora da comunidade da Casa Provincial das Irmãs Teresianas, Lucia Ignez Bassotto.
No interior da Casa Provincial, há uma vida que se confunde com a história de um clube. "É teu passado alvirrubro motivo de festas em nossos corações. O teu presente diz tudo, trazendo à torcida alegres emoções". O hino é sobre o Inter, mas poderia ser sobre Inah. Aliás, como se fosse destino, os dois começam com "i". Inter é Inah. Inah é Inter.