A trajetória de 30 anos do técnico do Inter até a final deste domingo, no Centenário, pode ser resumida no título que encabeça esta reportagem: de Tonhão a Antônio Carlos Zago. É evidente, muita água rolou sob esta ponte que liga o guri espigado de 17 anos dos juniores do Ubiratan-MS, ao técnico que está a 90 minutos de conquistar seu primeiro título na casamata (convenhamos, a Recopa Gaúcha não conta).
Zago é de Presidente Prudente, interior de São Paulo. Mas a necessidade levou ele, filho único, e os pais para Dourados, no sul do Mato Grosso do Sul e a 440 quilômetros. Lá, havia trabalho. Um tio era proprietário de um sacolão de frutas e verduras e os acolheu. O guri, então com 16 anos, começou a forcejar como ajudante no depósito. Carregava caixotes de frutas, de batata, paleteava sacos de cebola. Nas horas vagas, participava de peladas com os amigos. Principalmente nas quadras de futebol de salão.
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Antes de rumar para o Centro-Oeste com a família, Zago havia tentado a sorte nas categorias de base de clubes como Ponte Preta, Guarani e Corinthians. Não descolou uma vaga e deixou de lado a ideia de ser jogador. Mas os amigos viam nele potencial para arriscar mais uma vez. Nas peladas, ele sobrava. Um dirigente do Ubiratan percebeu o mesmo e mandou um recado para o tio:
– Leva o Tonhão para treinar conosco.
Em um primeiro momento, o Tonhão resistiu. Mas acabou convencido pelos amigos. O Ubiratan não contava com 22 jogadores para fazer um treino coletivo, e o guri caiu como uma luva. Zago era segundo volante, daqueles de aparecer na área para arrematar. Fazia gols e chamava a atenção pela técnica e pela estatura, 1m86cm. Acabou como titular do Ubiratan na campanha do vice estadual de 1988. O jogo é até hoje lembrado no Mato Grosso do Sul. O Estádio Pedro Pedrossian teve renda de 3,5 milhões de cruzados (R$ 263 mil) e recebeu 25 mil pessoas. Entre elas estava Pupo Gimenez. Ele havia sido enviado pelo São Paulo para observar o volante Tonhão.
O São Paulo mantinha os olhos sempre atentos ao futebol do Mato Grosso do Sul. Na metade da década havia buscado lá Müller, revelação do Operário. Pupo Gimenez, reconhecido olheiro no interior paulista, aprovou o tal Tonhão. O São Paulo não economizou. Em troca da promessa de volante, mandou para Dourados os zagueiros Cícero e Zózimo, o lateral-esquerdo Correia e os centroavante Andrade e Freitas, mais uma quantia em dinheiro. Para o Ubiratan foi um negócio da China. Com o dinheiro e esses jogadores montou a base do time campeão estadual em 1990. Para o São Paulo, a transação foi lucrativa, mas demorou um pouco mais a dar resultado.
Ao chegar ao Morumbi, logo Tonhão virou Antônio Carlos. Mas o que o desgostou foi a falta de oportunidades com o técnico Cilinho no expressinho, time de transição entre a base e o profissional. Não demorou muito a tomar o caminho de volta para Dourados. O empresário Cláudio Andreatta, amigo de Zago desde a adolescência, se lembra da dificuldade em convencê-lo a voltar. Foram quase 20 dias e a mesma conversa:
– Tonhão, vamos voltar para lá.
– Não vou voltar, não.
Mas o São Paulo fazia bem para o ego do guri. O jornalista José Carlos Munarin, na época, administrava uma pizzaria no centro de Dourados. Recorda-se de ver Zago passar diante dela orgulhoso com o abrigo do clube em meio aos amigos. Na volta ao São Paulo, sua vida mudou em questão de semanas. Zé Teodoro se machucou. O reserva imediato também. O uruguaio Pablo Forlán, técnico na época e lateral-direito dos bons nos ano 70, buscou Zago no Expressinho. Fez do volante um lateral.
A partir dali, ele não saiu mais do grupo principal. Forlán caiu. Para o seu lugar, chegou Telê Santana. Ricardo Rocha se machucou, e Telê escalou Zago como zagueiro. Deu tão certo que, quando Rocha voltou, o São Paulo passou a atuar com três zagueiros – Ronaldão completava o trio. Zago conquistou o Brasileirão em 1991 e a Libertadores no ano seguinte. Não ficou para o Mundial. Acabou no Albacete, da Espanha. A partir dali, empilhou títulos por Palmeiras e Corinthians. Esteve na Seleção Brasileira e acabou alijado de Felipão do grupo do Penta em 2001. Na época, era titular da Roma e havia ajudado o clube a ganhar seu último scudetto. Em 2002, Zago foi jogar no Besiktas. Entrou para a história do clube turco ao ajudá-lo a conquistar o título nacional em seu centenário.
A carreira de jogador se encerrou no Santos, em 2007. No ano seguinte, aceitou o convite do amigo Andrés Sanchez e assumiu como gerente de futebol do Corinthians. Ajudou a montar o grupo que tirou o clube da Série B.
A gestão, no entanto, não completava Zago. Em 2008, foi negociar a contratação de Douglas com Nairo Ferreira, amigo de longa data e presidente do São Caetano. Enquanto tratavam dos moldes da transação, confidenciou a Ferreira:
– Tenho intenção de deixar de ser gerente.
Zago deixou o Corinthians em 2009, após diferenças com Mano Menezes e Ronaldo Fenômeno. O episódio em que foi visto numa boate de Presidente Prudente com os jogadores do Corinthians, após um churrasco em sua casa, catalisou sua queda. Com o São Caetano cambaleando na Série B, Nairo buscava um técnico novo. Havia pensado até no comentarista Casagrande. Mas lembrou-se da conversa com Zago. A conversa ao telefone foi rápida:
– Ô, Antônio Carlos, quer vir dirigir o São Caetano?
– Pô, seria o maior prazer.
– Vamos lá, então.
O São Caetano deixou a borda do Z-4 e quase entrou no G-4. Zago começou 2010 em alta. Depois de um 4 a 1 no Palmeiras no Parque Antárctica, seu telefone tocou. A goleada havia derrubado Muricy Ramalho e aberto a porta para ele assumir o Palmeiras. Foram três meses apenas. Depois vieram Barueri, Mogi Mirim e Vila Nova-GO. Em 2013, desgastado, resolveu voltar à Roma. O checo Zdenek Zeman, seu primeiro técnico no clube italiano, o convidou para ser auxiliar. No segundo semestre, seguiu para a Ucrânia, para auxiliar o romeno Mircea Lucescu. Os dois anos na Europa permitiram estudar e se aperfeiçoar.
Zago voltou ao Brasil no Juventude, em 2015. No ano passado, levou o time ao acesso à Série B, às quartas da Copa do Brasil e bateu na trave no Gauchão, ao perder a final para o Inter. Neste domingo, na Caxias em que escolheu para viver e onde recém nasceu Domenico, seu quarto filho, a taça está a apenas 90 minutos de sua mão e de fazê-lo, finalmente, completar a trajetória de Tonhão até Antônio Carlos Zago.
*ZHESPORTES