Nesta quinta-feira (26), a Batalha dos Aflitos completa 15 anos. Não há gremista que se preze que, mesmo tendo nascido depois de 2005, não tenha ouvido histórias sobre a emocionante vitória diante do Náutico, que garantiu o retorno do Grêmio à elite do futebol brasileiro.
Quem viveu aquela tensa tarde de sábado lembra exatamente onde estava e o que fez na hora em que o árbitro Djalma Beltrami expulsou quatro atletas tricolores. Ou quando o goleiro Galatto, com a perna direita, defendeu a cobrança de pênalti de Ademar. Mais ainda quando o meia Anderson enfileirou adversários e mandou a bola para o fundo das redes pernambucanas.
Porém, GZH resolveu abrir o baú de memórias, buscando bastidores jamais revelados ou pouco conhecidos desta que é uma das jornadas mais épicas de um clube na história do futebol mundial.
O dirigente que não viu o gol
No primeiro tempo, os donos da casa já haviam desperdiçado um pênalti na trave de Galatto. Quando o segundo foi marcado, aos 35 minutos da etapa final, os dirigentes que assistiam à partida nas tribunas não tiveram dúvidas e invadiram o gramado. Cercado por atletas gremistas, o juiz começou a distribuir cartões vermelhos para Escalona, Patrício, Domingos e Nunes.
Insuflado por dirigentes, o presidente Paulo Odone recorreu ao seu assessor especial do futebol, Renato Moreira, consultando se devia mandar o time se retirar de campo. O advogado aconselhou que não o fizesse: "Podemos ser rebaixados para a terceira divisão, presidente", argumentou. Após muita reclamação, a bola foi colocada na marca da cal e o pênalti foi batido.
Quando a bola bateu na perna do Galatto, eu desci correndo para o vestiário para passar a informação aos jogadores que haviam sido expulsos
RENATO MOREIRA
assessor especial de futebol
— Eu fiquei atrás do gol. Quando a bola bateu na perna do Galatto, eu desci correndo para o vestiário para passar a informação aos jogadores que haviam sido expulsos. Estava aquele clima de velório e eu entrei gritando feito um louco: "o Galatto defendeu!". Todo mundo enlouqueceu, mas aí eu pensei: "Faltam 15 minutos e nós estamos com sete jogadores". Voltei para o gramado e perguntei para o Odone: "E aí, como está o jogo?". E ele me respondeu: "Fizemos um gol". Como assim? Eu não vi o gol do Anderson, porque foi na hora que eu desci para o vestiário — recorda Moreira às gargalhadas.
Com o encerramento da partida, o Grêmio sequer pôde festejar o surpreendente título no gramado. Por motivos de segurança, a delegação foi orientada pela Polícia Militar a deixar o estádio. No hotel, ainda com as roupas do jogo, os atletas pularam na piscina e depois brindaram a conquista madrugada adentro.
— A Batalha dos Aflitos não começou ali. Tivemos vários episódios que antecederam. Contra o próprio Santa Cruz, também em Recife, também nos trataram muito mal — revela Moreira — Quando entrei para o futebol, a Série B já tinha começado. Minha primeira contratação foi o Sandro Goiano. Nos conhecemos no aeroporto de Brasília, em um ambiente ruim, pois havíamos perdido para o Anapolina. E ele foi um cara sensacional, foi nosso capitão e, sem a liderança dele, seria difícil. Conseguimos fechar um grupo de amigos — conta o ex-dirigente.
A ordem do capitão
Quando o volante chegou ao Estádio Olímpico já não era nenhum menino. Aos 32 anos, já havia ajudado o Paysandu a conquistar a Copa dos Campeões e à inédita participação da Libertadores. Portanto, já conhecia o terreno em que o Grêmio iria pisar.
— Eu já tinha jogado muitas vezes lá (nos Aflitos), mas da forma que foi, nunca tinha acontecido. Foi tudo diferente. Tivemos que descer do ônibus fora do estádio e passar no meio da muvuca, ouvindo xingamentos e o pessoal jogando cerveja e urina na gente — recorda o ex-atleta, que hoje vive em Goiânia.
