Talvez o Inter não conquiste o tetracampeonato brasileiro em 2018. Talvez o título a ser comemorado pela torcida nesta temporada seja uma vaga à fase de grupos da Libertadores. Sair campeão, agora, depende de um tropeço ou dois do clube mais endinheirado do futebol nacional, o Palmeiras, além de uma campanha sem erros até 2 de dezembro. Mas, ainda que Rodrigo Dourado não surja erguendo o troféu do Brasileirão ao final da 38ª rodada, o trabalho de estreia de Odair Hellmann como treinador estará consolidado.
Odair é, sobretudo, um forte. Não apenas por ter deixado a pequena Salete-SC, e os seus sete mil habitantes, ainda guri, para morar na concentração do Beira-Rio com mais de uma centena de garotos, e em condições que hoje seriam consideradas insalubres, ou por ter sobrevivido ao trágico acidente com o ônibus do Brasil de Pelotas – em 15 de janeiro de 2009, quando o veículo caiu em um barranco depois de não vencer uma curva na estrada de Canguçu, o que provocou as mortes do atacante Claudio Milar, do zagueiro Régis e do preparador de goleiros Giovani Guimarães, e foi ajudado a escapar das ferragens pelo goleiro Danrlei, então companheiro de time –, ou mesmo por ter sido atirado às feras de um Inter de 2015 que, sem saber, estava ingressando na pior crise de sua história, levando 5 a 0 no Gre-Nal, em seu primeiro jogo como interino.
Mas o ex-volante do interior catarinense parece ser feito de ferro. Nunca desistiu. Assumiu um Inter que patinava para confirmar a volta para a Primeira Divisão em 2017 e, de lá para cá, recuperou a equipe. Sobreviveu uma vez mais, em maio, ao Gre-Nal na mesma Arena que havia sido goleado três anos antes. E alavancou a mais surpreendente campanha de um time no Brasileirão 2018.
— Odair é uma ótima pessoa, um cara do bem, uma liderança aglutinadora, que cobra dos comandamos com firmeza, mas de forma leve e afável.
O depoimento acima é de Fernando Carvalho. Foi o ex-presidente do Inter, enquanto ocupava o cargo de vice de futebol, em 2009, quem contratou o ex-volante para ser observador das categorias de base. Aos 32 anos, e depois de seis meses se recuperando de uma lesão na coluna, herança da tragédia de Canguçu, a carreira de jogador havia se encerrado. Odair, então, via as suas economias chegando dramaticamente ao fim, e procurou Carvalho para pedir trabalho.
Direto, Odair confidenciou a Carvalho que desejava se preparar para ser treinador até os 39 anos de idade. Tinha um longo caminho de prática e de estudos pela frente.
— Ele se preparou muito, fazendo cursos de adequação, Odair tem a terminologia do futebol, aliada à prática pela sua experiência de jogador e de auxiliar técnico. Os seus treinamentos têm relação de causa e de efeito, com situações de jogo, e com o que os atletas querem desenvolver. Isso gera confiança dos comandamos no comandante, e faz crescer o desempenho global do time — comenta Fernando Carvalho.
O presidente campeão do mundo com o Inter ainda entende que o DNA colorado de Odair Hellmann está mais para "Ênio Andrade" do que para "Abel Braga".
— Pela simplicidade das atitudes, o Odair é mais o Ênio — diz Carvalho.
Substituiu Guto Ferreira em 2017 e, ainda interino, empatou com o Oeste, venceu Goiás e Guarani. Devolveu o Inter à Primeira Divisão. Com uma margem de erro de apenas dois anos, o Projeto Hellmann estava consolidado. Dois meses antes de cumprir 41 anos foi efetivado técnico do Inter.
É bem verdade que os resultados demoraram a surgir. O Inter em construção perdeu dois Gre-Nais seguidos, venceu o terceiro, mas já era tarde, e a eliminação nas quartas de final do Gauchão só não virou uma crise maior porque o time de Renato Portaluppi era indiscutivelmente superior.
