Nem parece que 1,3 mil quilômetros separam o Beira-Rio do Monumental de Núñez. Em 2024, o Inter montou uma república de egressos do River Plate para tentar reencontrar o caminho dos títulos. São seis profissionais que passaram pelo gigante argentino e agora vestem o vermelho e branco gaúcho: os jogadores Gabriel Mercado, Lucas Alario e Rafael Borré (que deve desembarcar em julho), o técnico Eduardo Coudet, o auxiliar Lucho González e o gerente executivo das categorias de base, Gustavo Grossi.
Apesar de ter tantos ex-Millonarios, o Inter garante que se trata de coincidência. Não houve uma inspiração especial no clube argentino, ainda que dirigentes consultados pela reportagem reconheçam a importância do River Plate no cenário sul-americano e mundial. Mas é só. Mesmo assim, existe uma certa lógica.
Mercado já estava no Inter, indicado por Diego Aguirre, que havia trabalhado com ele no Catar. Não teve, portanto, relação com o River. Gustavo Grossi, sim, foi contratado pela excelência de seus resultados na Argentina. Passaram por ele os campeões mundiais Montiel, Enzo Fernández e Julián Álvarez, por exemplo.
As demais peças têm relação com o River. Mas, acima de tudo, com Coudet. O técnico trouxe consigo seu ex-companheiro de Núñez Lucho González, com quem jogou no início dos anos 2000. Lucho ajudou na contratação e nas conversas com Alario, seu parceiro de equipe quando voltou ao River, em 2015. Borré foi dupla de Alario, mas não chegou a trabalhar com os outros integrantes da comissão técnica. Ainda assim, falou com Coudet antes de assinar contrato.
Historicamente, Inter e River não têm relações muito próximas. Não que sejam inimigos ou algo assim, nada disso. Só não existe contato mesmo. Antes dos duelos recentes por duas Libertadores, haviam se enfrentado apenas duas vezes, em amistosos, no século passado. Antes de D'Alessandro, o único atleta que havia sido ídolo das duas torcidas foi o volante Salvador, que marcou época em Porto Alegre nos anos 1950 e em Buenos Aires na década seguinte.
D'Alessandro, é claro, muda o cenário. A partir dele, os clubes se aproximam, ao menos em admiração. Afora isso, são poucos pontos em comum. O historiador Raul Pons, dono de um blog sobre o Inter, levanta outro aspecto:
— Além das cores, os dois clubes tiveram grandes esquadrões nos anos 1940, Lá Máquina e o Rolo Compressor.
O jornalista Diego Borinsky, estudioso da história do River Plate, vê algo menos institucional e mais circunstancial:
— No momento, parece que são semelhantes, mas acho que é por Coudet, por seu estilo, de jogar em cima, de pressão, de não ficar esperando ou torcer pelo erro do adversário. Ele é que carrega essa característica dos tempos do Monumental.
Nesse sentido, Borinsky aponta para um "carinho" especial de Coudet com atletas que tenham passado pelo River. Por ser profundo conhecedor do time argentino, sente-se à vontade para indicar reforços que tenham vestido essa camisa.
— É que Coudet viveu muito intensamente seu período no River. Entende a pressão de jogar lá, sabe o que significa. E que alguém que consegue ir bem nesse cenário, pode se dar bem também em outros clubes. Por isso, pede jogadores que saibam suportar isso.
E no caso de Alario e Borré, ainda houve histórias em especial. Coudet, além de tudo, não quer ser mais "machucado" pelos dois.
O técnico colorado sofreu com os dois atacantes. E em partidas importantes ou marcantes em sua carreira. Na final da Copa Argentina de 2016, Alario foi seu carrasco. Coudet treinava o Rosario Central e enfrentou o River no estádio Mario Alberto Kempes. Uma partida eletrizante marcou a decisão, vencida pelo River por 4 a 3. Alario marcou três vezes.
Borré teve situação semelhante. Coudet comandava o Racing na Libertadores de 2018. Na ida, 0 a 0 no Cilindro. Na volta, River 3 a 0, com gol de Borré. No Campeonato Argentino de 2019, a goleada histórica dos Millonarios sobre o Racing por 6 a 1 teve os dois primeiros gols marcados por Borré.
— Ele sabe do talento de ambos. E soube do pior jeito possível — brinca Borinsky, que completa:
— Por isso que digo. Muito parece ter a influência de Coudet. Ele não foi formado no River, mas passou muito tempo aqui e sabe a exigência deste clube. As equipes gaúchas se parecem mais com as argentinas e uruguaias, por isso buscam atletas dessas regiões.
E se inspirar no River Plate não é demérito. O time foi o último não-brasileiro a ser campeão da Libertadores. É uma referência futebolística no país vizinho tanto em organização quanto em conquistas. É dono do maior estádio da América do Sul, que está sempre lotado desde a reabertura. Produz e vende jogadores. Ganha campeonatos. Quanto menor for a distância entre Beira-Rio e Monumental, aparentemente, melhor para o Inter.
Do River ao Inter
Mercado
Jogou no River de 2013 a 2016. Foi campeão argentino (2014), da Libertadores (2015), da Sul-Americana (2014) e da Recopa (2015).
Alario
Jogou no River de 2015 a 2017. Conquistou a Libertadores (2015), a Recopa (2016) e duas vezes a Copa Argentina (2016 e 2017) .
Borré
Jogou no River de 2017 a 2021. Ganhou a Libertadores (2018), a Recopa (2019) e duas Supercopas Argentinas (2017 e 2019) e duas Copas da Argentina (2017 e 2019)
Coudet
Jogou no River entre 2000 e 2004 (com uma temporada de intervalo, emprestado ao Celta). Foi cinco vezes campeão argentino.
Lucho González
Jogou no River entre 2002 e 2005 e depois de 2015 a 2016. Foi bicampeão argentino (2003 e 2004) e conquistou também a Libertadores de 2015.
Gustavo Grossi
Trabalhou no River 2015 e 2020, comandando uma reformulação no processo de formação dos jogadores da base.