Desde que a contratação do treinador Miguel Ángel Ramírez foi encaminhada, no final do ano passado, o jogo de posição passou a fazer parte do vocabulário da imprensa gaúcha e dos torcedores colorados. Neste domingo (14), contra o Ypiranga, pelo Gauchão, foi feita uma primeira amostra do trabalho do espanhol. Apesar de pouquíssimo tempo de treinamento — menos de uma semana —, foram vistas mudanças significativas em relação ao trabalho de Abel Braga. Com 60% de posse de bola e quase o dobro de passes em relação ao rival (440 contra 247), o Inter começou a se adaptar ao novo modelo, que também apresentou novas funções para alguns jogadores.
A primeira delas não chega a ser uma novidade. Volante de origem, Zé Gabriel voltou a aparecer como zagueiro, ao lado de Víctor Cuesta, a exemplo que acontecia com Eduardo Coudet. A maior surpresa, porém, ficou por conta do recuo de Edenilson como um primeiro volante. Posteriormente, o auxiliar Martín Anselmi explicou que a improvisação se deu por conta de problemas físicos de Rodrigo Dourado e Lindoso. Entretanto, não se surpreenda se outros experimentos acontecerem nas próximas rodadas.
— Para exercer o jogo de posição, é preciso de jogadores que entendam o jogo em uma perspectiva mais intencional do que intuitiva, em zonas que são chaves. O volante, por exemplo, pela localização dele, é um organizador da equipe. O camisa 5 passa a ser como um camisa 10 recuado, mais armador do que destruidor. Assim como o zagueiro precisa saber construir. Se atrás eu não tenho capacidade de gerar esse espaço, não vai ser um jogo de posição, mas um jogo de disputa — avalia o gaúcho Gustavo Nabinger, técnico que passou pelas categorias de base de Guarani-SP, Ponte Preta e Figueirense e implementou o jogo de posição nestes clubes.
Embora a filosofia de jogo seja anterior a ele, o espanhol Pep Guardiola é tido como o grande expoente desta ideia. E, ao longo de seus trabalhos, promoveu alterações significativas no posicionamento de alguns jogadores. A mais evidente foi a transformação de volantes em zagueiros: Mascherano, no Barcelona, Javi Martínez, no Bayern de Munique, e Fernandinho, no Manchester City.
— O Mascherano tinha algumas qualidades muito boas para a posição. Era muito rápido e tinha um confronto defensivo muito bom. Para uma equipe que joga montada no adversário, a 40 ou 60 metros do próprio gol, é importante que o zagueiro seja rápido, que seja bom no um contra um. Tanto ele como o Javi Martínez, apesar de terem uma boa qualidade técnica e um bom passe, talvez não tivessem a mesma mobilidade e leitura de jogo que outros jogadores do elenco, como Busquets, que é um salonista, muito bom no espaço curto. O Xabi Alonso também tinha uma leitura absurda — comenta Nabinger.
Outra situação que chama a atenção no trabalho de Guardiola é o recuo de armadores para a função de volante. Situação semelhante foi vivida por Diego Ribas, no Flamengo, e Maicon, no Grêmio, que não atuam no jogo de posição, mas têm a posse de bola como ideia principal.
— O De Bruyne tem feito alguns jogos, não como volante, mas como um camisa 8. O Gundogan também jogou muito como um camisa 5 na temporada passada e agora tem sido o 10. O Kroos, de certa forma, era um meia-atacante e virou volante. E o próprio Busquets, que era meia no Barcelona B — diz Nabinger, citando dois exemplos do Manchester City, para logo em seguida recordar situações experimentadas na Alemanha e Espanha, respectivamente.
Possíveis mudanças no Inter
Diante de tantas explicações e exemplos buscados no Exterior, não é à toa que o Inter tenha se interessado pelo volante Gabriel Neves, do Nacional-URU, que tem maior capacidade de armar o jogo desde trás. Da mesma forma, se explica a busca por um novo zagueiro, com Guzmán Corujo, do Nacional-URU, e Formiliano, do Peñarol, entrando na pauta da direção.
Entretanto, conforme frisa Nabinger, não se pode ser definitivo quanto ao elenco colorado. Apesar de terem atuado grande parte de suas carreiras sob um modelo reativo, que priorizava a defesa ao invés da proposição do jogo, é preciso testá-los antes de tirar conclusões.
— É muito difícil de falar sem trabalhar com o jogador, porque se tem uma impressão do que se viu no jogo, e isso está relacionado ao estímulo que ele teve até agora. Pode ser que ele tenha novos estímulos, tenha recursos e se adapte à posição. E aí falo de Dourado, Moledo e de qualquer jogador. Sempre tem a possibilidade do treinador adaptar o jogador em outra função. Mas pode ser também que ele conclua que o jogador não vá ter uma preponderância na equipe. O Fernandinho, por exemplo, eu não imaginava que seria um camisa 5 do Guardiola. Ele era meia e, no Athletico-PR, chegou a ser ponta. Mas ele aprendeu muito rápido, se adaptou muito bem — finaliza.