Morrer nesta vida é fácil. Difícil é a vida e seus ofícios, disse há muitos anos um poeta russo que teve menos dificuldades para morrer do que para levar a vida adiante. E parecia ter razão na emoção de seus versos. Senão vejamos: leva anos para se construir uma vitória. E uma glória, mais ainda. Individualmente, poucos de nós chegamos a ela, a não ser que consideremos — e consideramos — a glória das pequenas grandes coisas da vida como um amor ou um trabalho. Perdê-los para um tempo ou para a morte é sempre uma dor, com frequência indizível ou até mesmo insuportável.
Mas tem a arte. Senão vejamos: O grego Aristóteles deixou claro o quanto digerimos nossas emoções através de uma tragédia ou de uma comédia propriamente vistas, mas pode ser um livro, um quadro, uma série do Netflix. E tem o esporte, senão vejamos: em poucos meses, o Grêmio estava na semifinal da Libertadores e, em uma semana, poderia se tornar o único time brasileiro a vencer quatro vezes a competição. E nem o Santos do Pelé. Cinquenta e três mil pessoas estavam a 10 minutos de se aproximar da façanha a que, fora dali, jamais chegariam, a não ser nas pequenas coisas do primeiro parágrafo ou na tragédia e na comédia do Aristóteles. Ao som de cânticos, celebrava-se diante de uma minoria de 22 jogadores e 4 mil argentinos. Mas, em pouco tempo, tudo se esvaiu em duas mãos, uma argentina que conseguiu passar despercebida e outra brasileira, que não.
A tragédia entrou em cena. Era um arenaço, depois de quase 70 anos de um maracanaço, com direito a lágrimas na chuva e a um vilão chamado Bressan. Benditos os malditos vilões na arte e no esporte. Eles nos redimem de nossas próprias insuficiências de um time imortal que entrou em campo coletivamente morto, com a cara do fracasso que despontava depois de dois anos de sucesso. E quem suporta, fora da arte e do esporte, uma dor e um fracasso que podem aterrissar em 10 minutos?
O futebol ainda oferece essa chance de suportarmos viver com sobriedade o que, fora dele, seria impossível. Faz-nos prometer que foi a última vez, que desistimos. Mas, de quebra, em pouco tempo, repõe a nossa esperança ao anunciar o próximo jogo. E, driblando a morte, torna possível essa vida difícil e seus curvados ofícios fora das quatro linhas.