Camp Nou, Barcelona, agosto de 1982. Quase 100 mil pessoas se aglomeram nas arquibancadas do estádio para acompanhar a estreia em casa do novo camisa 10 do Barcelona. Diego Maradona, a contratação mais cara da história do futebol, era a estrela do Torneio Joan Gamper. A festa, porém, foi atrapalhada. Há exatos 40 anos, o Inter de Ernesto Guedes, André Luiz, Mauro Galvão, Cléo e Ruben Paz vencia o Barça, superava o Manchester City e era campeão do tradicional campeonato promovido pelo clube catalão. Até hoje, ninguém mais levou o troféu para fora da Europa.
Aliás, a chegada a Porto Alegre foi com festa no aeroporto, com torcida indo ao Salgado Filho receber os campeões. Esse desembarque contrastou com a saída para a Espanha, onde, além do Joan Gamper, o Inter participaria do torneio Teresa Herrera, em La Coruña. A viagem para a Europa se deu após uma má campanha no Brasileirão, no qual o time nem sequer avançou à fase final, e a um começo de Gauchão com derrota para o Grêmio.
Na primeira participação na Espanha, o Estádio Riazor viu duas derrotas coloradas, para Barcelona (ainda sem Maradona), por 1 a 0, e Bayern (4 a 0). Depois, o time gaúcho fez dois amistosos, perdendo para o Elche (2 a 1) e ganhando do Logroñés (3 a 1). O cenário, portanto, era de desconfiança. Os maus resultados motivaram críticas do então presidente Arthur Dallegrave e até uma briga pública, no Sala de Redação, dos ex-dirigentes José Asmuz e Frederico Arnaldo Ballvé.
O temor era de vexame em Barcelona. E a festa estava pronta. Maradona no Camp Nou pela primeira vez, lotação máxima das arquibancadas e expectativa de show. Mas era um Inter diferente, concentrado. E motivado. Especialmente Cléo. Ele havia sido contratado pelo Barça na temporada anterior e não entrou em campo. Por isso, o meia tinha ganas de reencontrar o técnico Udo Lattek, responsável por sua não utilização.
— A participação no Joan Gamper estava até atrelada ao meu empréstimo ao Barcelona. Estava frustrado por não ter jogado, eles tinham sido arrogantes comigo. Por isso foi muito importante para o Inter e para mim — recorda Cléo, que conta um "causo":
— Ernesto Guedes me disse que se eu cumprimentasse Udo Lattek, ele não me colocaria para jogar. Era assim que tratávamos a decepção e a forma como fui tratado.
Cléo foi um dos destaques da partida. O sistema defensivo também funcionou perfeitamente. Os times jogaram de igual para igual, com bola na trave para ambos os os lados. E o 0 a 0 persistiu. Foi necessário decidir nos pênaltis. Os quatro colorados que cobraram (Ruben Paz, André, Ademir e André Luís) converteram. Do Barcelona, só Maradona superou Benítez, que defendeu a batida de Alexanco e viu o poste travar o chute de Quini.
No dia seguinte, os colorados venceram o Manchester City, na final. Os ingleses haviam superado, também nos pênaltis, o Colônia. Mas depois de ganhar do Barcelona, não tinha como perder o troféu. Com três gols no segundo tempo (Edevaldo, Paulo César e Fernando Roberto), o time de Ernesto Guedes fez 3 a 1 e levou o troféu.
— Quando terminou o jogo, Ernesto Guedes, meu conterrâneo de Santana do Livramento, me chamou para ficar ao lado dele, dentro do campo. Vi dali os jogadores do Inter saírem pela pista do estádio e os torcedores se levantarem para aplaudi-los. Foi uma conquista inesquecível, um dos melhores momentos da minha vida como cronista esportivo e como colorado — recorda o jornalista Kenny Braga, o "cronista convidado" pelo Inter para acompanhar a excursão.
O título ajudou o Inter a embalar na temporada. O time tomou forma no Gauchão, deu uma arrancada sólida e, em novembro, conquistou o título graças a duas vitórias em cima do Grêmio, com cinco gols de Geraldão nos dois jogos finais.
A campanha no Joan Gamper
Semifinal: Barcelona 0x0 Inter (nos pênaltis, 4 a 1)
- Barcelona (0): Artola; Gerardo, Migueli, Alexanco, e Julio Alberto; Esteban, Alonso e Victor (Schuster); Quini, Maradona e Carrasco (Marcos). Técnico: Udo Lattek.
- Inter (0): Benítez; Edevaldo, Mauro Pastor, André Luís e Bereta; Mauro Galvão, Ademir, Cléo (Sílvio) e Rubén Paz; Paulo César e Silvinho (André). Técnico: Ernesto Guedes.
- Nos pênaltis: Ruben Paz, André, Ademir e André Luís converteram para o Inter; Maradona converteu para o Barcelona, enquanto Quini e Alexanco desperdiçaram.
Final: Inter 3x1 Manchester City
- Inter (3): Benítez; Edevaldo, Mauro Pastor, André Luís e Mauro Galvão; Ademir, Cléo (Sílvio) e Rubén Paz; Müller (Joãozinho), Paulo César (Fernando Roberto) e Silvinho. Técnico: Ernesto Guedes.
- Manchester City (1): Corrigan, Ranson, McDonald, Tueart e Caton (May); Bond, Reeves e Hartford; Hareide, Cross e Power. Técnico: John Bond.
- Gols: Edevaldo (pênalti), aos 12, Paulo César, aos 15, Fernando Roberto, aos 39, Cross, aos 41 minutos do segundo tempo
É possível voltar a disputar o Joan Gamper?
Até o final dos anos 1990, era comum ver clubes brasileiros disputando os torneios de verão europeus. Na época, o calendário era dividido em dois: metade para o campeonato nacional, metade para o estadual. Por isso, havia brecha para excursões e campeonatos como o Joan Gamper, torneio que reviu o Inter em 1989 e 1991.
— É incrível até hoje saber que nosso time foi até a Espanha e venceu grandes clubes como Barcelona e Manchester City. Quando lembramos que tinha Maradona, mais de 100 mil pessoas e um histórico favorável ao time da casa, a história ganha mais brilho ainda. Tivemos outras conquistas importantes na trajetória colorada. E o Joan Gamper com certeza deixou um grande legado para o Inter — diz o presidente do Inter, Alessandro Barcellos.
A última vez que o Inter esteve em torneio na Europa foi a Copa Audi de 2011, quando ficou em terceiro. Mas e agora? Tem como voltar a ver o Colorado em gramados europeus? Barcellos responde:
— Não é novidade que o calendário está bloqueado para qualquer iniciativa semelhante ao Joan Gamper. A realidade brasileira e sul-americana impede que clubes e federações encaixem outras disputas. Estão sendo discutidos novos pensamentos para a próxima temporada e, hoje em dia, não vejo possibilidades. Teria de haver readequações importantes em nossas competições como um todo. É um excelente intercâmbio com outras culturas do futebol, sem falar na exposição das marcas dos clubes envolvidos. Adoraríamos participar de mais amistosos e torneios na Europa. O problema é o nosso calendário.