No final de maio, um turbilhão atingiu o Flamengo. Apesar de ter sido campeão carioca e da Florida Cup, o técnico Abel Braga tinha seu trabalho muito questionado internamente. Ao saber que os dirigentes procuravam um novo treinador para ser anunciado durante a parada para a Copa América, o campeão do Mundo pelo Inter resolveu se antecipar. O pedido de demissão acelerou o acerto com o português Jorge Jesus, que dez dias depois desembarcava no Rio de Janeiro para implementar fortes mudanças na rotina da equipe.
— Os métodos dele são diferentes mesmo. Intensidade na parte física parece ser o diferencial em relação aos treinadores brasileiros. No início, os jogadores sempre comentavam isso. Há quem diga que as recentes lesões musculares são reflexo desse excesso. Abel é um grande treinador. Cada um tem sua filosofia de trabalho e de jogo. São apenas diferentes — analisa o repórter da Rádio Tupi, André Marques.
Apesar de falar a mesma língua, com uma diferença apenas de sotaques, Jesus gerou um choque cultural na Gávea. Tal qual na Europa, os jogadores foram proibidos de mexer nos celulares durante as refeições e as entrevistas foram reduzidas ao longo da semana.
Os treinos fechados passaram a ser costumeiros, apenas com alguns minutos para gravar imagens no início. Durante as atividades, os jogadores ganharam a companhia do treinador nas corridas ao redor do gramado. Com bola, a exigência é de intensidade. Nas pausas, um carrinho de golfe entra em campo, com uma lousa anexada na carroceria, onde peças magnéticas ajudam o técnico a explicar o posicionamento tático do time.
— Representa um dos grandes técnicos do momento. Midiático pelo seu carisma, personalidade, feitio, pelos resultados desportivos e pelo profissionalismo que exige. É habitual ouvir duas coisas dos jogadores que trabalharam com ele: que foi o melhor treinador e o mais exigente — conta a jornalista Irene Palma, do jornal português A Bola.
Tendo iniciado sua carreira na casamata no começo dos anos 1990, não foram poucos os atletas que passaram sob sua batuta. Após uma carreira de jogador com pouco destaque, Jesus alcançou seu auge nos grandes rivais de Lisboa. Em seis temporadas de Benfica, conquistou três Campeonatos Portugueses, uma Taça de Portugal e cinco Taças da Liga, além de ter sido vice-campeão da Liga Europa em duas oportunidades (2013, perdendo para o Chelsea, e 2014, perdendo para o Sevilla). Em três anos de Sporting, ergueu uma Taça da Liga, antes de aceitar proposta do Al Hilal, da Arábia Saudita.
— É um treinador muito aplicado, que estuda o futebol. Foi o melhor que tive na minha carreira. Põe muita intensidade nos treinos para trazer a realidade dos jogos. Não joguei tanto com ele, mas aprendi muito. É um profissional top — comenta o Hernán Barcos, ex-centroavante do Grêmio, que trabalhou com Jesus no Sporting.
No Flamengo, foram apenas 11 jogos, com cinco vitórias, três empates e duas derrotas. Ainda se adaptando às novas metodologias, a equipe oscila. É capaz de decepcionar, como na derrota de 3 a 0 para o Bahia, ou na eliminação da Copa do Brasil, para o Athletico-PR, em pleno Maracanã. Mas também levou torcedores aos céus, seja na goleada de 6 a 1 sobre o Goiás ou na classificação nos pênaltis sobre o Emelec. Mas os dois, clube e treinador, ainda estão se acostumando um ao outro.
— Depois que cheguei aqui, entendi. Na Europa, na minha formação e dos adeptos (torcedores), o principal é ser campeão do país. Aqui, não. Aqui é Libertadores. Depois desta eliminatória (contra o Emelec), eu já percebi. Isso vai me fazer mudar muita coisa — reconheceu Jesus em entrevista recente ao site da Conmebol.