Muito antes de Roth e de Lisca serem contratados como "salvadores da pátria", em apertos e ameaças de Z-4, houve um treinador convocado para missões impossíveis: Cláudio Duarte. Em 2002, ele salvou o Inter do rebaixamento. Foi contratado a quatro rodadas do final do Brasileirão, em substituição a Celso Roth, que havia deixado o Inter na 20ª posição, a dois pontos do rebaixamento – junto com Cláudio, Ibsen Pinheiro foi anunciado como o novo vice de futebol, na gestão do então presidente Fernando Carvalho. Conseguiu manter o clube na Série A, na dramática vitória por 2 a 0 sobre o Paysandu, na última rodada do campeonato.
Já em 2004, não teve a mesma sorte. Assumiu o Grêmio deixado por Cuca (cujo destaque havia se tornado o então jovem virtuose Anderson) em circunstâncias mais graves: a oito rodadas do final, mas na lanterna do Brasileirão, seis pontos atrás do São Caetano, o primeiro dentre os não rebaixados.
Nesta entrevista a ZH, Cláudio Duarte, 65 anos, fala sobre como é um desafio desses para um treinador, conta porque o Inter escapou em 2002, porque o Grêmio caiu em 2004, e manda um recado a Lisca, o técnico da vez que terá a missão de tentar evitar a queda colorada para a Série B:
– Ouça os caras invisíveis, os caras que limpam o chão, que levam água aos atletas, que separam as camisas de jogo. Esses, sim, contarão a verdade sobre o que aconteceu com o clube. Os demais, tentarão se salvar.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que leva um treinador a assumir um desafio como esse, salvar um clube do rebaixamento, a três rodadas do final?
É algo muito pessoal, de quem se predispõe ao enfrentamento. Conheço bem o Lisca, sei da capacidade dele. Se aceitou, é porque se acha condições de ajudar nessas circunstâncias. Vai do momento pessoal. Eu, depois de 2002, quando não caímos, disse que jamais treinaria o Inter. E cumpri, mesmo tendo sido chamado várias outras vezes nesses 14 anos.
E você ainda foi chamado muitas vezes pelo Inter, depois de 2002?
Muitas. E sempre disse "não". Se você olhar bem, são 14 anos de altos e baixos no Inter. Sempre fui chamado nesses anos. Nunca mais me senti em condições para esse tipo de trabalho, por motivos pessoais. Sempre fui definitivo depois de 2002.
Mas você assumiu o Grêmio, em uma condição muito parecida, em 2004. E não teve o mesmo sucesso. Por quê?
Assumi o Grêmio porque acreditei que teria condições de tirar o time daquela situação. Mas, logo no primeiro jogo, vi que não dava. Jogamos em Pelotas (o Olímpico estava interditado) e perdemos por 3 a 2 para o Palmeiras, em um assalto à mão armada pelo Michael Jackson (apelido do árbitro carioca Edílson Soares dos Santos; naquele jogo, o goleiro Márcio e o zagueiro Baloy foram expulsos). Ali, vi que não dava. Mas já tinha assinado o contrato, era tarde para voltar atrás.
Por que "vi que não dava"?
Porque em 2003, o Grêmio escapou do rebaixamento e teve gente que garganteou que estava tudo acertado para o Grêmio não cair (em uma discussão com um torcedor, o então técnico do Grêmio, Adilson Batista, teria dito que os jogos contra Vasco e Criciúma, essenciais naquele momento para evitar que o time ficasse na lanterna, "estavam acertados"; o Grêmio venceu ambos). E isso pegou mal com os caras lá de cima, que ouviram, não gostaram, e marcaram o Grêmio na paletas para o ano seguinte. A partir de então, qualquer lance duvidoso em campo era sempre dado contra o Grêmio.
Quem são os "caras lá de cima"?
Vocês sabem quem são. Os de sempre.
Em caso de rebaixamento, o treinador que fica marcado é o que cai ou o que levou o clube até o Z-4?
As pessoas têm memória curta. O corajoso fica mais marcado do que os outros. Acho que isso não ocorreu comigo, no caso de 2004, pois, internamente, todos sabiam que o clube estava marcado.
Mas em 2002 o mérito foi seu?
O meu mérito foi ínfimo. Foi muito pequeno. Se alguém disser que o treinador tem mérito por ganhar um jogo e contar com três resultados paralelos para se salvar, é um imbecil. O Inter se salvou na sorte. Se salvou porque dias antes o Paysandu empatou com o Juventude e escapou. Depois, foi nos enfrentar com extrema arrogância, diziam que deveríamos cair mesmo, para aprender. O "culpado" por nos salvar em 2002 foi o Juventude, que não conseguiu ganhar do Paysandu, dias antes.
Lisca pode ser o Cláudio Duarte de 2002?
Ele tem um temperamento muito forte, é muito firme psicologicamente. Lisca conhece os caminhos dentro do Inter. Sabe que precisa ter o suporte do baixo clero. São esses caras que o ajudarão lá dentro. Lisca não precisa de dicas, mas se fosse dizer algo a ele, diria o seguinte: "Ouça os caras invisíveis, os caras que limpam o chão, que levam água aos atletas, que separam as camisas de jogo. Esses, sim, contarão a verdade sobre o que aconteceu com o clube, darão o relato completo. Os demais, tentarão se salvar".
O Inter escapará do rebaixamento agora?
Ainda acho que tem condições de escapar, sim. O Vitória fez um grande jogo contra o Santos e... perdeu, com um gol em impedimento (de Copete). A sina do Vitória é tão ou mais pesada que a do Inter.
* ZH Esportes