Nesta semana, GaúchaZH ouve treinadores que passaram pela dupla Gre-Nal neste século para relembrar histórias de bastidores de suas passagens por Porto Alegre e saber mais sobre a continuidade de suas carreiras.
A época de "vacas magras" foi longa no Beira-Rio. Depois de assistir ao rival empilhar títulos na década de 1990, o Inter entrou nos anos 2000 vivendo uma grave crise financeira, enquanto o Grêmio montava um time de estrelas com uma parceira milionária. A saída encontrada pelos dirigentes colorados foi apostar em um técnico até então desconhecido no cenário do futebol nacional: Zé Mario.
Embora não tenha sido campeão, o treinador permaneceu no cargo por um ano e meio, revelando muitos jogadores da base. Hoje, aos 71 anos, ele recorda em GaúchaZH o período vivido em Porto Alegre, e conta uma passagem frustrada que teve pelo Estádio Olímpico, ainda como atleta.
Você segue trabalhando com futebol?
Eu sou presidente da Federação Brasileira dos treinadores de futebol e também sou o administrador do Centro de Treinamento do Sindicato dos Atletas do Rio de Janeiro. Mas agora está tudo parado por conta desta pandemia. Como treinador, não estou mais atuando, até porque, quando o cara está velho, não serve para mais nada (risos). Gostaria muito de ser coordenador técnico, podendo ajudar treinadores mais jovens a pensar duas vezes naquilo que vão propor para as equipes. Mas não tenho agente e ninguém se emprega sem um agente.
Eu fui surpreendido pelo telefonema de uma pessoa que eu não conhecia, que era o Fernando Miranda (presidente colorado), me convidando para ir conversar no escritório dele. Achei que era trote.
ZÉ MÁRIO
técnico do Inter em 2000 e 2001
Antes de vir para o Inter, você trabalhou no futebol árabe e no Japão. Como veio parar em Porto Alegre em 2000?
Vou ser sincero, eu não gostava de gaúcho depois de uma passagem que tive pelo Grêmio, na época de atleta, em que nem cheguei a jogar. Fizeram uma coisa errada comigo e voltei para o Vasco. Acho que foi em 1979, disseram que fui barrado no exame médico, mas foi outra coisa que nem quero tocar no assunto. Eu ia processar o Grêmio, mas desisti. Joguei mais três anos depois disso. Então, os médicos do Grêmio eram muito bons, ou os dos outros clubes eram muito ruins. Não sei (risos). Fiquei com um sentimento ruim do Rio Grande do Sul, mas quando fui convidado pelo Fernando Miranda (ex-presidente colorado) a ir para o Inter, mudei o que pensava. Fiz amizades aí, principalmente com Elio Carravetta e até com o pessoal da imprensa, que todos diziam que era difícil de trabalhar. Trago o maior carinho por minha passagem pelo Inter. É um pouco diferente, aí é mais rígido, mais profissional mesmo. Gostei bastante.
Você treinou o Inter em uma época muito difícil financeiramente. Como foi?
Foi engraçado. Eu fui surpreendido pelo telefonema de uma pessoa que eu não conhecia, que era o Fernando Miranda, me convidando para ir conversar no escritório dele. Achei que era trote. Só acreditei quando ele me ligou dizendo que tinha as passagens compradas. Ele me disse que o Inter não tinha dinheiro para comprar jogadores e que teríamos de usar todos os jogadores das categorias de base. Em todos clubes que passei, sempre puxei meninos para treinar comigo. Acho que fiz um bom trabalho aí. Promovemos muitos meninos. O Fábio Rochemback, com 16 anos, já treinava com a gente e, em um jogo em Brasília, foi titular. Depois, acabou vendido ao Barcelona.
Na sua época, o Inter teve o João Paulo Medina como dirigente, que fez uma profecia: o clube levaria seis anos para conquistar grandes títulos. De fato, isso aconteceu. Esse processo de reconstrução começou contigo?
Não só comigo, mas com todo o pessoal que trabalhou naquela época. Foi muita gente se doando ao Inter, sem visar a dinheiro. O Medina foi o idealizador, foi quem me indicou por ter me visto trabalhando no mundo árabe. O que ele falou acontece sempre. Ele não disse uma coisa de outro mundo. O Flamengo agora, há bem pouco tempo, fez isso. O presidente foi ameaçado porque não tinha time, mas fez uma coisa bem parecida com o que o Miranda fez no Inter: cortou gastos e fez uma coisa para o futuro. Tudo o que aconteceu no Inter era previsto e vai ser sempre previsto quando os clubes fizerem o mais importante: sanar dívidas. Os clubes são dirigidos por amadores e movimentam um negócio de bilhões de dólares por ano. Então, as coisas têm de mudar.