Mesmo quem segue de perto o futebol gaúcho tem dificuldade em lembrar que Tiquinho Soares jogou por aqui. Adversário do Grêmio no domingo (9), o atacante do Botafogo estava naquele tempo a muitos gols de distância de ser o artilheiro que se transformou. Sequer carregava no nome profissional o apelido de infância. Era apenas Soares, o pode justificar ausência de recordações na passagens por três clubes gaúchos entre 2013 e 2014.
Quando chegou ao Cerâmica na metade de fevereiro de 2013, com o Gauchão em andamento, o centroavante tinha dois destaques dignos de nota. O primeiro era em função de seus gols por ser o artilheiro CSP no Campeonato Paraibano, com seis marcados.
O segundo foi declaração inusitada dada antes do confronto de sua equipe contra o Coritiba pela Copa do Brasil. Questionado sobre o jogo, disse que enfrentaria os paranaenses como se fossem um clube pequeno — por questões envolvendo STJD, o confronto nunca foi realizado.
O que se viu em Gravataí foi um humilde jogador de 22 anos. Apesar de já ter contrato profissional, optou por morar no alojamento do Cerâmica. Nas vestimentas, nada do estilo boleirão. Fora de campo, seu uniforme era composto por chinelos, uma bermuda roxa e uma camiseta amarela. Nos dias de folga, levava a gurizada das categorias de base para lanchar por sua conta em um bar.
— Ele sempre foi humilde. Tinha uma postura diferente, talvez por saber que ali não seria o auge da carreira, que era apenas um momento — conta Felipe Harzheim, então preparador físico do Cerâmica.
Foram somente dois gols, um deles um golaço em chute de fora da área. Estatística insuficiente para evitar a queda do clube de Gravataí. O jogador retornou à Paraíba para defender o Treze antes de voltar ao futebol gaúcho na temporada seguinte.
— Me chamou atenção a educação dele. Era Quieto. Muito profissional. Talvez seja por isso que ele tenha voltado e se tornado um dos jogadores mais falados no Brasil. Tinha muita seriedade — ressalta Luis Eduardo, ex-zagueiro do Grêmio e técnico do Cerâmica naquele Gauchão.
Um olhar mais refinado mostrava que havia potencial. Suas atuações em jogos-treinos eram destacadas. Em uma desses atividades, o adversário foi o Veranópolis. Naquele dia, Julinho Camargo colocou o nome de Soares no seu bloquinho de anotações. No ano seguinte, o treinador trouxe o paraibano para a Serra gaúcha.
— Me chamou atenção a força, a velocidade, o controle de bola perto do pé e a boa relação em fazer gol. São características ótimas para quem joga perto do gol adversário. Mesmo observando de longe, é fácil perceber que continua o mesmo atleta de sempre, focado, dedicado e humilde — destaca Julinho, hoje gerente de transição do Inter.
Os gols dobraram na Terra da Longevidade. Foram quatro. Um deles na vitória por 1 a 0 sobre o Inter. Em cobrança de escanteio, Soares testou para o gol para superar o estreante Dida.
Em uma época em que o falso 9 se popularizava, Soares era o verdadeiro 9, mas se descrevia como falso lento. Seu corpanzil resistente para aguentar o tranco no interior pampeano dava a impressão de que lhe faltava velocidade. Não faltava nem dentro nem fora de campo. Porque veloz foi a sua passagem pelo Pelotas.
O treinador foi para a Boca do Lobo no segundo semestre. O centroavante a reboque. A parceria durou mais três jogos, quando foi negociado com o futebol português. Ainda assim, foram mais dois anos para chegar em um clube grande, o Porto.
— Alguns atletas precisam de um pouco mais de tempo para amadurecer questões que no alto nível são cruciais. O Soares é um exemplo de que não devemos desistir nunca de um atleta que tem foco e ferramentas importantes para o bom futebol. O Soares é o grande herói do seu próprio crescimento — avalia Julinho.
Nove anos depois, Soares está de volta à Arena quase como se nunca estivesse passado pelo estádio. De lá para cá, perambulou por Portugal, Grécia e China para voltar ao Brasil como um outro jogador. Tiquinho Soares, o artilheiro do Brasileirão.