Porto Alegre amanheceu mais triste para gremistas e colorados nesta sexta-feira. Ele teimou, lutou, bombeou com força o sangue colorado como se fosse um jogo decisivo, mas dessa vez não conseguiu. Nesta manhã, o coração do eterno camisa 9 do Inter parou. Os gaúchos estão mais tristes porque perdem um amigo, uma referência. É um raro caso em que a paixão não sufocou a razão. Como comentarista agradava as duas torcidas pela coerência e análise técnica, uma novidade para a crônica esportiva dos já longíquos anos 70.
Elogiado por colegas de trabalho, como Galvão Bueno, seu compadre Wianey Carlet e o amigo Lauro Quadros. Um fluminense de Nova Friburgo, que chegou em 1954, em Porto Alegre e adotou a cidade e o Estado. Daqui nunca mais saiu. Foi vereador, deputado e secretário de meio ambiente. O responsável pelas transformações que aliaram o meio-ambiente ao urbano na capital. Cada árvore do Parque Marinha do Brasil tem um pouco de sua paixão por Porto Alegre.
Leia mais:
Wianey Carlet: sentiremos saudades sem fim, Larry
Ruy Carlos Ostermann e Lauro Quadros relembram histórias com Larry
Velório de Larry reúne familiares e amigos ex-dirigentes de Inter e Grêmio
Um ser intenso, dividido em três paixões: Maria Luiza, sua esposa, o Inter e Porto Alegre. A ordem, neste caso, realmente não altera o resultado. Quando amava, amava de verdade. O prelúdio desta história pode ser o encontro com Maria Luiza, em um estádio de futebol. Poderia ter sentado ao lado apenas de uma moça bonita, de olhos claros, cabelos loiros e longos. Sentou ao lado da parceira que dividiu com ele as páginas mais bonitas de uma admirável biografia. Já consagrado nos aspirantes do Fluminense, com a marca indelével de Helsinque, em 1952, onde marcou o primeiro gol da nossa seleção em uma Olímpiada, finalmente chega na capital gaúcha.
Ali, logo no apito inicial de sua genialidade, entra para a galeria dos craques do Internacional: 6 a 2 para o Colorado. Esse foi o placar do primeiro Gre-Nal do Estádio Olímpico, dentro dos jogos comemorativos de inauguração da casa tricolor. O Inter, comandado pelo Marechal das Vitórias, o inesquecível Teté, jogou com Milton; Florindo e Lindoberto; Odorico, Salvador e Oreco; Luizinho, Bodinho e Larry; Jerônimo e Canhotinho. Larry marcou quatro dos seis gols. Nascia "O Cerebral", parceiro do também espetacular Bodinho.
Dizem aqueles que tiveram o prazer de ver esse encontro de gênios que a famosa tabelinha Larry/Bodinho foi uma das mais belas partituras já escritas no futebol. Ídolo da torcida, personalidade da cidade. Em dia de jogo não podia sair às ruas. Era o tempo da Porto Alegre dos bondes, do charme da rua da praia, da joalheria Masson, do Clube do Comércio, do mestre das letras e da palavra Cid Pinheiro Cabral. Larry e Maria Luiza formavam um casal que inspirava uma juventude.
Quando entrava nos salões do Clube do Comércio, o pianista Adão Pinheiro puxava os acorde de "Boemia", e Larry saia cantando. Sim, ele adorava cantar. Em meio às rodas de conversa, sempre encaixava uma melodia. Assim era Larry, a cara da felicidade. O apelido "O Cerebral" ninguém sabe ao certo como nasceu, mas o jornalista Walter Galvani conta que ele fez jus ao nome.
Veja também:
Diogo Olivier: morre um dos maiores ídolos da história do Inter
Relembre 10 momentos de Larry Pinto de Faria pelo Inter
Em entrevista, Larry relembrou inauguração do Olímpico: "Acharam que seria fácil e metemos 6"
– Uma vez o Inter estava perdendo para o Grêmio, nos Eucaliptos. Era repórter de campo e lembro que o Larry fez sinal de que estava machucado. Foi para fora de campo, bem no meio das quatro linhas. Perguntei o que acontecia. Ele disse que não era nada, que estava só observando. Voltou para o jogo, reorganizou o time e foi campeão – relembrou o jornalista dos cabelos prateados.
O ano de 1956 foi épico para os gaúchos, que representaram o Brasil no Pan-americano no México. Foi a vitória de uma seleção composta somente por jogadores do nosso Estado, que, contra a opinião de toda a imprensa nacional, foi o grande destaque do torneio.
Larry estava lá, marcou gols, deu assistências majestosas para Bodinho e dançou com a atriz e cantora Maria Félix, a mulher mais bonita daquele tempo, em uma noite memorável organizada pelo cantor de boleros Lucho Gatica. O primeiro torneio vencido com a lendária camisa canarinho, desenhada pelo artista jaguarense Aldyr Schlee. Porto Alegre parou para a chegada da seleção. Um time que uniu gremistas e colorados. Procissões se formaram do aeroporto ao centro da cidade para receber os heróis do México.
Larry nunca mais saiu de Porto Alegre. Teve filhos, netos e bisneta. Os filhos foram embora, e ele não quis partir. Era fiel ao Inter e à cidade que o recebeu. Se respirava com dificuldade com suas paixões, sem elas não conseguiria viver. A despedida é triste.
Prefiro congelar minha lembrança no Gre-Nal do dia 22 de novembro de 2015. Levei Larry ao Beira Rio. Pude sentir naquele dia que ele é um dos elementos que sempre farão parte da alma da torcida colorada. Era impossível caminhar no entorno do estádio. Crianças, antigos colorados, amigos, curiosos. Todos queriam abraçar Larry. Queriam uma foto, um abraço. A chegada no Skybox reservado para o evento foi emocionante.
– Estou ouvindo a minha torcida de novo – dizia ele, contemplando o tapete verde que nos tempos dos Eucaliptos foi o seu salão de festa. A confissão do craque era o medo de perder uma partida no Beira-Rio: nunca como espectador naqueles bancos foi testemunha de uma derrota.
Deus estava com ele. Vitória por 1 a 0 do Inter. Faltou o ar, o ar de fadiga tomou conta de Larry. Jogou a partida inteira. Gesticulou, gritou, xingou o juiz como sempre fez, dentro ou fora de campo, aplaudiu e comemorou. Não se despediu. Ídolos não se despedem. Contemplou o lugar mais sagrado para um jogador, o campo de futebol. Deixou ali a lembrança de sua presença para os que viveram aquela tarde. Teve um dia feliz, um dia na sua cidade, com a sua Maria Luiza e com o seu Inter!
Acompanhe o Inter no Colorado ZH. Baixe o aplicativo:
*ZHESPORTES