Rafael Sobis está na história do Inter. Para sempre. Talvez nem fosse necessário o fato de ele ser bicampeão da Libertadores com o clube. Na conquista de 2006, a que tirou o Inter de um patamar regional, nacional, e o colocou no mundo, Sobis foi a imagem de um título que parecia intangível para os colorados, ao correr em frente à torcida com uma enorme bandeira colorada nas mãos.
Agora, perto de completar 34 anos, o atacante inicia a sua terceira passagem por Porto Alegre. Disputará a sua quarta Libertadores com o Inter. Sonha dar ao clube o tricampeonato, algo que poderá torná-lo um semideus no Beira-Rio.
Nesta entrevista a GaúchaZH, Sobis fala sobre passado, presente e futuro. Diz que está na hora de o Inter voltar às grandes conquistas, que ainda sente a morte de Fernandão, compara o cenário do time atual com os de 2006 e 2010, comenta ter se surpreendido com o carinho da torcida, mesmo depois de marcar gols e vencer o Inter por Fluminense e Tigres, e promete escrever um livro quando parar de jogar.
Na autobiografia, ele contará entre outras coisas por que deixou o Inter em 2011 e, sobretudo por que aos mexicanos do Tigres jamais poderiam ser campeões da Libertadores em 2015, mesmo eliminando o Inter e jogando a final contra o River Plate.
— Quando eu parar de jogar, tenho que ter outros rumos e estar preparado para isso. Deus queira que longe do futebol. O máximo que vou fazer é chegar aqui de moto para ver o treino — diz Rafael Sobis.
Confira os principais trechos da entrevista:
Você volta ao Inter para disputar a sua oitava Libertadores (a quarta pelo Inter, mais duas com o Fluminense, uma com o Cruzeiro e uma com o Tigres). E o Palestino é o adversário da estreia. O que lhe parece?
Estávamos divididos, vendo Palestino e Talleres. Agora, vamos trabalhar mais a fundo o Palestino. Achei um time muito competitivo, a cara da Libertadores. Eles não se importam em jogar bonito. É um time lutador. Estavam perdendo os dois jogos para o Talleres e deram a volta. A Libertadores é justamente isso.
O Inter tem quaro vitórias consecutivas no Gauchão, mas o desempenho ainda não está bom. O time precisa melhorar?
Sempre precisa. Claro que não estamos no nível que queremos. Eu teria muito medo se estivéssemos goleando todo mundo. Porque cria-se expectativas e não é a realidade do futebol. Estamos tendo muitas adversidades dentro do campo, estamos conseguindo nos adaptar e crescer no jogo, e é mais ou menos isso que vamos encontrar na Libertadores. Estamos cientes do momento e do que vamos enfrentar. Na hora certa o time estará bem. Não adianta estar muito bem antes do momento ideal.
Em 2006 e em 2010 o time voou na hora certa
RAFAEL SOBIS
Atacante do Inter
Em 2006, o Inter perde o Gauchão para o Grêmio e ganha a Libertadores. Em 2010, em meio a uma crise, troca de técnico e ganha a Libertadores. De alguma forma é benéfico se enfrentar um mar mais turbulento para se reinventar em meio à Libertadores?
Em 2006 e em 2010 o time voou na hora certa. Claro que queríamos jogar bem o tempo todo, mas é impossível. Esperamos não ter mais estes acidentes de percurso, pois é muito difícil remar em meio à competição. Mas, nestas duas oportunidades, tivemos uma segunda chance. Uma, tendo o Gauchão como alerta, e perdemos tendo um time melhor, segundo a imprensa. Noutro, trocando de treinador. Talvez não tivéssemos sido campeões sem estes fatos. Mas tomara que agora não tenhamos estes problemas e consigamos o título.
Qual é o potencial que você no atual Inter? É possível se comparar a outras equipes?
Vejo o time de hoje parecido com o de 2006. O de 2010 já tinha jogadores mais consagrados, rodados. O de hoje é mais o de 2006 porque tem muita gente com fome de conquistas, querendo muito ganhar. Isso é essencial. Não podemos vir ao clube apenas para cumprir horário. Estamos em um momento muito importante. No ano passado, ainda era preciso provar. Agora, é a hora de voltar a conquistar títulos. Sinto isso e me deu aquela alegria novamente de estar vivendo estas coisas. Estive no Cruzeiro, e ganhamos tudo. Mas, para os outros, não tínhamos o melhor time. No futebol, o dinheiro não entra em campo. Não somos os favoritos, e isto é bom.
Mas o time de 2006 ainda tinha um combustível extra: a raiva guardada de 2005, não?
