Um dia regular na vida de Magrão começa com um café da manhã ao lado da esposa, uma carona para o filho para o colégio e um futevôlei pegado. Tudo isso antes das 8h. A partir dali, muitas vezes até altas horas, o resto do tempo passa dentro do CT Parque Gigante. Só sai dali para ir ao Beira-Rio ou para o aeroporto mesmo. Lida com problemas pessoais de jogadores e funcionários. Com a altura dos gramados. Com os planos de viagens. Com empresários querendo comprar e vender atletas. Com repórteres. Com gente em que confia e desconfia. Com vazamentos. Com Coudet. Com o presidente, que não tem hora para ligar. E mesmo tendo todas essas broncas, garante:
— Termino meu dia sempre feliz.
É que Márcio Rodrigues, o Magrão, sempre quis fazer isso. Ao menos desde que largou o lado de dentro do campo. Não ser diretor esportivo, posto que ocupa agora, mas sim ser diretor esportivo do Inter.
— É a realização de um sonho estar aqui. E me refiro ao Inter. Poderia estar fazendo essa função em outro clube, mas desde 2009, quando saí, sabia que tinha alguma coisa especial. Tinha um escritório aqui do lado, passava na frente do Beira-Rio. Sonhava estar aqui. Não sei se estou preparado, mas dentro do meu coração, queria muito isso.
Desde que assumiu o cargo, em maio de 2023, Magrão vem lidando com incêndios. O mais famoso foi em 5 de agosto. Logo após o 2 a 2 com o Corinthians, o dirigente foi empurrado por Enner Valencia como consequência de um bate-boca público, dentro do campo no Beira-Rio.
O "velho" Magrão não teria reagido da forma como fez o atual Magrão. O volante, possivelmente, teria usado a malandragem de quem nasceu em Heliópolis, a maior comunidade de São Paulo. O dirigente lembrou dos tempos de bola, esfriou a cabeça, chamou o equatoriano para um bate-papo:
— As coisas foram resolvidas internamente, no olho no olho. Porque lembrei quando jogava, também ficava de cabeça quente. Acha que nunca empurrei ninguém? Nunca mandei ninguém para aquele lugar? Só que não em público. Ponderei tudo o que ele estava passando, de ser uma estrela chegando ao clube. Hoje, Enner é um dos caras que mais nos ajudam, todos gostam dele, dentro e fora de campo. Tivemos uma conversa tranquila.
O vestiário é o reduto de Magrão. Mesmo de camisa social, calça jeans, cinto e sapato, é lá que se sente à vontade. É onde pode, diz, "ser ele mesmo, sem precisar ser político". Por isso, pede à comunicação que evite colocar imagens suas naquele incentivo final antes da oração. Não quer aparecer, afirma que as estrelas são os jogadores e evita que vaze a linguagem verdadeira do "sagrado vestiário".
Inclusive porque vazamento é o que deixa Magrão furioso. Não o de contratações, isso aí faz parte do mercado. O que lhe tira do sério é ver sair de dentro do CT algo relacionado ao treino.
— O cara que faz isso me f... Pode estragar um trabalho inteiro. Por que ele vai saber alguma coisa que outros não vão? O que ganha com isso? E o pior, é que tem um traidor do meu lado.
Cuidar dos vazamentos acresce uma missão a mais em um dia já atribulado. Que já passou por conversar com jogadores, receber empresários, lidar com um igualmente atarefado Coudet (que gosta de saber até do corte da grama). E quando acha que vai terminar ao sair do CT, o quase gaúcho Magrão, que fala "cinco pila" e de vez em quando solta um "Bah", precisa dar explicações à família colorada.
— Minha mulher me cobrou quando contratamos Rochet. "Pô, mais um goleiro? Já tem o John, que está bem. Precisa para outra posição". Expliquei que ele nos ajudaria na liderança, no perfil vencedor. Foi difícil convencer (risos).
O dia de Magrão só acaba quando dorme mesmo. E olhe lá.
ENTREVISTA
Logo depois da apresentação de Rafael Borré, na quarta-feira, Magrão atravessou a Avenida Beira-Rio e, na sala de imprensa do CT Parque Gigante, recebeu a reportagem de GZH. Em uma conversa de 45 minutos, falou sobre o dia a dia no Inter, a preparação para o novo cargo, a experiência fora do país e a vida em Miami.
Contratações como as da janela do Inter são o equivalente ao gol para um dirigente?
É quase isso. Vai se transformar em gol se tivermos êxito em campo. Porque temos dificuldades, precisamos fazer uma ginástica financeira, convencer de que o nosso é o melhor projeto. Senão financeiramente, é para a carreira, para a família. Entrevistamos todos os jogadores que vamos contratar. É satisfatório ver a alegria de estar com a gente.
No mercado, qual informação incomoda mais, a verdadeira ou a falsa?
Muda pouco. A verdadeira pode me atrapalhar na negociação, porque alguém pode vir, dar cinco pila a mais e levar. A falsa pode criar uma expectativa errada na torcida. Muitas vezes de alguém que quer colocar um jogador no mercado. Na verdadeira, sabemos quem foi, sempre. Mas as duas fazem parte.
Como foi a preparação para se tornar dirigente?
Quando parei de jogar, viajei para os Emirados Árabes, ajudei o Inter a fechar uns negócios. Pensei em seguir na gestão de carreira de jogadores, mas vi que não existe isso. Um menino de 18, 19 anos, quando começa a jogar, já tem o pai largando tudo, querendo só aproveitar. Então fiz muitos cursos. A academia ajuda muito, mas os bons profissionais saem da situação difícil de um jeito mais rápido e eficiente. Vale para qualquer posição. E isso tive graças à experiência no campo. Levo também o que aprendi com grandes dirigentes, como Mustafá (Contursi), do Palmeiras, Fernando Carvalho, (José Carlos) Molina, do São Caetano, Giovanni Luigi.
E a experiência nos Estados Unidos?
Foi muito rica. Os americanos são muito profissionais. Lá tive um guia, um amigo que mantenho até hoje, Chris Henderson. Conheci no Seattle Sounders e me levou para o Inter Miami. As estrelas maiores ficam com ele e com David Beckham. Ano passado, eles me chamaram, perguntaram sobre o Suárez, se estava bem. Falei: "Bem demais, leva" (risos).
Vocês sempre entrevistam jogadores que vão contratar. No Inter Miami, entrevistou o Messi?
Daí não precisa, né? (risos)