Protagonistas de um racha que resultou em brigas generalizadas no Beira-Rio e separou a Guarda Popular em duas, Jorge Roberto Gomes Martins, o Hierro, e Claiton Moreira de Castro Júnior, o Master, estão de volta às arquibancadas. Garantem que episódios violentos, como a confusão na despedida de Fabiano, em 2011, que levou à prisão de Hierro por dar uma facada em um desafeto, estão superados.
A dupla recebeu a reportagem de ZH em um bar com mais 20 integrantes do grupo que agora se chama "Os Donos da História". Nesta entrevista, Hierro e Master prometem evitar confrontos com o comando atual da Popular, respondem sobre o financiamento das torcidas e garantem não querer subsídios da direção.
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Como surgiu a ideia da reaproximação de vocês e do retorno aos estádios?
Hierro – Isso não foi agora. Foram mais de cinco, seis meses. Antes a gente já tinha pensado. Eu me encontrei com outro líder deles (do grupo ligado a Master), o Pereira, em uma festa aqui em Porto Alegre. Conversamos. Posteriormente, ele me ligou e disse: "desde aquele dia que tu falou lá pra mim eu estou com isso na cabeça, estou falando com o meu pessoal. Acho que agora dá para se juntar, a maior parte da galera já está aceitando ir conversar contigo". Daí nasceu isso de juntar eu e o Master de novo.
Vocês tiveram uma briga feia e, a partir dela, houve um racha. Como está a relação entre vocês? Vocês irão ao Beira-Rio pacificamente?
Hierro – Quando a gente se juntou para conversar cara a cara o primeiro dia, o que eu falei foi que a gente não tinha que esclarecer o que foi no passado, o que nos afastou. O primeiro passo já tinha sido dado, que era estar junto, e a gente tinha que pensar dali para frente. A ideia é fazer as coisas como fizemos da outra vez e tentar chegar onde a gente chegou.
Master – A gente sabe certinho as peças. Montamos aquilo tudo e acabamos destruindo. A gente sabe certinho como colar de novo essas peças para voltar ao que era.
O que levou a esse racha?
Master – Foi o crescimento. A gente subiu demais, aí o tombo foi grande também e inevitável.
Hierro – Eu tenho a minha versão porque todo mundo pensa que o racha se deu ali em 2011, mas não foi. O Master sabe, a gente já estava afastado desde 2009. Lembro de uma viagem para Curitiba para a semifinal da Copa do Brasil. Aconteceram umas coisas lá que eu achei que devia me afastar deles. Comecei a dificultar as coisas para eles na torcida. Eles foram perdendo a vontade de estar comigo porque eu estava agindo de uma maneira, não querendo eles por perto. Chegou um momento que eles tomaram aquela atitude e decidiram que não dava mais para a gente ficar junto. E se separaram. A última vez que a gente tinha falado tinha sido em 2010, naquele jogo da fumaça contra o Estudiantes. Eu não dava mais acesso a eles em nada e eles queriam muito ir. Aí separamos um ônibus para eles, e eles foram. Depois dali, nunca mais. Era só guerra e guerra entre a gente.
A Popular está supostamente perdendo força por conta de episódios violentos que resultaram em sanções. Vocês têm um passado que também está ligado à violência. Como não repetir os mesmos erros?
Hierro – Tudo começou, lá atrás, com amizade. A gente era amigo, tinha interesses em comum fora do futebol. Eu estudava na PUC com um amigo que me levou. O que a gente pretende reconstruir é essa amizade. A gente não está se reunindo só para ir ao futebol. Estamos nos reunindo há vários dias já, voltando a ser amigos. Churrasco, cerveja, futebol, mesmo fora do estádio...
Master – Como sempre foi...
Hierro – Como era antigamente.
Master – Não era só "cancha". A gente vivia a semana toda juntos.
Como vocês pretendem lidar com o grupo ligado ao Giba do Trem, que está presente no Beira-Rio?
