Depois da melhor campanha da equipe em quatro temporadas de Brasileirão Feminino, o Inter encara o Gauchão Feminino como um equalizador das forças dentro de campo, já planejando a próxima temporada. O técnico Maurício Salgado defende o bicampeonato estadual e quer o tri, mas explica que o planejamento do clube consiste em manter o equilíbrio entre as experientes e mais jovens do elenco, de modo que todas possam ser consideradas "cascudas".
Preparando-se para as semifinais contra o Brasil-Far, nos próximos dias 14 e 21 de novembro, Maurício tirou um tempo no final de tarde desta terça-feira (9) pós-treino das Gurias Coloradas para falar com GZH sobre o desempenho do time na primeira fase da competição. Confira a entrevista com o técnico colorado na íntegra:
Como tu avalias o desempenho das Gurias Coloradas na primeira fase do Gauchão?
Dentro do planejamento, estamos satisfeitos. O Inter entrou como favorito à classificação, por todo contexto e estrutura. Em cima disso, planejamos equilibrar a minutagem das jogadoras que tiveram um primeiro semestre muito intenso no Brasileirão, quarta e domingo, precisávamos recuperá-las. Ao mesmo tempo, introduzir as mais novas, porque tivemos uma grande transição com as que subiram da base, e este é um processo que não é tão simples. Então, estes primeiros jogos serviram para classificar, mas, principalmente, qualificar e equilibrar o tempo de todo elenco dentro de campo. Mais do que fazer um grande número de gols, este era o objetivo: ter um time homogêneo.
E para a semifinal, vai seguir esta lógica de dar minutos para todas, priorizando equilíbrio?
Justamente a última partida, contra o Juventude, encerrava este planejamento de recuperar umas e fazer outras jogar. Utilizamos as seis substituições e já estávamos preparando a equipe que viria para a semifinal. A partir de agora a ideia é ir com força máxima. Se as mais novas forem consideradas força máxima, estarão em campo, lógico, mas o foco é total no rendimento, então vamos com a melhor equipe do momento.
Justamente o adversário na semi é o Brasil-Far, única equipe que fez gol no Grêmio no grupo A. Vem de campeonato nacional e é mais organizado que os demais do interior. Qual principal aspecto da equipe vai ter a atenção das Gurias Coloradas dentro de campo?
Temos conversado bastante sobre. O Brasil é um dos times que mais está avalizado para chegar. Tem bagagem de competição nacional, de dois anos na série A-2, e isso por si só já diferencia das outras equipes, dá um lastro maior de competitividade. Analisamos os jogos delas. Contra o Grêmio, principalmente no segundo (vitória gremista por 2 a 0), fez um jogo muito bom, não só se defendeu, teve ações ofensivas. Estamos com atenção máxima para enfrentarmos elas, com muito respeito. Temos de entender os pontos fortes delas, e os que podemos atacar, além de pautar nossas características para fortalecer o que já fizemos bem ao longo da temporada.
Além do Brasil, analisando as outras equipes do Interior, qual principal evolução tu percebes do Gauchão do ano passado para este?
Percebo principalmente no aspecto organizacional. Talvez ainda não tenha vindo a evolução técnica, até por ter mais equipes e menos jogadoras de maior nível reunidas, mas cada clube está mais organizado. Enfrentamos o Juventude, por exemplo, e vemos a dificuldade por serem jovens, mas dentro e fora de campo se vê a proposta clara do que a equipe quer atingir. O Flamengo (de Tenente Portela) a mesma coisa, organizados, jogam com um modelo definido. O ponto positivo é que os times estão se comportado como times. Nos primeiros campeonatos que eu estava aqui (desde 2019), encontrávamos boas jogadoras nas equipes do Interior, mas não eram organizadas como se fossem do mesmo time. Além de organização tática e dinâmica de treino que passaram a acontecer.
Quando falas em organização estás te referindo mais a dentro de campo ou também na estrutura da instituição, desde a logística de viagens e participação dos campeonatos?
