O jogo contra o Palmeiras, na última sexta-feira (15), reacendeu um velho debate: o futuro de Jean Pyerre no meio-campo do Grêmio. Apontado como um camisa 10 clássico, o alvoradense de 22 anos sucumbiu diante da marcação paulista no primeiro tempo.
E foi somente após o intervalo, quando ele inverteu de papéis com Thaciano, baixando para a função de volante, que o Tricolor reagiu na partida. Trata-se de uma coincidência ou, de fato, o jovem talento gremista está mais para Maicon do que para Luan?
— Assisti a este jogo contra o Palmeiras e achei que ele não conseguiu demonstrar todo o talento dele, não conseguiu ser decisivo. Claro que, para fazer um passe da defesa, fica até mais fácil para ele, mas é um espaço onde não se é decisivo. Até porque, ele não tem essa característica de ficar atacando a área e, para fazer essa função que o Maicon faz, precisa carimbar a bola e atacar o espaço. Até o Matheusinho fez isso comigo na base, mas a característica do Jean Pyerre não é essa. Prefiro vê-lo mais avançado, para municiar os atacantes e também porque ele tem uma finalização muito boa de fora da área — sentencia César Bueno, ex-treinador do time de transição.
Embora hoje seja o armador do elenco gremista, Jean Pyerre já foi volante nas categorias de base. A mudança de posição se deu ainda no time de transição, pelas mãos de Thiago Gomes. Na época, foi levado em consideração o scout levantado sobre as atuações do atleta, que apontavam médias de uma assistência a cada 16 minutos e um gol a cada três jogos. Logo, aquele jogador longilíneo, com mais de 1m80cm, acabou efetivado como meia central.
Foi assim, aliás, que ele estreou como profissional. Em 2017, enquanto a equipe principal se preparava para encarar o Mundial de Clubes, uma garotada foi enviada para enfrentar o Atlético-MG, em Belo Horizonte, pela última rodada do Brasileirão. Apesar da derrota por 4 a 3, o meia se destacou ao marcar o gol que abriu o placar e, em seguida, dar uma assistência para Pepê.
— Eu nunca fiz isso em jogo, mas o coloquei mais para trás em treinos. Fazendo estas tentativas e observando, percebi que ele rende mais avançado — relata Bueno. — O Jean Pyerre é um jogador de altíssimo potencial técnico, com uma leitura de jogo acima da média e um passe muito bom para pifar os atacantes. É um falso lento. Por ser um jogador de estatura muito alta, tem uma cadência que leva a gente a querer trazê-lo um pouco para trás, porque ele não gosta de atacar muito a área. Mas ele é mais armador — avalia o ex-comandante da base gremista.
Apesar de ter dado o aval para que Jean Pyerre vestisse a camisa 10, que havia sido de Thiago Neves, o técnico Renato Portaluppi já se deixou cair na tentação e recuou o meia para sua posição de origem. Antes da Arena do Palmeiras, a alternativa havia sido usada no empate por 0 a 0 com o Corinthians, também em São Paulo, e na goleada sofrida para o Santos, na Vila Belmiro, que causou a eliminação na Libertadores. Em ambas as ocasiões, o chileno Pinares ocupou a zona central.
— Cada vez que entra o Pinares, o Jean Pyerre melhora um pouco. Ele não dá resposta e é por isso que deve jogar o Jean Pyerre. O Pinares, assim como era antes o Thiago Neves, não dá conta do recado. Ele entra e as coisas não acontecem — opina Diogo Olivier, comentarista do Grupo RBS.
Exemplos em casa
Curiosamente, Jean Pyerre fez em sua carreira o caminho inverso de muitos companheiros de equipe. O próprio Maicon, até ser efetivado como volante por Muricy Ramalho no São Paulo, foi um meia de destaque no Madureira e Figueirense. Matheus Henrique, Arthur e Walace viveram o mesmo por São Caetano, Goiás e Avaí, respectivamente.
A troca de função foi vivida até pelo filho caçula da família Correa Neto, José Carlos (ou simplesmente Zeca), de 18 anos. Recentemente negociado com o Vizela, da segunda divisão portuguesa, o irmão mais novo de Jean Pyerre passou pela base da dupla Gre-Nal como camisa 10. Sem alcançar o espaço desejado e prestes a abandonar a carreira de jogador de futebol, aceitou o convite para defender o Cruzeiro-RS. Ajudou a equipe, hoje situada em Cachoeirinha, a conquistar o título gaúcho sub-17 no ano retrasado e, ao mesmo tempo, se descobriu em um novo setor do campo.
— O Zeca chegou para nós como um meia, mas onde ele se destacou mesmo foi como primeiro e segundo volante. Foi o melhor jogador do Cruzeiro no sub-17 atuando como volante — destacou o presidente cruzeirista Dirceu de Castro.
Resta agora Jean Pyerre trilhar os seus próprios passos. Visto como um jogador de potencial para jogar na Europa e até mesmo na Seleção Brasileira, o atual camisa 10 do Grêmio precisava voltar a render em alto nível e se fazer fundamental, seja como meia ou volante.
— Ele pode ser uma coisa ou outra, ele tem talento pra ser o que quiser. Mas precisa se integrar ao time, precisa participar mais, se concentrar no jogo, pedir a bola, se deslocar, comandar o time, tem que entrar na área, chutar, driblar. É caso de personalidade e caráter, não só de técnica. Técnica ele tem de sobra. O que ele tem de entender é o jogo coletivo. Tem que entender que um time só joga se todo mundo participar — conclui David Coimbra, jornalista do Grupo RBS.