Com certeza. Se tivéssemos conquistado o Brasileirão de 2005, não sei se venceríamos a Libertadores, pois já teríamos atingindo o objetivo, a grande conquista que o clube desejava há anos. Há males que vem para o bem. Sei que é difícil para o torcedor entender isto, pois quer ganhar tudo. Mas tinha esta raiva, sim, como tem agora. Porque estão sempre provando o Inter, pelo momento recente. Temos um estádio lindo e um grupo jovem que quer provar, que quer ganhar. Temos um treinador espetacular. Queria ter conhecido o Odair antes. Mas sabemos que tudo funciona com resultado. Vamos nos esforçar para dar um título importante para ele. Odair merece. A direção merece também. Estão fazendo o máximo pelo clube. Tomara que depois na Zero Hora esteja o pôster com a foto de todos nós lá.
E o seu momento? Você veio do Cruzeiro porque queria jogar. Mas não vem jogando muito. Como você está se sentindo e o que está faltando para deslanchar?
Ainda estou em um processo comigo mesmo. Estou cada vez melhor, me readaptando e, na minha carreira, sempre foi assim. Sempre tive paciência, sou um trabalhador, por isto fiz gols em finais. O importante é como acaba o ano, não como ele começa. Sei que quando embalar vou longe. Me conheço bem.
Onde você se sente mais à vontade para jogar agora?
Do meio para a frente, já joguei em todas. Claro que vou jogar melhor em algumas funções. Onde eu jogo depende muito, do companheiro com quem jogo, do rival. Lá atrás, tínhamos 11 titulares que atuavam o ano todo. Agora, há um revezamento grande, é humanamente impossível jogar todas. Quanto mais velho, mais perto do gol. Mas cada jogo é uma história.
E o que falta para você embalar?
Já me sinto superbem. Estou me cuidando, entendo melhor a rotina do clube. Estou muito bem, só preciso readquirir ritmo de jogo.
Como lideranças de vestiário, você e D'Alessandro têm aconselhado os mais novos?
Um conselho bom que a gente dá sempre é para que eles observem quem deu certo e quem deu errado no futebol. Podem falar o que quiserem do D'Alessandro, mas ele é um monstro. Os meninos perguntam: "Como é que ele consegue correr tanto?". Foi porque ele plantou isto desde cedo. Já disse ao Pedro Lucas: "Conversa com o Guerrero, tens um professor aí na frente". Eles têm bons professores aqui, evoluam sempre, conheçam seu corpo, é isto que digo a eles.
E como está o seu relacionamento com o Paolo Guerrero?
Tá legal. Ele tem um estilo mais tímido, mas é superacessível, conversa. Temos um amigo em comum , chef peruano, e com certeza vamos nos reunir. Ele é craque, é um cara que embala a cada treino.
Em 2011 você saiu chateado com a direção do Inter?
Esta pergunta... Quando eu parar de jogar faço um livro e vocês vão entender tudo. Vocês vão entender muita coisa.
No futebol há muita coisa que não pode vazar?
É porque envolve mais pessoas. Daqui a pouco você se encontra com estas pessoas de novo. Quanto menos se escutar, é melhor, porque você mantém o foco. Futebol mexe com paixão, e é preciso entender isto. Há muitas mentiras, e hoje com a internet, todo mundo é corajoso. Não gosto de ver o que me machuca. Não posso estar sempre desmentindo. Mas tudo no tempo certo. Vou fazer um livro. Decidi agora. Porque lá posso falar muita coisa. Posso prejudicar pessoas, e é preciso pensar bem. Tudo no seu tempo. Vou parar de jogar, vai dar dois meses, vou querer fazer alguma coisa, então, vamos incomodar algumas pessoas.
Já sabe quando vai parar? E o que vais fazer?
Está tudo bem pensado, bem encaminhado. As pessoas acham que aos 35 acabou a vida. Pelo contrário. É preciso cuidar do dinheiro e se ocupar, com conhecimento, leitura, conhecer pessoas de outras profissões. Hoje faço tudo, amanhã, paro, e não tenho o que fazer. Tenho que ter rumos e estar preparado para isto. Deus queira que longe do futebol. O máximo que vou fazer é chegar aqui de moto para ver o treino.
Com que idade você começou a treinar com a mentalidade de um jogador?
