A perícia contratada pelo volante Edenilson sustenta que o lateral do Corinthians, Rafael Ramos, ofendeu o atleta do Inter com a palavra "macaco", na partida entre as duas equipes, no último dia 14 de maio, no segundo tempo do empate em 2 a 2 no Beira-Rio. O documento, ao qual a reportagem de GZH teve acesso, diverge das duas perícias apresentadas pelo defensor, que apontam que não houve injúria racial, e da perícia oficial do Instituto-Geral de Perícias (IGP), que alegou não ser possível constatar o que foi dito pelo defensor português.
A perícia encomendada pelo jogador foi analisada pela Polícia Civil antes da conclusão do inquérito, no último dia 13, que definiu pela denúncia do corintiano por injúria racial – o caso agora está com o Ministério Público. O delegado Roberto Sahagoff, titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre, explicou:
— Foi levado em conta a palavra do Edenilson. Segundo a própria jurisprudência, a palavra da vítima se torna muito importante nesses casos. Também havia quatro laudos periciais nesse inquérito, dois apresentados pela defesa do Rafael Ramos, o inconclusivo do IGP e um apresentado pelo advogado do Edenilson. Os dois do Rafael Ramos estavam contraditórios entre si, com versões diferentes do que havia sido dito pelo Rafael Ramos e do que o jogador alegou em seu depoimento — disse a GZH.
O relatório da perícia, assinado pelos peritos Roberto Carlos Meza Niella e Silvio Tavares Ferreira, apresenta uma análise de leitura labial das imagens do jogo e uma comparação com os fonemas pronunciados por Rafael Ramos em depoimento concedido ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Além disso, os peritos apresentam um vídeo com diversos falantes portugueses pronunciando a palavra "macaco", sustentando que a articulação vocal seria a mesma feita pelo lateral na partida.
A perícia cita ainda contradições entre os três depoimentos de Rafael Ramos e as perícias contratadas pela defesa do jogador. Segundo o relatório apresentado pelo volante colorado, o lateral corintiano deu versões diferentes para a polícia, para o árbitro e para o STJD a respeito do que aconteceu. Além disso, o documento sustenta que as duas perícias apresentadas pelos advogados do português são contraditórias entre si.
Por fim, os peritos alegam que, durante o episódio, o goleiro Cássio teria pronunciado para Rafael Ramos as seguintes palavras: "Rafa, assim não". Este trecho é apresentado como um indício de que o lateral teria sido repreendido pelo próprio companheiro de clube por conta do que teria dito.
"Com base nos resultados das análises periciais, expostos no corpo deste parecer técnico, estes peritos concluem, que a palavra pronunciada da boca do jogador Rafael Ramos tratou-se de “MACACO”, pelas razões expostas e fundamentadas; os 02 (dois) pareceres técnicos emitidos e juntados contradizem a versão do jogador Rafael Ramos e são divergentes entre eles", conclui o relatório.
Confira os principais trechos da perícia contratada por Edenilson
1) Análise de leitura labial
Segundo o relatório da perícia, a leitura labial mostra que Rafael Ramos afirmou as palavras "foda-se macaco" para Edenilson. Segundo os peritos, não há qualquer dúvida de que as sílabas "ca” e “co" foram pronunciadas. De acordo com os especialistas, porém, a pronúncia da palavra "m" só poderia ser confundida com outras consoantes específicas, que formariam palavras sem sentido.
"Ressalta-se neste caso que a única letra que poderia ser confundida (...) seria a letra "m" que é uma consoante bilabial nasal. As outras consonantes bilabiais são oclusivas: "p" e "b". Levando essas consoantes para o caso e considerando que alguns sons podem ser confundidos entre si, teríamos: “pacaco” ou “bacaco”, “nacaco”, “sacaco”, “zacaco” Qual seria o sentido?", questiona o relatório.
2) Comparação com as expressões faciais e pronúncias do depoimento de Rafael Ramos ao STJD
Os peritos contratados por Edenilson avaliaram o depoimento de Rafael Ramos ao STJD, que foi gravado em vídeo. Na ocasião, o jogador afirmou que disse as palavras "mano, caralho". Segundo a perícia, as aberturas labiais feitas pelo defensor ao pronunciar a sílaba "ma", no depoimento, apresenta "convergência com a mesma consoante pronunciada durante o jogo".
3) Falantes portugueses pronunciando a palavra "macaco"
A perícia apresenta um vídeo com diversos falantes portugueses pronunciando a palavra "macaco". Segundo os peritos, as mesmas "convergências" são apresentadas em relação à sílaba pronunciada por Rafael Ramos durante a partida, quando ele se dirigiu a Edenilson.