As equipes em si. Antes víamos elas se organizando muito perto do campeonato, era uma situação mais amadora no sentido de chamar atletas que jogam bem para representar o time, e não construindo esse time ao longo do tempo. Hoje as equipes treinam, efetivamente. Há um projeto para jogar, isso é legal. Em um primeiro momento, pode até enfraquecer tecnicamente, pois alguma jogadora melhor pode não conseguir participar do projeto tanto quanto uma que ainda vai desenvolver, então vai priorizar a dedicação mais do que a qualidade. O próximo passo é este, cada vez melhorar a fórmula do campeonato para manter os times ativos ao longo do ano, isso vai qualificar tudo. Mas é um processo, depende das cidades abraçarem os clubes e outras coisas.
E a tua equipe, depois de um Brasileirão de campanha histórica, quão melhores estão em relação ao Gauchão do ano passado?
A gente conversa bastante com essa evolução, dizemos sempre que elas não são mais as mesmas jogadoras. Tivemos um ano inteiro de mudanças. Mantivemos alguma base, mas isso já exige que a gente seja um time melhor do que no ano passado. Além disso, há uma evolução das adversárias, pois elas também não estão paradas. Por isso, também, valorizamos muito a nossa campanha no Brasileirão, que foi mais difícil do que no ano passado, sem a parada por conta da pandemia. As equipes se reforçaram muito, em São Paulo houve muito investimento, por exemplo. Este ano a palavra chave do Inter foi superação, porque tivemos lesões que não eram normais de acontecer. Contratamos a Millene, jogadora nível A, e ela nem jogou, machucou na chegada. Perdemos a Isabela, que também é nível seleção, e só voltou agora no final. Fabi, Juliana, várias saíram por lesão por semanas, e as meninas foram se reinventando dentro de campo, mesmo com o calendário apertado. O time está mais cascudo neste sentido, pois superou várias adversidades. Aprendemos com este campeonato, isso torna a equipe melhor.
Cascudas, mas também contando com as meninas mais novas. Mileninha, Mai, Pirscila, gurias com menos de 20 sendo protagonistas no Brasileirão e no Gauchão. Quanto tu apostas nelas para a temporada que vem?
Apostamos muito. O que fazemos desde o início do projeto e fizemos um planejamento a médio prazo, a meta é o equilíbrio. Ter jogadoras experientes, como Benites, Fabi, Rafa Travalão, Djeni, que são altamente competitivas, rendem o que precisamos física e taticamente, e também tem perfil de liderança positiva, que são exemplo para as que chegam. E aí equilibramos isso com o DNA do Inter, o projeto de valorizar a base. O Inter é o clube que mais investe e aposta na base no Brasil, falo com tranquilidade. Isso se justifica, além do sucesso nas competições de base, quando elas sobem e encaixam no time e viram cascudas.
Eu vi pessoalmente, no jogo contra o Elite, no Sesc, Djeni, Fabi e Leidi constantemente conversando com a Mai e a Priscila, que caíram pela direita do ataque com elas naqueles momentos de segundo tempo. Achei muito interessante, pareciam estar se entendendo.
É exatamente isso que a gente busca. Além do desempenho, agregar. O quanto uma jogadora nível A pode tornar uma C em B. Além disso, imagina a experiência da Benites (36 anos) conversando, por exemplo, dentro de campo, com a Isa Haas (20) na dupla de zaga; ela vai ensinar atalhos que eu não ensino, porque ela vive dentro das quatro linhas, sente o jogo de um jeito diferente. Isso é muito legal, porque também depende da outra querer escutar e acho que isso acontece por aqui, é um processo diário.
Outra situação que vi naquele dia na arquibancada foi a Fabi Simões e a Vivi interagindo do banco com a torcida. Muito bem humoradas, jogaram copos de água para os colorados que pediram, receberam, e fizeram uma festa. Quanto essa interação do time com o torcedor muda o jogo para vocês, e principalmente para ti, como técnico?
O futebol feminino ainda tem essa possibilidade de ter o torcedor mais próximo, até também pelo público ser menor por enquanto. Conversamos sobre isso com as jogadoras, a torcida pode ser positiva ou negativa, mas ela precisa existir sempre. Começamos pensando que teve gente que se deslocou até o estádio para te ver jogar, só isso já basta para que exista uma entrega maior em campo. Independente se vier crítica ou elogio, tem que respeitar este torcedor. Eu pessoalmente acho que a torcida ajuda sempre, mesmo que me xingue ou reclame, é a essência do futebol, desde que não passe do limite. E vejo a torcida do Inter fazendo algo que acho muito legal: apoiarem sempre as atletas. Podem até me criticar, criticar a comissão, mas as meninas eles bancam.