A história de Roger vai bem além do gramado e dos gols. O atacante de 33 anos, contratado pelo Inter no início desta temporada por seu talento e sua história, entende que em dois ou três anos será a hora de parar de jogar e de erguer uma bandeira, lutar por uma causa. O centroavante espera que os seus gols o deixem no Beira-Rio até o fim da carreira. Depois, pretende voltar para a sua cidade natal, Campinas, e se candidatar a vereador.
Pai de Giulia, 12 anos, e que aos três meses de vida começou a perder a visão devido à displasia septo-óptica – uma enfermidade rara, gerada a partir de uma má formação da linha média do sistema nervoso central –, ele tem em casa um exemplo das dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiências no Brasil.
– A minha ideia é ir para a política. Nunca falei isso tão a sério. Tenho amadurecido esse projeto e lido muitas coisas sobre o tema. A minha bandeira será a da inclusão social. O Brasil não cumpre as suas leis, as pessoas têm sido esquecidas. É bem diferente ser filha de um jogador de futebol, com condições financeiras, e ser uma criança que mora numa comunidade simples. Como uma criança assim vive? Em que condições? Quero levantar essa bandeira para que as pessoas tenham acesso real. O deficiente precisa de auxílio, não que tenham pena dele. Ele precisa ter condições para se capacitar, para conseguir ser um médico, um advogado, ter a profissão que sonhar — afirma Roger.
Em junho de 2017, o Esporte Espetacular produziu uma matéria com Roger e Giulia. O narrador da Rede Globo Luis Roberto entregou a ela um quadro em alto relevo com três momentos do gol do atacante sobre o Sport, que classificou o Botafogo na Copa do Brasil, para que Giulia pudesse "ver" o gol através do tato. Foi comovente e transformou Giulia em uma celebridade do futebol brasileiro.
— Tudo o que aconteceu no ano passado com a Giulia foi especial. Eu nunca a expus, nunca gostei de mostrar a deficiência da Giulia porque no futebol há pessoas boas e ruins. Aqui, em Porto Alegre, ela está superbem, está estudando no Instituto Santa Luzia (no bairro Cavalhada, uma entidade há anos dedicada ao ensino de pessoas cegas), um colégio que a abraçou, e está muito feliz. O Nicolas (o caçula, de 10 anos) estuda em outra escola e também está muito feliz — conta o atacante.
Roger levou Giulia apenas uma vez ao Beira-Rio. E ela adorou. Pediu para voltar mais vezes.
— Ela foi ao Beira-Rio na nossa vitória sobre o Juventude. Ficou em um dos camarotes, adorou o ambiente do estádio. Por ter uma sensibilidade auditiva muito grande, ela não gosta de rojões, tem medo do barulho. E me disse: "Pai, aqui no Inter não tem rojões". Ela amou. E se sentiu superquerida pela torcida, acarinhada, tenho muito a agradecer aos colorados — comenta o jogador.
Chamado de "Rei dos Clássicos" no Rio, devido aos cinco gols que marcou pelo Botafogo contra Fluminense (dois gols), contra o Vasco (outros dois) e sobre o Flamengo (um), Roger aguarda com alguma ansiedade o próximo domingo. Viverá o primeiro Gre-Nal de sua vida.
— Sei que o Gre-Nal é um jogo que mexe com todo mundo, mexe com a cidade. Talvez seja o grande jogo do primeiro semestre, clássico sempre traz alguma consequência para quem ganha e para quem perde. Mas antes temos o Cruzeiro, e o jogo vale os mesmos três pontos – diz.
O centroavante prevê, inclusive, que o Gre-Nal seja o jogo em que comece a chegar perto dos 100% de sua forma física. O tempo condiziria com aquele que programou como o ideal para se recuperar do maior drama da vida, o tumor, benigno, em seu rim direito. Seis meses, segundo ele, seriam suficientes para conseguir retomar a forma física depois do coquetel de remédios que precisou tomar para se curar.
— No dia, foi assustador. Você senta na frente do médico e ouve essa palavra (tumor). Fere muito. Cheguei a pensar: "onde foi que eu errei?". Mas sou um cara de muita fé, sabia que se Deus me deu esse fardo para carregar e superar era porque conseguiria. Logo depois me tranquilizaram, disseram que era mais simples, que era possível remover e viver normalmente. Só para a vida de atleta é que o processo ia machucar a parte física. Mas estou me recuperando — recorda.
Ele prevê estar em um ritmo melhor nas próximas semanas. E, assim, subir em seu próprio conceito: o Roger analista dá nota 6 para o Roger centroavante. Ficou até 4h30min revendo o jogo com o Cianorte, para analisar qual decisão equivocada tomou que o fez sair de campo sem fazer gol. Além da autocrítica, precisará ganhar mais sequência, mais ritmo. Mas sem desrespeitar os titulares. E sem parecer "conformado com a reserva". A oportunidade veio porque, para usar suas palavras, "infelizmente, Damião se lesionou, e ninguém torce por isso". Mas acontece, e é necessário estar pronto.
No clube que o abrigou depois de receber a mais dura das notícias, esbanja gratidão e otimismo. Vê o Inter em franco processo de recuperação depois da queda à Série B. Mesmo sendo um dos recém-subidos, garante que a qualidade do grupo de jogadores é suficiente para alçar voos mais altos, de repente até buscar vaga na Libertadores.
Reconhece que, para ser campeão, ainda falta. Vê em Flamengo e Palmeiras, com mais poder financeiro, adversários mais prontos. Vê, do outro lado, na Copa do Brasil, a oportunidade para crescer. Quer logo enfrentar o Cianorte, passar adiante, seguir jogando e chegar às oitavas de final, quando o torneio afunila e vira briga de cachorro grande. E busca incessantemente o troféu do Gauchão. Conforme o centroavante, só fica na história quem conquista títulos.
Roger aprendeu a levar a vida mais tranquilamente. Se o tumor lhe tirou um pouco da força e lhe obriga a correr atrás para se recuperar, o susto ensinou muito mais:
— Quatro meses atrás eu estava numa mesa de cirurgia. Hoje jogo no Inter. Quer coisa melhor do que isso? Porrada da vida tomamos sempre, temos que saber lidar. Os momentos difíceis vêm e vão. Temos que saber aproveitar e agradecer por estar vivo.