Aos 44 minutos do segundo tempo da decisão aconteceu a bola do jogo. A bola do campeonato. Wangler da Silva, um dos protagonistas da partida, viu-a deslizar na sua direção e enquadrou o corpo para engatilhar o mais importante chute dos seus 19 anos de vida.
Bateu nela de esquerda, com o lado de fora do pé. A bola cor-de-rosa alçou um vôo irregular, em curva, rumo ao ângulo irremediável. Ia entrar, Wangler ia fazer história, mas o goleiro Muriel saltou na diagonal, esticou o corpo o máximo que pôde e, com a mão esquerda, tapeou-a para escanteio. Era para ser o chute do jogo; foi a defesa do jogo. Naquele momento, Muriel garantiu a vitória do Inter sobre o Caxias por 2 a 1, de virada, e ganhou o Gauchão 2012.
Mas o Inter teve de se valer de todas as suas armas, de todos os seus imensos recursos para bater esse adversário que, antes de a bola rolar, parecia uma presa dócil. Afinal, os salários reunidos de todos os jogadores do Caxias não chegam ao de um único D'Alessandro. Para arrematar, o Caxias pisou no gramado do Beira-Rio sendo obrigado a fazer pelo menos um gol para conquistar o título - o 1 a 1 de domingo passado dava ao Inter a vantagem de não sair do 0 a 0 para ser campeão.
Só que quem jogou no primeiro tempo foi o Caxias, sobretudo esse Wangler, que atuou pela direita, investindo sobre Fabrício e Guiñazu com a bola colada no pé esquerdo, cortando para os dois lados, deixando-os desconcertados, entrando na área como um jogador do Caxias não deveria entrar. Do outro lado, Vanderlei jogava como um ponteiro-esquerdo, e também ele derivava da lateral para o meio e vencia a marcação e angustiava a torcida colorada nas arquibancadas.
O Caxias apresentava-se em Porto Alegre com destemor, controlava o Inter e atacava com serenidade. Aos 26 minutos, ocorreu o que já se poderia prever: Wangler cobrou escanteio da direita, Vanderlei cabeceou para o outro lado da área e Michel agachou-se para meter a testa na bola e fazer 1 a 0.
A torcida estava inquieta. Dátolo tocava na bola e era vaiado. Os poucos torcedores do Caxias pulavam de alegria. Em campo, Wangler só era parado com faltas, às vezes com violência, como aos 35 minutos, quando Fabrício o derrubou com um tapa. Três minutos depois, ele mais uma vez cortou dois adversários e, do bico da área, chutou forte. Muriel espalmou a escanteio.
O Inter desceu ao vestiário debaixo de vaias. Voltou de lá com D'Alessandro e Dagoberto no time, em lugar de Tinga e Dátolo, os piores em campo. Antes do árbitro apitar a saída de jogo, D'Alessandro reuniu todos e, aos gritos, clamou pela reação. Foi atendido. O Inter passou a pressionar com sofreguidão, quase com desespero. Por ironia, a estratégia de ataque do Inter foi a mesma que o Caxias havia empregado no primeiro tempo: o levantamento de bola para a área. Com um minuto, Paulo Sérgio fez grande defesa numa cabeçada de Damião. Com sete, Oscar foi derrubado na área por Lacerda: pênalti. Nei cobrou no canto direito, à meia-altura, e Paulo Sérgio espalmou.
Era como se fosse um gol, mas, a essa altura, os jogadores do Caxias já pareciam cansados. Não conseguiam mais se desvencilhar dos lances de confronto com os do Inter, como conseguiam no primeiro tempo. Aos 11, Guiñazu cruzou da esquerda, os atacantes do Inter mergulharam na bola, ela ia entrar e Paulo Sérgio deu um tapa de gato para tirá-la de cima da linha. Aos 16, foi a vez de Fabrício cabecear e novamente Paulo Sérgio salvou.
Era como se fosse o Inter inteiro, do presidente ao massagista, contra o solitário goleiro do Caxias. Paulo Sérgio não tinha como resistir. Não resistiu. Aos 21, a bola sobrou para Sandro Silva dentro da área. Ele foi avançando sem levar em consideração quaisquer obstáculos, foi espalhando jogador do Caxias para todos os lados, foi desbravando o terreno feito um carro-tanque do BOPE, até chegar na frente do gol e mandar para dentro: 1 a 1.
O resultado levava a decisão para os pênaltis, mas de onde o Caxias tiraria forças para suportar mais 25 minutos de jogo? Não suportou um quarto disso: aos 26, Fabrício cruzou da esquerda e Damião cabeceou para marcar o gol da vitória.
Naquela meia hora do fim da tarde de domingo, o Inter havia concentrado todos os seus esforços para dobrar o Caxias. Agora era preciso relaxar um pouco, nenhum time aguenta pressionar durante tanto tempo. Mas o relaxamento não poderia ser tamanho que permitisse o 2 a 2, que daria o título ao Caxias. Então, o Inter se resguardou.
Encaramujou-se para defender a vantagem. O que afligiu à torcida e ao técnico Dorival Junior de uma maneira nunca vista até agora, em sua passagem pelo Rio Grande do Sul. Aos 35 minutos, um Dorival rubicundo de raiva discutiu de dedo em riste com o árbitro e foi expulso. O jogo estava pastoso e tenso, o Caxias foi aos poucos ganhando terreno, chegando perto da área do Inter, se aproximando, se aproximando, até que a bola deslizou para o pé esquerdo de Wangler.
Era para ser a bola do jogo. E foi. Com aquela defesa de Muriel, o Inter se sagrou campeão gaúcho. Um título que valeu cada gota de suor do muito que o Inter suou para bater o Caxias, domingo no Beira-Rio.