Eu sempre treinei assim, mas com a idade você começa a entender o corpo. Se eu dormir a essa hora, acordo bem. Se eu tomar isso, vai me fazer mal. Mudei radicalmente a minha vida. Sempre fui muito profissional. Sempre perguntei muito. Paulo Paixão tirava as bolas de campo porque eu queria seguir treinando, mesmo depois do fim do dia. Da minha safra, eu era o pior de todos. Mas trabalhava muito e estou aqui até hoje. Cerveja eu nunca tomei, se tomasse, hoje já teria cortado da minha vida. Por isto jogadores estão durando mais hoje em dia, porque estão mais profissionais.
O que a morte do Fernandão representou para você?
Eu fui muito ligado a ele. Vi a peça dele dias atrás (Um certo capitão Fernando). É linda. Ele era espetacular, me ensinou muito. O que fica é que devemos aproveitar mais as pessoas, porque do nada elas vão. Sentia ele como um pai. Convivia mais com ele do que com minha família.
Você falou sobre resgatar a alegria de jogar. Voltar para o Inter teve a ver com isto?
É que futebol cansa também. E não é jogo, é o extra. É muita gente opinando, é muita gente que não sabe nada. É muita gente no ar-condicionado, com o microfone, achando que tem o poder. E as pessoas escutam. E é complicado ficar toda a hora respondendo, provando. Você para com o futebol, não deixe o futebol parar com você. A pior coisa que existe é você querer jogar e ninguém mais te querer. Estas pessoas sofrem depois. Porque não entenderam que acabou. Voltar para o Inter faz parte de um resgate. Tinha receio, mas voltei e senti um calor impressionante. Muitos dizem que me xingaram muito naquele dia (quando Sobis ajudou o Tigres a eliminar o Inter na semifinal da Libertadores de 2015). Mas estão perdoados.
Você sempre jogou bem contra o Inter, seja por Fluminense, Tigres ou Cruzeiro. Tinha alguma motivação extra?
Não sei. Me dava bem porque conhecia quem estava jogando, talvez por isto. Pelo Tigres, sabia onde irritar. Faz parte do jogo. Agora estou a favor de novo.
O Tigres tinha um time muito bom. Por que não foi campeão (perdeu a final da Libertadores para o River Plate)?
Este é um ponto que estará no meu livro. Quando acabar a entrevista vou poder falar alguma coisa. Esta história é a mais absurda de todas. Fizemos a melhor campanha e decidimos na Argentina. Para a Conmebol não seria legal que o vice fosse representar o continente no Mundial. Para eles, o legal era colocar um mexicano a jogar, mas tomara Deus que não chegue à final. Inverteu o mando... E o mexicano não vai ao Mundial pela Conmebol, vai pela Concacaf. Imagina se o Tigres sai campeão? O buraco é bem mais embaixo. Tanto é assim que os mexicanos depois daquilo pararam de jogar a Libertadores. Deu para entender, né?
Você recebeu outras ofertas antes de assinar com o Inter?
Tive três propostas. E bem melhores que a daqui. Mas elas nem passaram pela minha cabeça. Quando tive a oportunidade, nem pensei em uma segunda opção. Quando houve a chance, sabia que viria para cá.
Você fez parte de um elenco que levou o Inter aos grandes títulos. Agora, volta ao clube de novo para uma reconstrução.
Tomara que eu possa participar disto. Não posso sentar na história que tenho. Me dedico todos os dias para ajudar. Quando voltei, disse que precisamos voltar a ganhar. A afirmação foi ano passado, agora, é para ganhar títulos. Este mesmo time já provou que pode, quando ninguém acreditava que podia. É bom levar umas porradas para criar calo. O clube foi muito machucado em vários setores nos últimos anos, e isso se reflete na falta de títulos. Tomara que acabe este ano.
Esta realidade mudou e, agora, o ciclo vitorioso é do Grêmio. Como você vê isto?
É um time que está encaixado, e é um dos melhores do Brasil, pelo que vem apresentando nos últimos anos. Naquela época, o nosso maior trunfo era não pensar no rival. Quando você começa a pensar que a grama do outro é ais verde, não rende. Quando fomos campeões, foi exatamente assim: fazendo o nosso.
Há alguma gana de reencontrar o River Plate na Libertadores?
É ótimo. Contando mais com a história do Tigres, que eu falei um pouco, é ótimo. Que bom que caiu o River. Vamos tentar fazer da melhor forma porque quando chegar o mata-mata estaremos na melhor forma.
Uma das grandes imagens do antigo Beira-Rio é você carregando a bandeira na final da Libertadores de 2006. Este novo estádio ainda carece um grande titulo, uma grande imagem. Tens condições de repetir?
Talvez o titulo já seja suficiente. Não tenho mais força para carregar a bandeira. E não teria a mesma graça nem o mesmo impacto. Aquilo foi muito natural. Se eu conseguir o terceiro título já será mágico.