Um dos motivos para que o Sport viesse atrás de mim é que eu era um desafeto do Náutico
SANDRO GOIANO
capitão do Grêmio
Mas a vida de Sandro Goiano mudou para sempre. Com a braçadeira de capitão, ele continuou sendo uma das principais referências da equipe e só deixou o clube quando Mano Menezes também foi embora, dois anos depois.
— Um dos motivos para que o Sport viesse atrás de mim é que eu era um desafeto do Náutico. Lembravam muito do que a gente tinha feito em Recife — conta ele, que foi campeão da Copa do Brasil na Ilha do Retiro, em 2008.
Porém, a história poderia ter sido outra. De acordo com o ex-volante, Marcelo Grohe, então com 18 anos, quase teve de jogar o segundo tempo da Batalha dos Aflitos.
— No intervalo do jogo, o Galatto disse que estava machucado. Estava mancando e não conseguia nem bater tiro de meta. O Ricardinho pediu para sair e o Galatto também, mas eu dei uma dura nele, disse que a gente convivia com dores nos treinos. E olhei para o lado e o Marcelo falava: “Não sai, Galatto. Não sai” (risos). Eles eram dois moleques. O Marcelo não tinha feito nenhuma partida naquele ano e iria jogar justo a final? Não dava, né. Mas graças a Deus, o Galatto ficou no time e fez história — revela.
Ninguém acreditava no goleiro
No retorno da delegação a Porto Alegre, houve desfile em cima do caminhão do Corpo de Bombeiros. Torcedores tomaram as ruas da Capital para festejar, principalmente, o goleiro Galatto que, aos 22 anos, havia assumido status de ídolo.
— Para mim, era tudo novo. Eu entrei no Grêmio com 13 anos e subi para os profissionais em 2004. Era o quarto goleiro e, no ano seguinte, virei titular em questão de dois ou três meses. Ao longo do campeonato, a gente sabia que ia subir, mas não imaginava que seria daquela maneira, tão dramática. Às vezes, fico até sem palavras porque aquele jogo foi uma das grandes vitórias da minha vida. Não só pelo esporte, mas é uma lição para quando temos que lutar por um objetivo, as coisas não acontecem como a gente imagina e mesmo assim temos que seguir lutando — comenta ele.
Na Espanha, até me perguntaram se aquele jogo era real mesmo ou havia sido montado
GALATTO
goleiro do Grêmio
Mas o promissor goleiro não conseguiu ter vida longa com a camisa tricolor. Convivendo com lesões (sofreu traumatismo craniano no Gauchão e um estiramento no braço), Galatto teve de dar continuidade à carreira longe do Olímpico. Porém, levou consigo a fama de ter defendido o pênalti em Recife.
— Depois eu joguei no Athletico-PR e todo mundo me perguntava sobre o jogo. Quando fui apresentado no Málaga, na Espanha, até me perguntaram se aquele jogo era real mesmo ou havia sido montado. Na Bulgária, onde eu também joguei, havia muita suspeita sobre combinação de resultados e eles também achavam que a Batalha dos Aflitos podia ser arranjada. Eu dizia que não, que era épico mesmo — conta o goleiro, que vive hoje em Gravataí.
Depois de 15 anos contando histórias sobre o jogo, é difícil arrancar alguma novidade de Galatto. Mas, entre as lembranças que ele revive, está a da palestra dada pela comissão técnica naquele 26 de novembro de 2005.
— O Mano dizia que, quem quisesse marcar seu nome na história do clube, era o momento. Na preleção, depois da parte tática, ele passou um vídeo com os títulos do Grêmio, o Mundial, as Libertadores, as Copas do Brasil, o Brasileirão e, no final, a tela ficou embaralhada e dizia: "espaço reservado para esta conquista". E foi o que a gente fez —finaliza.