Estilo de jogo, relacionamento, observação e adaptabilidade. Qualquer dirigente do Inter, quando perguntado sobre as características que procura no treinador para 2022, apresenta alguma resposta que cite esses quatro itens. Mas há outra característica quase nunca mencionada: local de nascimento.
Oficialmente, o discurso é outro. O vice de futebol colorado, Emilio Papaleo Zin, sentenciou:
— Nacionalidade não é critério.
Mas a realidade mostra outra resposta. No Beira-Rio, a preferência é por estrangeiros. E já vem de um bom tempo.
Antes de avançar no tema, precisa-se deixar claro: essa prioridade não vem de agora. Há pelo menos 11 anos, profissionais nascidos além-fronteira são buscados, entrevistados e, algumas vezes, até contratados. Mais recentemente, mesmo que tenha havido problemas, a experiência com Eduardo Coudet deixou mais marcas positivas do que negativas.
Por isso, a aposta atual é em dois estrangeiros. O argentino Eduardo Domínguez, do Colón, e o uruguaio Alexander Medina, do Talleres, são os dois principais alvos. O segundo, aliás, teve reunião virtual com os dirigentes colorados nesta sexta-feira. A conversa foi considerada positiva, mas ainda sem resposta. O presidente do Talleres, Andres Fassi, despistou e disse que o treinador estenderá seu vínculo:
— Já está acertado e seguirá no Talleres.
Domínguez só conversará a partir de domingo. Isso porque no sábado terá a decisão do Torneio dos Campeões, diante do River Plate, no confronto que envolve os dois últimos vencedores das competições nacionais.
Os demais nomes especulados, oferecidos, analisados também são estrangeiros: Sebastian Beccacece, Juan Pizzi, Antonio Oliveira. O único brasileiro citado é Roger Machado. Mas por que essa preferência?
Internamente, a avaliação é de que as diferenças em ritmo de trabalho, forma de atuação, preparação para as partidas, volume de treinos e metodologia pesam em favor dos estrangeiros. Eles chegam sem alguns "vícios" dos profissionais daqui, considerados mais passivos, de relação mais paternal com os atletas. As cobranças são mais duras, e não só de técnico para jogador, mas também sobre os demais integrantes da comissão técnica, da captação de reforços e dos dirigentes.
O sucesso de argentinos e portugueses, por exemplo, fora de seus países mostram essa competência. A Associação Argentina de Futebol (AFA) tem um curso de formação de treinadores bastante conceituado além da América do Sul. Isso ajuda a explicar a posição de profissionais como Diego Simeone e Mauricio Pocchetino. Portugal é outro ponto de forte aprendizado. Vêm de lá as principais publicações acadêmicas e universitárias. Na prática, há lusos no comando de times de ponta em todas as principais ligas. E os últimos três títulos de Libertadores estão nas contas de portugueses (Jorge Jesus e Abel Ferreira).
A dificuldade dos estrangeiros está na peculiaridade do futebol brasileiro. O Inter mesmo se viu diante de alguns problemas enquanto Miguel Ángel Ramírez comandava o futebol. O espanhol implantou práticas comuns na Europa e que encontraram resistência por aqui. Entre elas estava a cartilha de comportamento durante a concentração, como a proibição do uso do celular no horário de almoço, e os treinos mesmo em dias de partidas.
Logo em sua posse, o presidente Alessandro Barcellos foi questionado pela reportagem de GZH sobre esse assunto. Elogiou a capacidade de compreensão de jogo dos estrangeiros, bem como suas metodologias e dedicação ao trabalho. Mas fez questão de frisar a qualidade de brasileiros:
— São escolas diferentes, todas são vencedoras. A escola brasileira tem uma história linda, e agora estão surgindo novos treinadores no país. O fundamental é que os jogadores tenham boas condições físicas, técnicas e táticas para que o aspecto coletivo funcione.
As lições de Coudet, Ramírez e Aguirre são claras. O volume de trabalho estrangeiro precisará ser adaptado à cultura de futebol brasileira. É em busca deste equilíbrio que o Inter entrevista os candidatos a técnico para 2022.