O Grêmio que encantou o Brasil e até mesmo a América ficou no passado. Apesar de ter conquistado o tricampeonato gaúcho recentemente, a equipe comandada por Renato Portaluppi não tem conseguido repetir boas atuações em 2020. A derrota sofrida para o Sport, na quinta-feira (3), foi mais uma prova de que algo mudou na Arena.
Mesmo que tenha finalizado inúmeras vezes (28, segundo o SofaScore), nem todas as finalizações saíram de jogadas trabalhadas pelo chão. Muitas foram de bolas alçadas à área, que dependem de fatores difíceis de controlar para serem concluídas. Não à toa, apenas sete chegaram ao gol de Luan Polli. E, quando as redes balançaram, o lance foi gerado por uma bola enfiada em profundidade, por Robinho, para explorar a infiltração de Pepê entre os zagueiros — como nos velhos tempos.
Números como estes ajudam a explicar por que o Tricolor é o time do Brasileirão que precisa do maior número de finalizações para marcar um gol: média de 19,2 chutes.
Cruzamentos
Embora o elenco tenha perdido alguns jogadores em relação a outras temporadas, como o atacante Everton Cebolinha, o sistema tático segue sendo o mesmo 4-2-3-1. A diferença está na característica dos atletas que ocuparam as vagas e que, consequentemente, alteram o modelo de jogo praticado pela equipe.
Desde 2015, o Grêmio usava do chamado jogo apoiado. Ou seja, os atletas se aproximavam e trocavam passes curtos, que, aos poucos, envolviam o rival. Geralmente, esta movimentação se dava pelo lado direito, com Edilson, Ramiro, Arthur e Luan combinando jogadas para que, em uma inversão pelo lado esquerdo, com a marcação fragilizada, a jogada aguda acontecesse com Pedro Rocha, Fernandinho ou o próprio Everton.
Em 2020, se vê um time menos paciente, com mais pressa de concluir o lance. Contra o Sport, por exemplo, foram 48 bolas levantadas na área pernambucana — 20 delas pelo lateral-direito Orejuela. É como se o Grêmio cruzasse uma bola a cada dois minutos.
Renato justifica a exploração da bola aérea pela presença do centroavante Diego Souza. Mas outros camisas 9 já foram usados antes e, nem por isso, o time viveu de uma ideia só. A explicação para isso pode estar no meio-campo.
Volantes construtores
Um dos símbolos do estilo de jogo que glorificou o Grêmio é Maicon. Quando ele está em campo, o time consegue praticar um modelo semelhante ao das campanhas vitoriosas da Copa do Brasil e Libertadores. No empate com o Corinthians, por exemplo, pela segunda rodada do Brasileirão deste ano, mesmo que o resultado tenha sido 0 a 0, o camisa 8 ditou o ritmo do meio-campo.
Nos 84 minutos que esteve presente no gramado, foi responsável por 74 passes (com 92% de índice de acerto) e apenas sete bolas longas. Porém, aos 34 anos, o volante não consegue atuar com tanta frequência. E sem ele, como aconteceu diante do Sport, Renato opta por escalar Lucas Silva, que acabou substituído antes mesmo do intervalo, após 38 passes certos e os mesmos sete lançamentos.
O que chama a atenção é a faixa de campo ocupada por ambos e demonstrada através da análise do mapa de calor. Maicon aparece da intermediária para a frente, enquanto Lucas está atrás desta mesma linha.
Para piorar, o técnico gremista optou por iniciar este último jogo com Thiago Neves como meia centralizado — o que seria o seu último jogo pelo clube. Embora vestisse a camisa 10, o experiente jogador é muito mais um meia-atacante do que um criador de jogadas, o que o aproximava constantemente da área, abrindo um rombo entre os setores defensivo e ofensivo.
A situação só melhorou quando Jean Pyerre foi acionado e, posicionado como um volante, passou a distribuir melhor o jogo. Os números comprovam isso: mesmo estando menos tempo em campo, o jovem meia trocou mais passes do que Thiago Neves (74 contra 28), finalizou mais vezes (cinco contra quatro) e perdeu menos a posse da bola (nove contra seis).
Considerando estas estatísticas, o segundo tempo pode mostrar um caminho para Renato: Jean Pyerre pode ser o jogador do elenco que mais se aproxime de Maicon. Como o treinador está, aos poucos, perdendo sua fórmula vencedora, o jeito será reinventar o time.