4) Contradições nos depoimentos de Rafael Ramos
A perícia alega que Rafael Ramos deu versões diferentes nas suas três manifestações sobre o tema. Ao árbitro, durante a partida, o lateral alegou ter dito as palavras "foda-se caralho", conforme consta na súmula da partida. Já em depoimento à Polícia Civil, logo após o jogo, o atleta disse que pronunciou as palavras "foda-se, mano, caralho". Por fim, em depoimento ao STJD, o defensor português afirmou que as palavras ditas para Edenilson foram: "mano, caralho".
Por fim, a perícia contratada por Edenilson cita contradições entre as duas perícias apresentadas por Rafael Ramos. Enquanto uma alega que o jogador disse "pô, caralho", a outra atesta que o atleta afirmou "foda-se, mano, caralho".
"As expressões “pô” e “foda-se” surgem de ambos os pareceres técnicos emitidos e juntados pela defesa do Sr. Ramos e contradizem aquilo que foi manifestado pelo próprio jogador no seu depoimento gravado no STJD, pelo árbitro e inclusive são altamente incongruentes entre si. Se comparados ambos as expressões (“pô” e “foda-se”), podemos ver que foneticamente são muito divergentes", sustentam os peritos contratados pelo volante colorado.
5) Fala de Cássio a Rafael Ramos durante o jogo
De acordo com a perícia apresentada por Edenilson, em meio à confusão na partida entre Inter e Corinthians, é possível ver o goleiro Cássio afirmando para Rafael Ramos as palavras, "Rafa, assim não", em um indício de que o lateral estaria sendo repreendido pelo goleiro.
Os peritos contratados por Edenilson são Roberto Carlos Meza Niella, bacharel em Criminalística e Criminologia, e Silvio Tavares Ferreira, surdo oralizado e fluente em leitura labial e graduado em Libras.
Confira o que diz a primeira perícia apresentada por Rafael Ramos
Segundo o relatório apresentado pelos peritos Anderson Marcondes Santana Júnior, Daniela Cristina Silva Lima Ramos Guidugli e Giovana Giroto, e publicado pelo site Meu Timão, o português não proferiu a palavra “macaco” no durante a partida. De acordo com a perícia, o atleta profere a expressão "pô, caralho".
Confira o que diz a segunda perícia apresentada por Rafael Ramos
A segunda perícia, realizada pela empresa The Perfect Forensics, e publicada pela Gazeta Esportiva, concluiu que Rafael Ramos disse as palavras “foda-se, mano, caralho…”. Conforme alegado pelos peritos, a frase dita pelo jogador tem oito sílabas, mais do que as seis sílabas da frase que Edenilson alega ter ouvido.
"(A frase supostamente dita por Rafael Ramos) É mais extensa do que o necessário para articular a expressão pretendida pela suposta vítima, a saber ‘foda-se, macaco’, o que se evidencia não só pela nítida articulação de mais dois vocábulos, mas também pelo fato de um deles ser tônico (‘ɾa.’ de caRAlho)”.
Veja o que fiz a perícia oficial do Instituto-Geral de Perícias (IGP), da Polícia Civil
Segundo nota divulgada pelo IGP, não foi possível identificar o que foi dito por Rafael Ramos por que a maior parte dos gestos que compõem a fala do atleta ocorrem na "porção interna da cavidade oral".
"É tecnicamente inviável localizar todos os vestígios que definem a sequência de consoantes e vogais emitidas. Sobre o pedido de exame pericial de leitura labial, ressalta-se que não foi encontrada metodologia científica, aplicada à análise forense de vídeos, que sustente esse tipo de trabalho. Existem apenas publicações sobre percepção visual da fala e aprendizagem de leitura labial. Por essas razões, é impróprio que a perícia criminal oficial do Estado afirme, com responsabilidade do ponto de vista processual e científico, o que foi proferido pelo jogador na cena questionada", disse um trecho da nota.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, a diretora do Departamento de Criminalística do IGP, Sheila Wendt, comentou o fato de as perícias apresentadas por Edenilson e Rafael Ramos terem apresentado conclusões diferentes da do órgão oficial do Estado.
— Estas pessoas (peritos contratados pelos atletas) não estão utilizando metodologias científicas. Tanto que uma disse uma coisa e a outra disse outra. Se tivesse um método científico, as duas chegariam ao mesmo resultado ou em um percentual de credibilidade daquele resultado. Eles usaram de algum conhecimento que tenham, mas não há uma metodologia que seja consagrada ou aceita internacionalmente para este fim. Para o juiz dar a decisão sobre quem está certo neste caso, ele tem de estar com a certeza. Geralmente, quem desempata é a perícia criminal. Então, temos de ter a responsabilidade de dar um resultado que não possa ser contestado. Se não podemos dar o resultado, a gente se abstém — concluiu.