O telefone de Uendel, de 28 anos, vai tocar a qualquer momento com a mensagem que espera há nove meses. Katleen, sua mulher, está grávida de Bella, a primeira filha do casal. O lateral-esquerdo do Inter aguarda ansiosamente para dar uma neta ao pai, Osni, e à mãe, Dilséia, todos colorados do sul de Santa Catarina que se encantaram com o filho vestindo a camisa do clube de coração. Mas, nesta conversa com Zero Hora, Uendel se revelou um jogador diferente do boleiro habitual, com um profundo conhecimento de tática, ausente das redes sociais e leitor frequente. Mesmo que agora esteja restrito aos livros de bebê.
– Hoje mudou a lua, minha vó disse que é um sinal bom.
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Contra o Caxias, você está indo para o quarto jogo seguido. Como está fisicamente?
Estou bem. Nossa recuperação está boa após os jogos. Agora fica a cargo do Zago e do Pacheco. Com a chegada do Carlinhos vai facilitar também para rodar o grupo, se precisar.
Tite e Cléber Xavier elogiaram a sua regularidade no Corinthians. No Inter, você parece ter se adaptado rapidamente também e vem mostrando essa regularidade.
Achei muito rápida a adaptação também. Sofri um pouco na primeira semana, com o estilo diferente dos treinos. Quando começaram os jogos, pensei que iria sofrer mais, mas foi uma adaptação muito rápida. O Tite sempre dizia isso, que gostava mais do cara nota 6, nota 7, que fosse confiável, do que um que fosse nota 10 em uma partida e nota 3 na outra. Um lateral não pode estar toda a hora lá em cima, tentando fazer o gol. Tem que ter equilíbrio, que é o que eu procuro fazer.
O que faz um lateral ser nota 10 ou nota 7?
Acho que está mudando a visão que as pessoas têm do lateral. Não é aquela coisa de ir quatro, cinco vezes à linha de fundo, mas apoiar o ataque e cuidar do seu marcador. O lateral não pode ser a figura central de um time. Ele é um apoio. É um zagueiro pelo lado. E tem aquele duelo particular com o ponta. Se o ponta te driblar na primeira jogada, aí terá problemas o jogo todo. É preciso não deixar o adversário pegar confiança no começo do jogo. Se na primeira bola o cara não me acompanhar, sei que terei facilidades. O lateral nota 10 é o cara que consegue ter esse equilíbrio entre atacar e defender.
Se nasce lateral-esquerdo?
Sempre fui atacante na escola. Mas quando chegou a chance de um teste no Criciúma, aos 14 anos, havia 50 atacantes e 40 caras inscritos para o teste. E dois laterais-esquerdos. Na hora pensei: "Vou tentar a lateral". Talvez por insegurança, porque já tinha muita gente para o ataque. E deu certo. Passei no teste e talvez não tivesse dado certo se eu fosse como atacante ou como meia.
Curiosamente, contra o Fluminense, você jogou no meio-campo no segundo tempo, depois que Carlinhos entrou como lateral. Está pronto para jogar como meia?
Em todos os clubes que passei, fui meia, em algum momento. Ou volante. Não é um sacrifício jogar nessas funções. É claro que é diferente. O lateral pega o jogo sempre de frente e tem a linha do meio-campo para ajudar na localização.
Agrada a você entender o jogo, falar sobre tática?
Gosto bastante de futebol em geral, de acompanhar, de assistir. Vejo muito a Premier League (o Campeonato Inglês), vejo jogos o tempo todo na TV, afinal, jogar futebol é a única coisa que sei fazer. Tenho gostado muito de ver o Chelsea, que é um time muito bem organizado, jogando com três zagueiros, com alas. Barcelona, Real Madrid, Bayern e Arsenal, vejo o tempo todo. Até os VTs que passam à noite. Nunca é demais ver os outros.
Na sua apresentação, você fez questão de dizer que a decisão de jogar no Inter não foi apenas pela oferta salarial. O que o motivou a aceitar esse desafio, afinal?
Foi por uma série de coisas, mas não foi uma decisão fácil. Tinha mais dois anos de contrato no Corinthians, era titular e um dos capitães. Chegou uma proposta antes da do Inter e nem quis conversar. No dia 16 de dezembro chegou uma mensagem do Inter. Disse a meu empresário que o Inter "mexe com o coração". Falei com o Corinthians e me permitiram abrir negociações com o Inter. Conversei com o Roberto (Melo, vice de futebol) e com o Jorge (Macedo, gerente executivo) em Gramado, em 26 de dezembro, onde eu estava com a minha esposa. O salário ficou quase o mesmo, e a vantagem foi ter um contrato por três anos. Pesou a proximidade com a minha família, todos serem colorados, o fato de a minha filha estar por nascer, enfim, uma série de fatores.
