Quando Caroline Mazzanti, Ana Paula Santos dos Santos e Matheus Schadeck decidiram ir ao jogo mais esperado de 2020, não sabiam que só voltariam ao estádio 570 dias depois. Eles eram três dos 53.389 torcedores que acompanharam o Gre-Nal da fase de grupos da Libertadores do ano passado.
O "Gre-Nal do Fim do Mundo", como ficou popularizado, terminou com zero gols e oito cartões vermelhos, e foi a última aparição do público na Arena. A espera vai terminar às 20h30min deste domingo, 3 de outubro de 2021. O jogo contra o Sport, que já seria especial, recebeu motivação extra: os tricolores apoiarão a equipe para sair da zona de rebaixamento do Brasileirão após 20 partidas (e 22 rodadas). Para isso, basta vencer.
Como tudo o que envolve grande expectativa, o tempo parece demorar a passar. Da sinalização do retorno do público à confirmação de que podem ser ocupados 30% dos lugares com cadeiras no estádio foram 24 horas, mas, para eles, foi como se levasse um ano e quase sete meses.
Da orientação para marcar lugar no estádio à abertura do check-in, passou-se menos de um dia. Mas diz isso para quem espera desde março. Por isso, até as 18h de sexta 3.643 sócios haviam confirmado presença na "primeira onda". Dali por diante, as demais categorias de associados informariam seus lugares. Segundo o CEO do Grêmio, Carlos Amodeo, são esperados 17,2 mil gremistas.
Burocracia cumprida, agora é só aguardar a hora do jogo. E até isso vai demorar. A partida é a última da 22ª, só na noite de domingo. E nem há muito a secar: os compromissos de Santos e Bahia, adversários diretos para fugir da zona de rebaixamento, foram adiados.
Claro, é ruim não ter os jogos para ajudar a passar o tempo. Mas permite direcionar todas as energias para a Arena, já que a vitória simples, contra o penúltimo do Brasileirão, será suficiente para, enfim, sair do Z-4, local frequentado pelo Grêmio desde o começo do campeonato.
A saída vai ser a que todos tinham até 2020: conversar com os amigos, lembrar histórias, imaginar situações e fazer contas. Matheus Schadeck, profissional de educação física, é um dos 3.643 sócios que garantiram lugar.
— Voltar ao estádio é um misto de alegria com ansiedade, pois a arquibancada sempre fez parte do meu dia a dia. Esse retorno ao estádio é mais um pequeno passo para a volta da normalidade, mas tenho consciência que a pandemia não acabou, e precisamos ter responsabilidade, seguir todas as orientações de segurança, para uma retomada segura e assim poder abraçar esse time que já nos deu muitas alegrias e conquistas — afirma.
Caroline Mazzanti, consultora de vendas, irá com a amiga Ana Paula Santos, empresária. Elas tiraram a última foto em frente à Arena pouco antes de cruzarem os portões para o Gre-Nal da Libertadores. Voltaram lá para registrarem a alegria do check-in. E se reencontrarão no domingo.
— Minha expectativa é muito grande, me traz uma sensação de alívio e ao mesmo tempo de alegria. Vamos retomar nossa rotina de ver de perto nosso time. A emoção é enorme, quando se coloca os pés na arquibancada, não existe sensação melhor — diz Caroline.
Claro que nenhum deles deixou de ver os jogos nesse tempo. Foram cerca de 500 dias apenas olhando por TV ou streaming, ouvindo no rádio. O grito era de casa.
— Foi algo novo para mim, realmente não é a mesma coisa do que estar no estádio, confesso que fiquei bem mais nervoso assistindo pela TV — garante Matheus.
Há uma curiosidade a ser sanada neste domingo. Quando pararam de ir ao estádio, esses torcedores estavam acostumados a um Grêmio disputando Libertadores, semifinalista do ano anterior, com Renato Portaluppi na casamata, Geromel, Kannemann na zaga, Maicon no meio, Cebolinha e Pepê na frente. Como será o comportamento quando reencontrarem o time iniciando a rodada em 18º, já fora de Copa do Brasil, Libertadores (e Sul-Americana) com novo técnico, sem nenhum dos citados? Para Caroline, o fato de o treinador ser Luiz Felipe Scolari deixa tudo menos traumático:
— A luta contra o rebaixamento está sendo muito difícil, mas Felipão é um baita treinador e confio muito nele.
Até por isso, Matheus Schadeck pede compreensão de quem for à Arena:
— O apoio da torcida será fundamental, pois nossa história é forjada na superação, e é principalmente nesses momentos que a nossa torcida faz a diferença.
Os três atenderão ao pedido de Felipão. Ele foi a voz oficial do clube para chamar a torcida:
— Após 570 dias, temos de enfrentar o jogo com máscara, distanciamento e cuidados necessários para dar exemplo nessa situação que estamos vivendo. Quero pedir a vocês, torcedores, que joguem conosco. Estamos com algumas dificuldades, sim, mas precisamos do apoio de vocês. Venham nos ajudar, com o espírito elevado, para que a nossa equipe sinta essa vibração, dê o retorno necessário e a gente consiga esses pontos que tanto estamos lutando para conseguir. Espero vocês no domingo. Estaremos juntos, com todos os cuidados necessários.
Caroline, Ana e Matheus prometem atender.
"Estreia" dos guris
Ao mesmo tempo que alguns torcedores matarão a saudade de ver o Grêmio de perto, para dois profissionais, será como uma estreia. Titulares do time de Felipão, o goleiro Gabriel Chapecó e o lateral-direito Vanderson nunca jogaram com torcida depois de subirem para o time profissional.
Ambos são ídolos de uma torcida de redes sociais. Nenhum deles sentiu o gostinho de ouvir o nome gritado pela arquibancada ou ao menos aplaudido depois do anúncio da locução oficial.
— É curioso mesmo, porque apesar de ter jogado bastante já, ainda não tive a experiência de estar em campo com a torcida. Vou ficar muito feliz, porque também terei a presença da minha família apoiando — revelou Vanderson a GZH.
Para Gabriel Chapecó, jogar com torcida será mais um momento emocionante que a atual temporada vai proporcionar:
— Estou muito feliz por defender as cores do time que sou torcedor. Será um momento único na vida, estou há oito anos lutando para ganhar meu espaço, e consegui realizar dois sonhos, chegar ao profissional e ser titular. Tudo isso no primeiro ano. Quero fazer minha história no clube, ganhar títulos.
Os dois entendem que esse retorno da torcida chega em um momento crucial do Brasileirão. Por isso, fizeram discursos parecidos. O goleiro disse:
— Tenho certeza de que a torcida vai fazer a diferença para nos ajudar a sair dessa situação que não nos pertence.
O lateral completou:
— Uso essa volta do público como motivação a mais para que a gente possa jogar bem e ter um crescimento na reta final do Brasileiro.
Além dos dois, o zagueiro Ruan, o lateral Rafinha, o volante Villasanti e o centroavante Borja também sentirão o calor do torcedor gremista pela primeira vez. E Douglas Costa vive uma situação curiosa: será seu primeiro jogo com público na Arena. Ele chegou a ter o apoio dos tricolores, mas ainda no Estádio Olímpico.
— Vai ser um jogo difícil, e a torcida vai ajudar bastante. Depois de muito tempo, esse reencontro será fantástico, independentemente das cobranças (pela situação do time) Esperamos sair vitoriosos, porque estamos trabalhando pra isso — disse Douglas na entrevista coletiva.