O matemático e ensaísta Nassim Taleb introduziu o conceito de Cisne Negro para falar de acontecimentos inesperados, bons ou ruins, altamente improváveis e que dividem a história, como o 11 de setembro. Ele alude ao fato de que a ciência europeia tinha certeza de que 100% dos cisnes eram brancos. Até serem descobertos na Austrália os impensáveis cisnes negros. Usa a ideia para eventos que teimosamente não admitimos sua possibilidade. Especialmente quando geram caos, negamos.
Taleb forjou o conceito sofrendo na pele. Sendo libanês, viu seu país vir abaixo por uma guerra civil, depois de um milênio de convivência pacífica entre várias etnias e religiões. Entre as infâmias do século 20, o capítulo da destruição do Líbano é destaque. Depois, trabalhando no mercado financeiro, viveu a quebra de 1987. Essa crise parecia um capricho dos deuses, nenhum sinal apitou o desastre. Segundo ele, nosso cérebro não computa o aleatório. Pensamos com base na repetição, nas tendências. Por anseio de controlar e adivinhar o fluxo da história desprezamos o imprevisível.
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O Internacional, meu time, esbarrou no Cisne Negro. A incredulidade ainda está no ar, ir para a Segunda Divisão não deveria acontecer. Estávamos tensos, mas ligados a máximas falaciosas do tipo: time grande não cai. Como se equipes grandes, a começar pelo Grêmio aqui ao lado, já não tivessem caído. Fomos tomados pelo pensamento mágico e arrogante, o peso da nossa camiseta não nos deixaria cair. A razão foi substituída pela mística: sempre escapamos e assim seria outra vez.
Porém não é à torcida, à sua espera de milagres, que devemos creditar a culpa. A direção não escutava ninguém, fez uma sucessão impressionante de erros, colecionou absurdos estratégicos e só chamou os bombeiros quando já era tarde. A torcida é o que esse time tem de melhor. Fizemos a nossa parte, fomos ao estádio, éramos milhares de formigas empurrando um elefante desengonçado.
Quando sofríamos pelo inevitável, um outro Cisne Negro desceu sobre todos brasileiros e vitimou o Chapecoense. Esse de uma gravidade sideral, uma dor incomparável, de outra dimensão. O esporte é simulacro da vida, porém a Chape foi abatida na vida mesma. A morte nos devolve o tamanho real de cada coisa. Nossa dor minguou. Nosso desespero tornou-se quase uma bobagem, um mau tropeço, mas coerente com a incompetência suicida da direção.
Infelizmente agora nosso time vai estar mais perto de nós. Na vida quase todos somos de Segunda Divisão, às vezes nem isso. Amamos um time por ele ser maior do que nós, para sermos da primeira classe em algo.
É um momento de tristeza, mas o amor a um clube mede-se também na derrota. Ele nos levou a tantas vitórias, infelizmente hoje nos ensina sobre a lógica dos Cisnes Negros: o pior pode acontecer. Nunca mais seremos os mesmos. Mas nós também já conhecemos Cisnes Negros no sentido positivo, o Barcelona que o diga. Amigos colorados, chorem porque limpa a alma, mas aprendam com a realidade recente o que realmente vale lágrimas.
E ainda, despidos da ilusão de que o manto sagrado nos protege, sabendo que a divina providência não virá, que a sorte premia o trabalho duro e não as bravatas e mandingas, talvez no futuro consigamos ir mais longe do que já fomos. Sairemos dessa maiores.