A família está feliz com a sua decisão de jogar no Inter?
Estão muito felizes, contentes pela proximidade de Porto Alegre com Sombrio, apenas duas horas de viagem. Já até vieram em um jogo no Beira-Rio. É bem verdade que não deram muita sorte, contra o Novo Hamburgo (risos). Toda a minha família é colorada, pais, tios, primos, esposa. Se bem que minha mãe é mais Uendel, ela não é muito de futebol. Sempre pensei que seria muito bacana poder jogar no Inter. Em Sombrio, o pessoal é Inter ou Grêmio. Cresci nesse mundo, nessa cultura gaúcha. Fiquei até os 14 anos lá, depois, comecei no futebol, passei em um teste do Criciúma.
Historicamente a lateral esquerda do Inter foi um problemão ou teve craques, como Jorge Wagner e Kleber. Depois, todos os que passaram foram contestados. Esse tipo de pressão chega a você?
Não tenho rede social, né? Então chega menos informação, mas não sou alienado. Sei o que acontece no clube. A pressão existe sempre na carreira do jogador. Alguns se abatem, outros suportam.
Por que não você não tem conta em redes sociais?
Nunca fui fã. Até tive Instagram uma época, mas eu perdia muito tempo escolhendo e vendo foto. Começava a mexer e, sem perceber, ficava meia hora sem fazer nada, não me acrescentava nada, não trazia nenhum benefício.
E o que faz para passar o tempo numa concentração por exemplo?
Na concentração, assisto a jogos. O que estiver passando, mesmo. E gosto de ler.
O que está lendo?
Agora, só livro para neném (risos). Aqueles que ensinam o bebê a dormir. Mas o que gosto é autobiografia e histórias autorais.
Por exemplo?
Li há pouco um do (Alex) Ferguson (histórico técnico do Manchester United), que se chamava Liderança.
Leu a do Tite?
Não li ainda. É da Camila Mattoso, né? Quero ler, mas o que prefiro é quando o próprio protagonista escreve.
Você foge do perfil do boleiro atual, que fica na rede social. Você vai por um caminho de leitura, interesse tático... Veio de casa isso, a educação?
Meu pai estudou até a 4ª série, foi pedreiro. Minha mãe também, fez até a 4ª série, cuidava da casa e ajudava meu pai nas obras.
E você?
Estudei até completar o Ensino Médio. Mas tem uma história: quando estava nos juvenis do Criciúma, o técnico da época, Hériton Sandrini, o Babu, me deu um livro chamado Cestas Sagradas, do Phil Jackson. Até lá eu não tinha muito o hábito de ler. Me emprestou, e dois dias depois devolvi para ele. "Ué, não gostou?", perguntou. Aí expliquei que tinha gostado muito e acabado. Virou meu livro de cabeceira, porque fala muito em trabalho de equipe, em como transformou aquelas estrelas do Chicago Bulls em um time de verdade. A frase, inclusive, me marcou: "O não egoísmo é a alma do trabalho de equipe". Foi dali em diante que criei o hábito, comecei a ler. Não me considero um grande devorador de livros, mas gosto. Até porque na concentração temos muito tempo ocioso. A gente não faz nada na concentração. Vai para lá e fica, cada um no seu quarto, no seu tablet, hoje em dia. Na época do Criciúma, até tinha um carteado. Mas hoje o celular deixa a pessoa no próprio mundo, na verdade abre o mundo. Então fica muito tempo parado, daí pego um livro, leio uma hora, meia hora por dia, antes de dormir.
Se vê que gosta de ler, estudar, ver futebol. Dá para ver que quer ter isso para o resto da vida, né?
Não pensei nisso ainda mais tempo. Mas o caminho vai me levar para algo ligado ao futebol, é o que sei fazer. Acho que se não fosse o futebol, iria estudar para ser engenheiro. Como meu pai trabalhava na obra, acabei gostando bastante daquilo.
Chegou a trabalhar com ele?
Sim. Mas o que trabalhei, na verdade, era ajudando, como servente. Carregava massa, ajudava. Ele era autônomo e me levava. Até no dia do teste do Criciúma, trabalhei de manhã e fui fazer o teste à tarde. Daí olhava para a obra e ficava pensando nela. Acho que era por isso a engenharia. Mas gosto mesmo é de futebol.
*ZHESPORTES