Às vésperas da retomada do principal torneio de clubes do continente, GaúchaZH dá sequência à série Histórias da Libertadores, ouvindo personagens da principal competição continental. São textos em primeira pessoa, extraídos a partir de relatos dos entrevistados. Já apresentamos os relatos do tricolor Osvaldo e do colorado Tinga. Nesta segunda-feira (22), é a vez de Murilo, ex-goleiro gremista. Na terça, será Michel, ex-atacante do Inter. O encerramento será do ex-árbitro Renato Marsiglia.
Para ganhar a Libertadores de 1995, o Grêmio precisou superar uma situação que ficou no limite entre o heroísmo e a vergonha. Nas quartas de final, o time de Luiz Felipe Scolari abriu 5 a 0 sobre o Palmeiras no jogo de ida, disputado no Olímpico. Na volta, em São Paulo, Jardel marcou o primeiro gol, aumentando a vantagem para seis. Só que o Palmeiras reagiu. Virou antes do intervalo. Antes dos 20 do segundo tempo, o jogo estava 4 a 1.
Aos 40, chegou ao quinto gol. Mais um e a decisão seria nos pênaltis. O drama daquele confronto é relatado pelo goleiro Murilo, que teve a missão de substituir Danrlei, suspenso após agredir Válber, que brigou com Dinho atrás da trave.
Aquelas quartas foram a final da Libertadores
"Tu sabia que eu estava com o dedo quebrado? Na verdade, eu nem deveria estar lá. É que o outro goleiro, o menino Antônio Carlos, tinha operado o joelho. Ele estava pior do que eu. Eu estava há 18 dias sem treinar. Se não tivesse outro, o zagueiro Adilson seria o goleiro. Mas vamos voltar mais um pouco. A Conmebol suspendeu o Danrlei por vídeo. Ele não foi expulso no jogo, ficou suspenso depois. Acho que nunca tinha acontecido.
O clima era tenso. Tinha uma rivalidade monstruosa entre Grêmio e Palmeiras. Tínhamos eliminado o Verdão na Copa do Brasil, depois nos encontramos na Libertadores. Estava tudo estranho, pesado. Por isso, mandaram o Danrlei embora quase depois de chegar ao aeroporto. Quando desembarcamos, não sabíamos da punição. Daí ele voltou para Porto Alegre, era mais seguro, a torcida do Palmeiras queria matar ele. Poderia complicar no hotel. Foi ali que fiquei sabendo que ia jogar, mesmo machucado.
Tinha quebrado o dedo em um treino. Lembra daquela Copa dos Campeões? Estava jogando, o Danrlei estava na Seleção. Em um treino, em um domingo com chuva, dividi uma bola com o Jaques e quebrei o dedo. O Sílvio me substituiu, jogou até a final do Gauchão. Mas ele não estava inscrito na Libertadores. Por isso era eu que viajava, só que andava com tala e tudo. Só fazia treino físico, não participava de nada com bola.
Quando chegou a polêmica que eu estava machucado, o Mazaropi, que era o preparador, me chamou para treinar. Só para aparecer, diminuir a conversa. Só que doía pra caramba. Tanto que cheguei em Porto Alegre, na volta, com um hematoma enorme, do dedo até a palma da mão.
Do jogo, fizemos um gol cedo, com o Jardel. Pensei: "Pronto, estamos tranquilos". Mas eles fizeram dois gols antes do intervalo. A torcida veio, pressionou. Em menos de 20 minutos, estava 4 a 1. A gente tentava gritar para acalmar, tocar a bola, mas não dava. Eles vinham para cima. A gente dava a vida para afastar a bola de lá. O Paulo Paixão falava que era o jogo da vida. Mas em 1995 a gente teve uns 50 jogos da vida. Aquele foi mesmo.
Quando o Cafu fez o quinto gol, entramos em desespero. Faltava pouco tempo. Achei que ia complicar de vez. Nem cera a gente conseguia fazer, eles ficavam com a bola, a torcida estava enlouquecida. A gente só rezava, pedia para acabar o jogo. Cada minuto parecia levar 10 para passar.
MURILO
Ex-goleiro do Grêmio
Quando o Cafu fez o quinto gol, entramos em desespero. Faltava pouco tempo. Achei que ia complicar de vez. Nem cera a gente conseguia fazer, eles ficavam com a bola, a torcida estava enlouquecida. A gente só rezava, pedia para acabar o jogo. Cada minuto parecia levar 10 para passar. No final do jogo, a gente estava em 11 contra 11 e não conseguia fazer nada. Chutava a bola para a bandeirinha de escanteio deles e torcia para o tempo passar. Uma eliminatória assim, com cinco num jogo e cinco no outro, só fui ver 20 anos depois, naquele PSG e Barcelona na Liga dos Campeões. Só que o PSG, que tinha a vantagem, perdeu. Hoje, fico pensando. Se a gente tivesse levado mais um gol, imagina com que cara eu voltaria a Porto Alegre. A torcida nunca me cobrou pelos cinco. Isso preciso reconhecer.
Nos classificamos, mas um goleiro não consegue sair feliz tendo levado cinco. Fizemos o que o Felipão nos falou no vestiário: passamos uma borracha e seguimos.
Uma goleada não define o que o time é. Ou o Brasil que levou 7 a 1 só tinha morto? Não, né? É ruim, claro, mas seguimos em diante. No nosso caso, passamos. E foi como ter sido campeão. Na verdade, aquelas quartas de final foram a final da Libertadores."