Hierro – A gente tem uma série de medidas. Primeiro, não vamos fazer concentração na rua, juntar pessoas, porque isso é chamariz para confusão. A gente tá dizendo para as pessoas irem para o estádio e se encontrarem lá dentro pra cantar. Esse é o primeiro passo para evitar confronto. Segundo: esquece provocação de internet, não responde. Deixa no ar. Terceiro: sofreu qualquer agressão por parte deles, se atira no chão e não reage. Eu já tomei 40 cacetadas em um Gre-Nal de polícia e sei que um soco não vai me derrubar. Sei que tenho autocontrole para não reagir. Deixa o pessoal que é de segurança fazer o que tem de fazer.
Master – Principalmente eu e o Hierro. Evitar provocação é barbada.
A ideia depois é continuar na superior ou buscar o espaço na inferior?
Hierro – Nessas arenas novas, a tendência é "tocar" as torcidas pra cima. A gente sabe disso, eu estou no meio do futebol, recebo essas informações. Não vai demorar muito e esse padrão Fifa vai colocar as torcidas na superior. No resto do Brasil a maioria das organizadas é em cima, até para evitar invasão de campo. Então a gente já tá sacramentando nosso lugar lá em cima. A partir de amanhã (sábado) ali é nosso território e vamos ficar ali.
Teve algum acerto com a direção do Inter para essa volta? Como é a relação de vocês com essa diretoria?
Hierro – Não tem. Isso era uma coisa que eu queria até frisar. Eu já tive até experiência de ter contato com direção. Isso atrapalha, não queremos isso. As brigas iniciam por causa disso, porque acaba envolvendo subsídio...
Sobre isso, há uma boataria de que tu (Hierro) recebias salário do Inter. Como era a tua relação, na época, com a diretoria do Inter?
Hierro – O Inter estava em uma fase de crescimento gigantesco e a gente acompanhou, foi junto no embalo. Acho que a gente tinha algum merecimento, até porque incentivava o pessoal a se associar. Não tinha acesso gratuito no Beira-Rio. Nós nunca quisemos. Chegou um momento em que a Brigada obrigou a fazer o cadastro e a gente cadastrou 50 pessoas, que era o mínimo que eles aceitavam para denominar a gente como torcida. As outras torcidas tem cadastro de 400, 600 pessoas. A gente tinha 50. Nunca quis essa mordomia de entrar.
Como funciona este esquema da entrada de integrantes de organizada?
Master – Os torcedores pagam mensalmente para o clube. As carteirinhas ficam com a direção da torcida e o associado paga por mês. Paga R$ 25 ou R$ 30 para o clube.
E entra liberado no estádio?
Hierro – Por jogo, paga mais uma taxa para a torcida. Tu te associa na torcida e paga para o Inter. Mas para ter acesso ao jogo, tem que pagar para a torcida uma taxa, conforme o valor do ingresso.
Como eram as viagens na época de vocês?
Hierro – Quando a coisa estava andando bem, a gente se juntava, selecionava quem vai e quem não vai.
Mas o Inter ajudava?
Hierro – Sim. Durante a campanha da Libertadores de 2006, ajudou em toda. Nunca dinheiro. Nunca teve isso de pegar dinheiro lá. Isso nunca existiu. O diretor de administração da época era o Décio Hartmann. Ele dizia pra mim: "Hierro, eu te trato como um filho. Se tu tens que ir pra escola e precisa de um tênis, eu te dou um tênis. Tu tá indo para Santa Catarina e precisa de um ônibus, eu te dou um ônibus. Tá contratado o ônibus, entra em contato com a empresa". Não existia isso de o Inter te dar 10 ônibus, tu pegar o dinheiro e ir só dois ônibus. Ele sabia da nossa necessidade, conhecia todo o trâmite. Sabia quanto a gente precisava.
Como vocês projetam a relação de vocês com a diretoria nesta volta?
Hierro – Isso é futuro. A gente nem está prevendo isso. Inicialmente o que a gente está fazendo é ir para o jogo. Se a gente for em 400, em 500, 200, 100, cada um paga seu ingresso e entra.
Master – A gente está fazendo como fez no começo. "Se associa no Inter e vem pro Inter! Vem cantar!".
Hierro – Já tive experiência de um tipo de relacionamento com diretoria e o nosso movimento não vai pra frente se a gente ficar negociando subsídio. Neste momento, a gente nem quer. Jogo de Gauchão a gente tem condições de ir.
