Mesmo nos ambientes mais iluminados pelos holofotes da mídia há personagens quase anônimos que fazem da batalha diária as suas grandes vitórias. No caso da dupla Gre-Nal, sem o suor deles a roda que faz andar esses dois clubes gigantes emperra. Para retratar este bastidor, o Diário Gaúcho inaugura nesta terça-feira a seção Gente como a Gente, que conta a história desses personagens tão desconhecidos como vitoriosos.
Em 1995, aos 11 anos, Fabiano de Oliveira começou a frequentar as escolinhas do Inter, que ficavam junto ao Beira-Rio. Ao assistir aos treinamentos dos profissionais, encantou-se. Até que um dia pediu ao preparador de goleiros Marquinhos para ser gandula das atividades. Foi autorizado a ficar atrás de um gol, devolvendo as bolas que ultrapassavam a rede de proteção.
Desde então, o pequeno morador do bairro Santa Tereza nunca mais deixou de frequentar o estádio. Fez amizade com os jogadores, com o pessoal da rouparia, passou a ajudar todos. Queria apenas se divertir e passar o tempo no ambiente do estádio. Mas a brincadeira, aos poucos, virou trabalho. O guri virou homem e hoje é um dos roupeiros do time principal. Divide as tarefas com seu Gentil, que cumpriu trajetória parecida.
- O Inter é minha vida, é minha família. Vivo para o Inter - enfatiza.
Fabiano virou Buiu há 18 anos. O apelido, em referência ao personagem Buiu, do programa A Praça é Nossa, foi dado pelos ex-jogadores Arilson e Fabiano. Sempre bem-humorado, o garoto aceitou a brincadeira. Ainda adolescente, teve os estudos pagos pelo Inter em uma escola particular. Aos 16 anos, passou a receber como estagiário do clube. Logo, transformou-se em funcionário.
O trabalho começou como auxiliar de campo. Era responsável por transportar todo o material utilizado nos treinos, como bolas, cones e chuteiras. Em 2008, sob a tutela dos experientes roupeiros Gentil (até hoje no Inter) e Ismael, a quem se refere como pais, passou para a rouparia. Primeiro no Inter B, depois no vestiário principal.
Foto: Adriana Franciosi / Agência RBS
A rotina de trabalho é puxada. Buiu e seus colegas de setor chegam duas horas antes dos treinos e saem duas horas depois. É preciso separar os materiais conforme o gosto de cada um. Depois, separar e enviar a roupa suja para a lavanderia. E, antes de sair, deixar tudo pronto para o próximo treino. Em meio a tudo isso, fazem os ajustes no principal material de trabalho dos jogadores, as chuteiras:
- Tem uns que falam: "Trata essa chuteira com carinho". Outros pedem para eu usá-las e amaciá-las. Como vou ficar no vestiário de chuteira? Além disso, às vezes o cara calça 38, 39, nem entra no meu pé - sorri Buiu, que logo acrescenta:
- Temos uma relação de família. Eles nos tratam como irmãos. Amo o que faço, é minha paixão.
Buiu comemorando a final do Campeonato Gaúcho 2003. Foto: Fernando Gomes / Agência RBS
Como um treinador que blinda o vestiário, o roupeiro não revela os casos que acontecem nos bastidores do clube e fica em cima do muro quando perguntado sobre qual o melhor jogador já conviveu. Só não tem dúvidas do momento mais feliz nas duas décadas de Beira-Rio:
- Minha maior alegria foi ver o Inter campeão do mundo. Era um sonho, não imaginávamos a dimensão.
Esse jogo, Buiu viu pela tevê. Mas, se o Inter voltar ao Japão, ele é candidato a lugar no voo.
Conhecendo o mundo
Como roupeiro do Inter, Buiu, 31 anos, roda o Brasil e a América Latina. No entanto, pouco curte as cidades por onde passa. Às vezes, só dá tempo de olhar a paisagem pela janela do hotel.
Nas viagens, os roupeiros levam três jogos do fardamento principal (vermelho) e mais três do reserva (branco), além de três pares de chuteiras para cada jogador, tênis e caneleiras. Tudo precisa estar minuciosamente organizado. Na Libertadores deste ano, Buiu esteve no México, no Chile, a Colômbia e na Bolívia. Aliás, a passagem por La Paz é para esquecer. Se é que lembra de algo. A altitude de 3,6 mil metros derrubou o roupeiro.
- Passei mal no vestiário. Era os caras jogando, e eu no oxigênio. Depois, já tinha vomitado um monte, e o pessoal falou que o aeroporto era numa altitude ainda maior (4 mil metros). Pensei: "Agora vou morrer" - diverte-se o roupeiro, lembrando que precisou ser carregado do ônibus até o avião.
Trabalhando durante treinamento em 2006
Foto: Fernando Gomes / Agência RBS
A lembrança de Fernandão
Perguntado sobre o convívio com Fernandão, Buiu lembra de um episódio ocorrido no segundo dia do ídolo colorado no Beira-Rio. O ex-jogador, morto no ano passado, ouviu o roupeiro conversando com um colega, dizendo que precisava de um tênis. Depois do treino, Fernandão levou os dois em uma loja e comprou um par para cada um.
- Ali, percebi: "Esse é um cara iluminado". Ele se preocupava com todos, Fernandão era como um pai para todos nós.
* Diário Gaúcho