Antes de "virar treinador", Odair foi auxiliar de Dunga, de Abel Braga, de Diego Aguirre, de Argel Fucks, de Celso Roth, além de integrar as comissões técnicas nos tempos de Falcão, Lisca, Antônio Carlos Zago e de Guto Ferreira. Mas foi como auxiliar de Rogério Micale, na seleção olímpica medalha de ouro nos Jogos de 2016, que Odair conviveu com nomes como Neymar, Gabriel Jesus, Renato Augusto, além de Zeca, Luan, e dos "pratas da casa" do Inter, o atual capitão Rodrigo Dourado e o lateral-direito William. Em dezembro, já efetivado pelo Inter, Odair passou oito dias acompanhando o sistema de treinos do PSG, a convite de Neymar. Depois, ainda antes do Natal, concluiu o curso de treinadores da CBF.
— Busquei muitas informações com Odair, quando o convoquei para a seleção olímpica - recorda o treinador campeão olímpico Rogério Micale, atualmente no Figueirense. — Não é fácil ter um auxiliar sem cumplicidade. Tudo aquilo que haviam me informado em relação a ele, de entendimento de jogo, capacidade de treinamentos, foi muito bom. E ele confirmou isso durante a competição. Odair tem um carisma muito grande com os atletas, mas também não é só isso. Tem controle de treinamentos, leitura de jogo. Foi uma excelente escolha à época e se revelou um excelente técnico. Torço muito por ele — acrescenta Micale.
Ainda que a direção colorada não fale publicamente sobre a renovação de contrato de Odair para 2019, é difícil imaginar este Inter sem o seu idealizador. Para o comentarista dos canais Sportv Sérgio Xavier, o estilo Hellmann já conquistou o seu espaço na temporada nacional.
— Odair é disparado o treinador revelação de 2018 - diz Xavier. — Independente do que aconteça a partir de agora, ele consolidou um bom trabalho no Inter — completa o comentarista.
Para Sérgio Xavier, o treinador colorado montou um time ousado e com diversas opções de jogo em meio ao Brasileirão.
— O 0 a 0 no Gre-Nal da Arena foi marcante. Odair fechou o time, colocou Zeca no meio-campo, fez o possível naquele momento. Depois, o time começou a crescer. Logo em seguida, a vitória sobre o Corinthians foi de uma equipe organizada, e que mereceu virar o jogo. Já na virada sobre o São Paulo, Odair parece ter reinventado o time na reta final do Brasileirão, colocando o D'Alessandro quase como um segundo volante, ainda que talvez isso tenha sido uma exceção. Mas isso é ousadia — afirma o comentarista.
A vida de Odair Hellmann já deu muitas voltas. Poderá dar mais uma guinada caso conduza o Inter ao título nacional. Para isso, restam nove batalhas e algumas secadas ao Palmeiras. O primeiro desafio será neste fim de semana, quando a equipe de Felipão receberá, neste domingo, o Ceará de Lisca. O segundo, nesta segunda-feira, quando o Inter de Odair enfrentará o Santos no Beira-Rio.
Os números de Odair Hellmann no Inter
Total (interino e efetivado)
- 54 jogos
- 30 vitórias
- 13 empates
- 11 derrotas
- 73 gols marcados
- 39 gols sofridos
- 63,5% de aproveitamento
Os jogos como interno
- Grêmio 5x0 Inter (Brasileirão de 2015)
- Inter 1x0 Fluminense (Brasileirão de 2015)
- Inter 2x1 Palmeiras (Copa do Brasil de 2017)
- Oeste 0x0 Inter (Série B de 2017)
- Goiás 0x2 Inter (Série B de 2017)
- Inter 2x0 Guarani (Série B de 2017)
Odair treinador efetivado do Inter
- 48 jogos
- 26 vitórias
- 12 empates
- 10 derrotas
- 66 gols marcados
- 33 gols sofridos
- 62,5% de aproveitamento