Vocês vão criar uma nova torcida que nasce na superior ou vão criar um núcleo que pretende ter o controle da Popular? Vai haver disputa por poder?
Hierro – Por nós, eles podem continuar existindo como torcida. Sejam a Guarda Popular. Nós somos "Os Donos da História". Queremos que eles continuem. Que cantem, porque a gente não tem ouvido mais eles cantar. E nós vamos cantar lá em cima.
Hoje, para poder levar faixas e instrumentos, a torcida tem de ter cadastro. Vocês vão fazer um cadastro com nome novo?
Hierro – Enquanto não nos obrigarem a fazer isso... Porque aqui no Rio Grande do Sul a gente sabe, a gente vive um negócio meio ditatorial da Brigada Militar. Vai chegar um momento em que eles vão nos obrigar a fazer esse tipo de coisa. Enquanto não nos obrigarem, vamos continuar no nosso grupo de amigos. Quem quer cantar, quem quer ser feliz conosco. Não vamos ser nada. Estamos lá em cima (na superior). Volto a frisar, se vocês quiserem nos chamar de alguma coisa, estamos nos chamando de "Os Donos da História".
Vocês falaram de um período anterior em que a relação com a diretoria era boa. Hoje, não é. O que aconteceu de lá para cá, já que há várias pessoas da atual direção que já estavam antes?
Hierro – Os confrontos, os episódios de violência que a gente se meteu. Que eu me meti. Foi público. O Master tem vários episódios de violência também. A situação levou a gente a cair nessas armadilhas. A gente foi burro de não conseguir lidar com isso, talvez imaturo. Tudo era novidade para a gente. Mas agora a gente está escaldado.
Vocês apontam as diferenças deste grupo que está hoje na Popular para vocês. Mas quem olha de fora compara os históricos de violência de vocês e deles e acredita que é a mesma coisa. Por que não é?
Outro torcedor – Aqui é a galera que fundou a torcida. Por isso que a gente fala que é "Os Donos da História". A galera do trem veio para a torcida, alguns são de torcida organizada, outros são da Popular, de outra torcida, e quando deu o racha os caras foram chegando... Talvez legitimamente, no momento deles, tiveram poder. Mas aqui está quem fundou a torcida, tem gente que está há 10, 15 anos.
Outra torcedora – E a violência não acabou, nem diminuiu...
Hierro – A violência até aumentou. Não tem diferença porque a gente sabe quem eles são, já conviveu com eles. Na época do nosso racha, eles ficaram comigo. Eram meu pelotão de choque. Se a gente for conversar a fundo, fui eu que criei os monstros. Eles eram meu pelotão de choque porque, se tu for sair para viajar o Brasil todo, não pode ir desprevinido. Se tu encontras uma Gaviões da Fiel, com 15, 20 ônibus, e tu com um ônibus, não tem o que fazer. Eu tinha que ter essa defesa para mim e para as pessoas viajando conosco. Só que existia uma autoridade, um controle, que eles respeitavam. Só iam agir se fosse preciso. Eu tinha isso muito na mão. As viagens tinham problema no início. Passou um ano, dois anos, a gente foi pegando a manha e já não tinha mais confusão na estrada. Mas eu tinha que ter eles junto porque a qualquer momento podia "tomar um ataque", até mesmo um assalto. Eles continuam agindo dessa maneira. Violentos, só que agora sem controle.
Mas como fazer quem está de fora do mundo das organizadas acreditar que vocês são diferentes deles?
Hierro – Tem que ver que a violência foi em 10% do tempo, 90% foi só de coisas boas. Em 10% dos momentos em que estivemos à frente da torcida, nos descontrolamos, brigamos... Óbvio que todos vão bater na tecla de quando acontecem as coisas erradas. Quando acontecem as coisas bonitas, é só naquele momento. Quando acontece violência, aquilo marca e continua. Acho que a gente se juntando e mostrando que pode ser amigo (coloca a mão no ombro de Master) já é o primeiro passo para deixar bem claro que a gente quer consertar tudo que fez errado.
O grupo da Popular, em teoria, não gosta da entrada de vocês no estádio. Isso pode gerar mais incidentes violentos. Como fazer para que vocês não sejam apontados como a causa desse possível aumento da violência?
Master – A gente vai estar monitorado...
Hierro – Mas se tiver episódios de violência não vai ser uma coisa generalizada. Nosso intuito não é esse, de formar grupo para provocar confronto. Daqui a pouco vai ter um incidente que eles pegam dois nossos indo embora do estádio. Em nenhum momento nós vamos nos propor a se juntar em número para tentar nos defender. Nossa estratégia é não nos aglomerar. Estamos sujeitos a tomar prejuízos, ser agredidos, mas é o preço que a gente vai pagar. Eu e o Master conversamos, sabemos que estamos correndo risco. Temos milhares de amigos que estão dependendo da gente, que deixaram de frequentar estádio. A gente quer que eles entendam que estamos correndo risco e que nos ajudem. Que não entrem em confusão.
Em algum momento tu (Hierro) tiraste teu sustento da torcida do Inter?
Hierro – Não tem como. Vou te dar um exemplo. Em 2012 eu me entreguei para a Justiça. Estava foragido, com pedido de prisão. Precisava pagar advogado para entrar com trâmites legais, pedir minha soltura. Eu não tinha dinheiro para pagar o advogado. E isso era no auge da torcida, eu estava no controle sozinho. Eu aprendi que, ou tu faz torcida, ou tu enriquece. Não tem como ficar rico fazendo torcida. Ou tu te dedica para a torcida, e usa o dinheiro que recebe para ela, ou então deixa a torcida atirada e vai embolsando o dinheiro.
Há quem diga que vocês criaram este movimento para ganhar dinheiro. Como vocês se mantêm hoje e como respondem a esse tipo de questionamento?
Hierro – Posso te dar um exemplo. Depois que eu saí de torcida, acho que foi a época que eu mais tirei férias na minha vida, e gastando dinheiro. Fui para o Rio, para Natal, para a Argentina, Belo Horizonte, São Paulo. Isso é notório, eu tenho rede social, postava fotos.
Tu estavas trabalhando?
Hierro – Eu tinha renda... Não existe uma maneira de fazer torcida, e ficar na torcida, se mantendo, criando patrimônio com o dinheiro da torcida. Muitos que estavam comigo sabem como é. A gente não tinha nem recebido o dinheiro do jogo e já estava devendo. O dinheiro que ia entrar não entra no caixa porque já vai ser pago. Óbvio que a gente passava bem. Saía para viajar e não gastava um real do nosso bolso. Viaja superbem, tu, tuas lideranças. A gente costumava sair com os ônibus, cada um com 500 latões de cerveja embaixo. Isso aí, o dinheiro que está entrando tu já está gastando. Volta para a própria torcida. Se tu for olhar, não existe torcida hoje que faz isso.
Como foi a vida pessoal de vocês após o racha?
Master – O Hierro sofreu mais, acabou indo preso. Eu acabei me desligando. Sofri em casa vendo na TV, no radinho. Mas não foi tão ruim quanto o Hierro.
Hierro – A minha opinião é de que o momento é diferente, no próprio clube e no time. As competições não são muito favoráveis. O momento dos nossos amigos que estão de fora está sendo muito importante. Eu saio do ar. Seguido eu saio do ar, ninguém me acha, no telefone, nas redes sociais. Não queria esse tipo de pressão de voltar. Mas não deu para segurar. Os amigos estão vendo que o Inter está com dificuldade e precisando de alguma coisa. A gente vai ter que fazer o sacrifício.
O que vocês diriam ao Vitorio Piffero?
Hierro – O contato com ele é zero. Não existe, nem com ele nem com nenhuma pessoa da diretoria. E no momento não queremos. Estamos nos propondo a mostrar a nossa força. No futuro, quem sabe, se acharem que a gente pode ser útil, vamos estar disponíveis para iniciar algum tipo de conversa, mas agora a gente nem quer contar, não quer conversar. Só queremos que o Inter volte a vencer...
Master – E que o Beira-Rio volte.
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